O meio ambiente, a ONU e o socialismo do século XXI

Todos os dias a televisão, o rádio, a Internet, os jornais e as revistas anunciam catástrofes climáticas. De fato, nunca se viu mudanças tão rápidas e com efeitos tão devastadores. Para reverter os efeitos do aquecimento global é preciso reduzir a quantid

A defesa do meio ambiente constitui uma das discussões mais inflamadas que o mundo terá de travar e superar no futuro próximo. A complexidade do assunto começa pela sua definição geográfica. Há quem olhe para o problema como se ele fosse da esfera dos países pobres, ou “emergentes”; e há os que vêem a crise sob uma perspectiva mundial e histórica. A primeira maneira de encarar a questão tem viés indiscutivelmente economicista. Para ela, o problema se limita à definição de uma forma de gerar a maior riqueza possível a partir da escassez de recursos. A idéia-chave seria como empregar o capital, o trabalho e os insumos de modo a obter o máximo de retorno. O papel de ricos e pobres estaria bem delimitado: os primeiros entrariam com a tecnologia transformadora e os segundos com as matérias-primas.


 


Há aqui um primeiro ponto a se considerar. O desenvolvimento econômico dos países é sinônimo do desenvolvimento da eficiência nas sociedades. A história do avanço do homem em direção à prosperidade, desde o tempo em que ele lascava pedras até os dias atuais, em que produz microprocessadores capazes de lidar com informações de forma muito mais rápida que seu próprio cérebro, é a história do esforço humano em empreender de modo cada vez mais eficiente. A eficiência é, portanto, do ponto de vista econômico, a régua essencial que mede o progresso da humanidade. Se é assim, a relação econômica entre países ricos e pobres precisa ser urgentemente redefinida.


 


Só o socialismo salva o planeta


 


O principal elemento desta equação é a tecnologia avançada — segundo o professor titular de filosofia da história da Universidade de Urbino (Itália), Domenico Losurdo, a mãe de todas as desigualdades. A monopolização desta ferramenta pelos países ricos é um fenômeno que impulsiona a abertura de novas fronteiras de investimento (China, Índia, Leste Europeu e América Latina, principalmente) — uma combinação que segundo alguns conhecidos propagandistas das virtudes do capitalismo inaugura uma nova “Era de Ouro”. ''É um momento histórico importante'', disse ao Wall Street Journal Jeffrey Sachs, renomado professor titular do departamento de economia de Harvard. Ele considerou que o crescimento econômico mundial, salvo no caso de eclosão de uma guerra ou de uma catástrofe ambiental, está prestes a atingir um patamar invejável.


 


É óbvio que são profecias. E profecias são realmente um problema em assuntos econômicos. Basta lembrar as previsões eufóricas que circulavam às vésperas da crise de 1929. Pouco antes, Wladimir Lênin havia definido o imperialismo como a pretensão de alguns de transformar o conceito de Estado nacional em algo restrito a poucos países centrais. Os demais países deveriam renunciar às suas soberanias. Esse sonho imperialista foi parcialmente adiado até o fim do bloco soviético, quando essas poucas nações se tornaram uma só: os Estados Unidos da América. Daí em diante, como explica Losurdo, o cenário mundial passou a ser definido como o casamento definitivo da senhora ''democracia'' com o senhor capitalismo.


 


Esse sonho de amor, no entanto, é um pesadelo para quem vê o mesmo cenário sob outra perspectiva. “O socialismo é o único meio para salvar o planeta. Socialismo ou morte!'', proclamou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em sua visita ao Estado do Paraná no começo de 2006. Ele enfatizou que é necessário acabar com o imperialismo norte-americano, ''antes que ele acabe com os outros''. Mas ressaltou que o momento atual é de confronto de idéias, e não de confronto bélico. Esse é o ponto. A compreensão da crise requer que o pensamento progressista se erga a uma consciência mundial. Superá-la só será possível por meio de uma mudança radical e global.


 


Fundo comum de matérias-primas


 


Radical porque terá de descer às raízes do problema; global porque não poderá ser somente política ou social, mas também ecológica, científica, ética. Pode-se dizer que se não chegamos estamos perto da fase em que a crise se abre em toda a sua potencialidade destruidora. Seria o auge daquilo que Lênin definiu como a época das guerras e das revoluções. Uma época que se abriu com a Primeira Guerra Mundial e a Revolução russa de 1917 — e se desdobrou na Segunda Guerra Mundial, na Revolução chinesa de 1949, na Revolução cubana de 1959, na guerra do Vietnã e em várias outras guerras de libertação nacional. O esgotamento dessas etapas, que tem como símbolo maior a desintegração do bloco soviético, levou a crise mundial ao transbordamento atual e promoveu alterações profundas na rotina ideológica tanto nas metrópoles quanto nas regiões periféricas do planeta.


 


Na crise mundial, o meio ambiente aparece com destaque. A situação de dependência de poucas matérias-primas por todas as nações e as dificuldades de provisão de energia e de alimentos remetem o problema para uma discussão literalmente acalorada. Isso quer dizer que as premissas para uma comunidade de nações livres e iguais já estão pelo menos postas. Mas a potência hegemônica se move em outra direção — ela prefere elevar a tensão nas relações entre nações ou governos. O problema é que falar em comunidade de nações pressupõe a substituição da dominação imperialista por um sistema de relações de cooperação. É um dilema: ou o lugar do imperialismo é ocupado por um entendimento geral pautado pela paz e pela democracia ou não há alternativa ao abismo.


 


Vias da política internacional


 


Esse entendimento seria uma forma de dar sentido prático, pelas vias da política internacional, às soluções que os cientistas elaboram a fim de responder aos graves problemas que ameaçam a subsistência humana na terra. Só assim todos os povos seriam levados a entender-se para uma participação eqüitativa num fundo comum de matérias-primas e de recursos naturais. Esta solução fundamental, no entanto, não poderia ser adotada no estágio atual das relações internacionais porque ela requer uma pesquisa científica total, rigorosa e livre das habituais ingerências dos interesses econômicos privados. Seria algo que não se coaduna com os propósitos dos grandes monopólios e oligopólios privados que comandam a dinâmica da economia mundial.


 


Um exemplo disso é a repercussão dos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, órgão da ONU que congrega especialistas de mais de 120 países). O Brasil fez um esforço diplomático, juntamente com Índia, China e México, para pressionar os países ricos a reconhecer que historicamente eles poluíram mais do que as nações “emergentes”. A intenção era incluir no texto oficial do último relatório do IPCC uma referência atribuindo aos países ricos responsabilidades pelo aquecimento global, um fenômeno que sem dúvida precisa ser visto sob uma perspectiva histórica (o relatório do IPCC afirma que existem tecnologia e recursos para manter as emissões de gases dentro de limites que assegurem um aumento máximo de 2 graus até o final do século). A iniciativa é um contraponto às versões que rodam o mundo, por meio dos monopólios privados de comunicação, que imputam aos países pobres a responsabilidade pelo problema e reivindicam o controle internacional dos redutos ecológicos.


 


Maior santuário da vida no planeta


 


É comum ler e ouvir, por exemplo, que é uma perigosa ironia a Amazônia, último e maior santuário da vida no planeta, estar sob a guarda do Brasil e dos brasileiros. Dizem que as florestas tropicais e equatoriais teriam um futuro bem mais tranqüilo se estivessem sob jurisdição estrangeira. É claro que há nisso uma contradição flagrante: os problemas ecológicos são um fenômeno de sociedades industriais. De modo geral, a história mostra que o sujeito só se torna verde depois que aniquila todo o verde que tinha à sua volta. É assim com os Estados Unidos, cuja voracidade em relação ao meio ambiente, desde suas origens como nação, não tem par. É assim, também, com a Europa e com o Japão — a fuligem no ar japonês é assustadora (motoristas japoneses têm o hábito de tirar longas sonecas com o motor e o ar-condicionado do carro ligados). 


 


A constatação dessa contradição não deve, evidentemente, causar nos brasileiros um dar de ombros, como se não nos restasse alternativa senão destruir o meio ambiente para crescer. Só porque em vários países o desenvolvimento ocorreu à custa do quase esgotamento dos recursos naturais, não significa que precisemos incorrer no mesmo erro. Ao contrário: esse quadro dá ao Brasil a chance de aperfeiçoar a experiência de crescimento de boa parte das economias industriais e realizar um desenvolvimento econômico pujante e compatível com a preservação ambiental.


 


A Amazônia precisa de mais cuidados


 


É óbvio que o Brasil precisa acabar, e logo, com as condições subdesenvolvidas às quais o país está submetido. Não é aceitável, por exemplo, o descaso com a urgência da demanda energética brasileira. Não se pode questionar a importância de uma usina como Itaipu. Não precisávamos, no entanto, ter varrido Sete Quedas do mapa por conta disso. Com um pouco menos de obtusidade política e um pouco mais de consciência ecológica, senão de sensibilidade estética e bom senso, poderíamos ter todos os quilowatts de Itaipu e ainda teríamos aquela que era uma das pérolas do turismo no planeta. É a falsa contradição entre preservação ambiental e desenvolvimento econômico, que ainda hoje fomenta o discurso vil de muitos planejadores, líderes políticos e empresários no país.


 


Da mesma forma, a Amazônia precisa de mais cuidados. A vida dos colonos paupérrimos que profanam a floresta para ter o que comer precisa ser melhorada urgentemente. Não é aceitável, numa nação democrática e civilizada, que eles perpetuem a agricultura de subsistência — talvez a atividade econômica mais primitiva do homem. Ao mesmo tempo, é preciso determinar que a floresta não é lugar de fazendeiros. Nem lugar de garimpo. Nem de lavouras. Nem de rebanhos. Nem de madeireiras. Nem de empresas praticando extrativismo predatório, que possuem milhares de quilômetros quadrados na região. A floresta está a cada dia menor, mais vilipendiada, entregue a grileiros e oportunistas de todo calibre. Isso tudo é resultado do desenvolvimentismo néscio dos anos de ditadura militar, que enxergava na Amazônia uma enorme seara para despejar asfalto e concreto, e erigir chaminés e espigões.


 


Rede gigantesca de transações


 


Ao Brasil e aos demais países pobres, interessa uma medida flexível para enfrentar o problema, que leve em conta concepções regionalistas e a diversidade do mundo; e ao mesmo tempo contemple o conjunto de elementos interdependentes e inter-ativos — basicamente a alimentação, a energia, o crescimento demográfico e a desigualdade no desenvolvimento econômico. No epicentro da crise está a lacuna entre pobres e ricos, com conseqüências diretas na relação do homem com a natureza. Mas para que haja o reconhecimento global de que o mundo é uno e de que há limites de recursos naturais é preciso a já dita mudança radical. A autoridade de que dispõem os cientistas é de ordem moral. O caminho a ser percorrido passa pela ação política.


 


Entretanto, em poucos países a crise assume caráter nitidamente político. Os ricos não choram diante das ruínas que semearam. Ao contrário — se orgulham do que fizeram. E tentam erguer muros em torno de seus limites, deixando, se possível, os “bárbaros” de fora. Sua dominação mundial se dá por meio de uma espécie de rede gigantesca de transações e de negócios, cobrindo os continentes mais do que as nações, ignorando fronteiras e se ligando diretamente aos centros financeiros das cidades espalhadas em todas as latitudes. Tentam submeter a ONU aos seus ditames e quando não conseguem simplesmente passam por cima da sua autoridade — como fez o facínora George W. Bush para agredir o Iraque e praticar uma série de atrocidades contra os iraquianos.


 


A ONU de portas abertas


 


O esforço diplomático de Brasil, Índia, China e México para incluir nos relatórios do IPCC a responsabilidade histórica dos países ricos sobre a degradação do meio ambiente pode se transformar em mais um episódio da série de verdades que precisam ser ditas — como fizeram os “emergentes” nas recentes negociações a respeito da rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). A ONU é o lugar ideal para isso. Suas portas foram abertas a todos os países, que sentam-se como iguais na Assembléia Geral, por meio de esforços gigantescos. É uma conquista que custou muita dor. Foi preciso saltar obstáculos como o status quo imperialista estabelecido pelos Estados Unidos quando sua área de influência foi enquadrada econômica política e militarmente logo em seguida ao término da Segunda Guerra Mundial.


 


Com o bloco soviético praticamente contido em suas fronteiras, foi preciso a entrada em cena dos Estados “não-alinhados” para impedir que o círculo imperialista continuasse mantendo as portas da ONU fechadas para uma grande quantidade de nações. Esse passo democrático é produto da história, da luta de classes. Em seu recinto, o confronto das duas ordens do mundo passou a ter lugar: de um lado, a ordem dos ricos, com a aparência de legalidade que lhes conferem o longo uso do poder, a tradição e a violência, fundadora dos direitos estabelecidos; de outro lado, a ordem de um direito que nasceu da luta contra a opressão imperialista. Lá se define com clareza o confronto maior da nossa época, da nossa civilização.


 


Floresta verdejante


 


A ONU é o tabuleiro legítimo do xadrez político internacional. Ali estão expressas ordens contrárias e irreconciliáveis. Não importa onde e como o conflito terá uma inflexão porque tanto na esfera de cada Estado como na esfera internacional estão em jogo os efeitos de uma ordem econômica essencialmente privada — a única concebida pelo imperialismo. Enquanto esta ordem sobrevir hegemonicamente a outra não terá forças para promover a emancipação dos povos subdesenvolvidos e o desenvolvimento nacional autônomo dos países pobres. A ordem do regime privado imperialista terá de ser formalmente declarada caduca para que uma nova ordem, justa e democrática, possa emergir.


 


Diga-se o que se disser, esta idéia de uma comunidade mundial estabelecida em torno de um fundo comum de matérias–primas e das riquezas naturais é o único ponto de partida de toda a abordagem verdadeiramente racional da crise atual. As forças progressistas de cada país, rico ou pobre, deveriam pensar seriamente no assunto. Numa imagem: se cada um tratar bem de sua árvore, em pouco tempo teremos uma floresta verdejante, viçosa, renovada. Nesta nova comunidade, poderá então se falar da substituição das relações sociais e políticas de dominação imperialista pelas relações de cooperação e de solidariedade — logo, de paz mundial, de democracia e de caminhos rumo ao socialismo.



 


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Lula e o comunismo


 


http://www.vermelho.org.br/diario/2006/0126/bertolino_0126.asp?NOME=Osvaldo%20Bertolino&COD=5319


 

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