O ''mensalão'' no STF: o que as raposas não explicam

O julgamento de parte do esquema de captação de “recursos não contabilizados” (caixa dois) pelo Superior Tribunal Federal (STF) está mobilizando mais uma vez os apedrejadores de sempre — principalmente os que atuam na “grande imprensa” —, que têm como

Parece haver nas ações da direita brasileira de hoje cada vez mais coisas entre o céu, onde está a imaginação, e a terra, onde se vive a realidade, do que sonha a nossa vã filosofia. Pelas melhores regras do que se considera ser a ciência política, pela sabedoria acumulada nas academias e até pelas experiências do passado, tais e tais causas deveriam gerar tais e tais efeitos; desta ou daquela situação teria de resultar esta ou aquela conseqüência. Mas não tem sido assim. Isso se deve à mais interessante inovação que a direita trouxe para o debate político: o Departamento de Gerência de Falsidades e Mentiras. Ou seja: a mídia.


 


É o que acontece agora com o factóide criado por algumas figuras teatrais que, no balanço da remexida da velha denúncia sobre ''recursos não contabilizados'', tentam relançar o espetáculo circense do “mensalão” — esquema de captação de recursos para campanhas eleitorais por meio de “caixa dois” criado pelos corruptos que dominaram a “era FHC” e utilizado por alguns petistas. O próprio FHC entrou em cena para “lamentar” a demora do Supremo Tribunal Federal (STF) em apreciar o caso. Ao jornal Folha de S. Paulo, o tucano defendeu o julgamento de todos os 40 “acusados” pela Procuradoria Geral da República.


 


Parábola do camelo da Bíblia


 


FHC é uma dessas figuras que a gente ouve porque não é surdo. Ele disse outras bobagens, como as ''recaídas chavistas” do presidente Luis Inácio Lula da Silva, mas dor-de-cotovelo é um assunto que não convém comentar. O fato é que “o caso Renan”, criado pela turma da farra do boi — gente acostumada a vender coisas menos nobres do que carne bovina a preço de caviar —, está ficando velho e um novo ato precisa ser encenado. O circo não pode parar. O caso, examinado de perto, mostra que, como na parábola do camelo da Bíblia, não leva nenhum dos acusadores a entrar no reino dos céus — ou, até, em lugares onde o ingresso exige méritos muito mais modestos.


 


O bicho teria menos trabalho para passar pelo buraco de uma agulha do que um desses acusadores para ser abrigado na morada dos justos. A calamitosa seqüência de truques para justificar as acusações que pesam contra as vítimas dessa execração pública inescrupulosa é uma prática que faz primeiro o sujeito perder a pose, depois o respeito e por fim qualquer condição de continuar falando em moral, ética e bons costumes. Mas nada disso parece incomodar os acusadores. É aí que reside a natureza didática do caso: eles se repetem tanto que acabam se tornando uns chatos, uns tolos.


 


Mesmas praxes e critérios


 


Nos países onde se vive sob a proteção das leis, o Poder Judiciário funciona como uma garantia para os cidadãos. Sua ação gera um ambiente de tranqüilidade, a expectativa de ordem e o conforto de saber que as decisões serão tomadas sempre de acordo com as mesmas praxes e critérios. No Brasil, a “grande imprensa” quer transformar essa vertente democrática em um fator de tumulto. Seus mandantes a todo momento interferem nos atos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Eles invalidam leis que o Congresso aprovou, inventam regras novas no meio do jogo e decidem o que a Constituição quis ou não quis dizer a cada artigo.


 


O “comentarista” da Rede Globo, Arnaldo Jabor, por exemplo, já avisou que a decisão do STF tem de ser ''razoável''. O que será que ele e seus iguais consideram ''razoável''? Vai ser preciso adivinhar, ou perguntar a eles, ou, quem sabe, pedir que escrevam eles próprios novas leis para o país. Se perguntados o que pretendem fazer, suas respostas certamente serão parecidas com aquela célebre explicação dada por um oficial norte-americano, durante a Guerra do Vietnã, após pulverizar uma aldeia acusada de abrigar guerrilheiros comunistas: ''Para salvar a aldeia, tivemos de destruí-la.''


 


Análises difíceis de entender


 


O Brasil, como já se disse mais de uma vez, tem um dos piores sistemas de mídia do mundo — possivelmente o pior. Não é ruim o suficiente, porém, para as necessidades dos manda-chuvas de sempre — e mesmo de algumas personalidades do mundo político que se imaginam do mundo das artes cínicas… ops, cênicas — , que sempre combinam entre si uma tramóia para torná-lo ainda pior do que já é. Trata-se de uma manobra para retirar do eleitor, ou reduzir pela metade, o seu direito de escolher os nomes das autoridades públicas que gostaria de eleger.


 


Isso explica porque o “mensalão” é uma espécie de X-tudo. São enfiados ali, à medida que vão sendo encontrados, os ingredientes mais diversos e disparatados entre si — qualquer coisa serve, desde que faça volume. Entram “denúncias” requentadas, “denúncias” que estão paradas há tempos e “denúncias” que talvez um parlamentar oportunista faça algum dia. Nesse vale-tudo, alguém meteu no pacote até uma alusão à fábula oriental de Ali Babá (leia a coluna “O ‘mensalão’ e a lanterna do procurador geral”, clicando no endereço que está no rodapé desta página). O problema é que nada disso abala a credibilidade do governo entre o povão.


 


Ambiente democrático


 


Pouca coisa, em resumo, está saindo como eles esperavam que saísse. Que razões haveria para isso tudo? Quando se coloca a pergunta, as respostas começam com um ''veja bem'' — e a partir daí não se vê mais nada com clareza. Na melhor das hipóteses, seguem-se explicações que desvendam só um pedaço da charada. Na maioria das vezes, o que se tem são análises difíceis de entender, defeituosas na lógica, contrárias aos fatos ou tudo isso ao mesmo tempo. Ao fim e ao cabo, fica-se na mesma. É um mistério, como a feira de Acari.


 


O Brasil está com um problema sério em sua democracia. Ele se chama ''comportamento da grande imprensa''. Já existem fatos concretos para medir o tamanho deste problema — o que leva a duas certezas. A primeira é que ele não vai sumir do mapa político brasileiro tão cedo. A segunda é que dessa semente só vai germinar coisa ruim. Já vemos uma crescente perturbação do ambiente democrático do país.


 


O caminho de Chávez


 


A coisa é tão séria que a revista Veja alardeou recentemente uma pesquisa Ibope segundo a qual 65% da população consideram que os animais que mais lembram os “políticos brasileiros” são o rato e o abutre. Num momento em que potenciais infratores do Código Penal — como a revista Veja — tentam dar o tom à atividade política do país, é preciso considerar a intenção expressa por Lula de ampliar os direitos do cidadão.


 


A experiência aconselha a dar atenção quando os chefes de Estado ou de governo querem ampliar os direitos públicos. Quem fala em ampliar direitos está dizendo que quer mexer neles — e quando se mexe em direitos muitas vezes eles acabam ficando menores para alguns para ficarem maiores para outros. No presente governo, por exemplo, existe a idéia de que o presidente venezuelano Hugo Chávez está ampliando direitos para o povo. Se for esse tipo de ampliação que Lula quer para o Brasil, a coisa está no caminho certo. Isso explica, de forma cabal, a essência da recorrente crise política brasileira. Ou seja: os métodos que as raposas utilizam na luta para retomar a chave do galinheiro.


 


Leia também:


 


Lula e a lanterna do procurador-geral
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=729


 



 

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