O legado do Atlético de Madrid

Quando Pep Guardiola assumiu o Barcelona em 2008 e, logo em seu primeiro ano, levou o time aos títulos dos seis torneios que disputou, o mundo da bola ficou boquiaberto, impressionado com uma equipe que dominava o adversário que fosse, que tinha a bola nos pés e deixava o rival correndo atrás dela por 90 minutos.

A Era Guardiola no Barça – e também o sucesso da seleção espanhola – criou uma obsessão pela posse de bola. Os principais clubes do mundo queriam um estilo de jogo parecido, que lembrasse o tiki-tika catalão. Isso é o que acontece com equipes históricas: elas inspiram a maneira de jogar ao redor do mundo. Foi assim com a Holanda de 1974, com o Milan do fim dos anos 1980 e início dos 90, com o Arsenal de 2004, entre muitos outros.

Neste ano, o Atlético de Madrid pleiteia a possibilidade de se tornar uma dessas equipes. Os comandados de Diego Simeone já conseguiram o título do Espanhol e amanhã terão pela frente o Real Madrid em uma final de Liga dos Campeões que nem o colchonero mais fanático imaginou que fosse possível de ser alcançada no início da temporada. O Atlético está a um passo de concluir um dos anos mais surpreendentes da história do futebol e, por isso, o planeta já olha com atenção o trabalho do treinador argentino.

Se o Barça de Guardiola marcou o mundo por um futebol ofensivo, de posse de bola, que atua quase com 10 atletas no campo de ataque, o time de Simeone é quase uma antítese. O Atlético é um time que gosta de defender, que prefere esperar o adversário para sair no contra-ataque. O elenco é aguerrido, compacta espaços de forma coletiva, consegue fechar a entrada da área em blocos e, quando consegue recuperar a bola, se lança ao ataque com velocidade, muitas vezes com ligação direta. Diversos comentaristas descrevem os colchoneros como "um time de Libertadores na Liga dos Campeões". E é bem por aí.

Em entrevista ao Diário Catarinense,
Filipe Luis, lateral-esquerdo titular do Atlético, resumiu bem o estilo da equipe: "É um time grande que joga como time pequeno, todos correm e ajudam na marcação. Os atacantes são os primeiros que ajudam a defender. É um time compacto e que não tem vaidades, esta é a principal característica. Ninguém quer ser mais importante que o outro. Isso faz com que o time seja solidário e que todos corram dentro do campo".

Tudo isso é mérito de Simeone, que, desde o fim de 2011, quando assumiu a equipe na zona de rebaixamento do Espanhol, fez o time crescer sem parar. Boa parte dos titulares de hoje – como Filipe Luis, Miranda, Arda Turan, Gabi e Tiago – já estavam no clube na época em que o argentino chegou. O que o treinador fez foi pegar o material que tinha e dar um padrão de jogo, forjar uma personalidade coletiva. Quem viu Simeone em campo consegue compreender de onde o Atlético tirou o espírito guerreiro, a raça e a importância da coletividade. Segundo o Filipe, foi o treinador quem "mudou o pensamento de cada jogador que estava aqui".

Recriar um tiki-taka ao estilo do Barça é uma missão dura, exige que os 11 jogadores tenham qualidade no passe e sejam inteligentes na movimentação. É uma formula que demanda muito dinheiro ou um trabalho árduo de base para tentar ser replicada. É uma teoria bonita, mas complicada de ser posta em prática. O Atlético de Simeone, por sua vez, tem um estilo mais "acessível".

Claro que peças de qualidade são importantes. É fundamental ter meias como Koke e Arda Turan, que se desdobram na defesa, têm qualidade no passe para ligar o ataque e disposição para aparecer na frente. Assim como ajuda bastante a presença de um centroavante como Diego Costa, aguerrido, capaz de brigar com zagueiros em lançamentos e dominar a bola para esperar que o resto da se aproxime. Mas o ponto é que o forte do Atlético é o espírito coletivo, a aplicação tática e a identidade definida. Os jogadores sabem que o principal é defender, que um precisa correr pelo outro e que a principal arma do time é o contra-ataque. É essa a mensagem que Simeone e companhia deixam ao futebol nesta temporada.

Amanhã, contra o milionário Real Madrid de Cristiano Ronaldo e Gareth Bale, o Atlético entra em campo como azarão. E com certeza os comandados de Simeone preferem assim. Como o adversário terá a responsabilidade de partir para cima, restará aos colchoneros a maneira de jogar que caracterizou esse time.

O Barcelona de Guardiola está na história por conseguir ter alcançado êxito a partir de um estilo ofensivo, de posse de bola, que não dava a chance do adversário jogar. Diego Simeone e o Atlético de Madrid trilharam o caminho oposto e, se superarem o último desafio que resta na temporada, deixarão ao mundo um legado totalmente diferente: a importância da defesa.

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