O Muro de Bagdá

Em uma semana de relativa “calmaria” no Oriente Médio, planejava fazer uma coluna que tratasse de temas mais amenos, como a poesia de combate palestina. Já havia até selecionado algumas das melhores.

No entanto, a notícia da construção de um novo muro, desta feita na cidade histórica de Bagdá, fez com que eu tivesse que tratar desse tema.


 


Os muros no mundo


 


A sociedade em que vivemos é cheia de muros. Muros no sentido figurativo do termo. São barreiras que existem, boa parte delas reais e concretas, mas outra parte mental, psicológica. Há delimitações sociais, mesmo que não sejam físicas. Alguns autores clássicos na sociologia, quando discutem classes sociais tratam desse tema. Determinados grupos sociais, pessoas integrantes de classes subalternas sabem o “seu lugar na sociedade”, sem que ninguém precise dizer isso a elas. Claro, existem mesmo as barreiras físicas, como os elevadores e entradas de serviço, onde os empregados domésticos utilizam e os seus patrões o fazem nas entradas “sociais”.


 


A história registra um grande muro, única obra que pode ser avistada da Lua na Terra, que é a famosa Muralha da China, construída para proteger o país contra invasores. Tivemos ainda o famoso Muro de Berlim, que separava nessa cidade as duas Alemanhas, a Ocidental, capitalista e a Oriental, socialista. Este caiu em 1989. Por fim, o mais recente deles, o que vem sendo construído por Israel, que separa parte das terras da Cisjordânia e de territórios israelenses. Ainda que essa construção tenha sido embargada pelo Tribunal Internacional de Justiça de Haia, o governo israelense segue a sua construção, separando dois povos e delimitando territórios.


 


Há o projeto do grande muro americano, uma verdadeira muralha, que vai isolar ainda mais a fronteira dos Estados Unidos com o México, para evitar a migração mexicana. Apesar do governo do México ser completamente subserviente à George Bush, até Felipe Calderón teve que pedir que a construção fosse interrompida. Uma verdadeira vergonha, mas Bush já disse que a obra prosseguirá.


 


A vez de Bagdá


 


Estava demorando a que o governo fantoche de Nour El Maliki, primeiro Ministro xiita do Iraque apresentasse alguma obra nesse sentido, que separasse, que segregasse ainda mais a já dividida população iraquiana (as três etnias mais predominantes são a dos curdos e dos árabes, que se subdividem em xiitas e sunitas).


 


Há duas semanas, um atentado espetacular dentro da Zona Verde, região de máxima segurança em Bagdá, atingiu o parlamento, também farsante e sem representatividade e legitimidade (as duas discussões mais importantes hoje são a divisão do país em três regiões autônomas e a privatização completa do petróleo iraquiano!). Quase 30 pessoas morreram, após um membro da resistência ter explodido bombas presas ao seu corpo interrompendo uma sessão do parlamento.


 


Sabemos que a resistência iraquiana cresce a cada dia. Há basicamente três grandes setores da resistência (ainda vamos tratar disso em colunas futuras): a dos clérigos sunitas, a dos membros do Partido Socialista Árabe Baath e o grupo guerrilheiro Al Qaeda. Esses agrupamentos são compostos por xiitas, sunitas, cristãos, comunistas e por gente de todas as correntes que tem um único ponto em comum: expulsar as tropas invasoras americanas de suas terras. É claro que não poderia deixar de mencionar o Exército Méhdi, do polêmico clérigo xiita Moqtada Al Sadr, que ora apóia o governo, ora passa para a oposição, fazendo um caminho errante (semana passada, seus sete ministros no governo entregaram os cargos e disseram que passariam à oposição e exigiriam uma data para a saída das tropas americanas do país).


 


A milenar cidade de Bagdá é o maior alvo da resistência, pois lá se encontram os prédios da administração federal, as embaixadas dos países que ainda funcionam, o parlamento e a sede do governo central, à serviço de Washington. Na região denominada de Zona Verde, estão presentes pelo menos 20 mil soldados que procuram dar “segurança” aos moradores dessa região, geralmente pessoas de confiança do governo pró-EUA. Mas, não há garantia alguma de segurança nessa região fortificada.


 


Segundo o governo de Maliki, é preciso isolar ainda mais os bairros sunitas do restante da cidade. Para isso, propôs a construção do muro, na verdade uma decisão dos Estados Unidos. E o próprio porta-voz do exército iraquiano confirma isso, quando é taxativo em afirmar que a construção do muro é parte do plano de segurança dos americanos para Bagdá. A população sunita vem protestando contra isso, pois acaba por segregar e dividir ainda mais a população já envolva em disputas sectárias.


 


O muro a que nos referimos terá uma extensão de 5 km ao redor de um enclave sunita da capital ao redor de um bairro de Adhamiyah. Não poderíamos deixar passar em brancas nuvens em nosso comentário semanal da cena do Oriente Médio esse abjeto muro, mais uma vergonha que separa seres humanos, que os segrega como se animais fossem.


 


O mundo que defendemos não necessitará nunca de muros que separam pessoas umas das outras. Por isso nosso esforço para transformá-lo e colocar abaixo todos os muros que existem, sejam eles físicos ou espirituais. Entre esses, derrubaremos também o Muro de Bagdá.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor