O desafio do movimento negro

Está em curso o Congresso Nacional de Negras e Negros do Brasil – Conneb, e na primeira Assembléia Nacional ocorrida de 11 a 14 de outubro, em São Paulo, estiveram presentes cerca de 500 pessoas, entre delegados (as), convidados (as)  e observadores

Essa assembléia demonstrou que o movimento negro está diante de um desafio que exigirá complexa engenharia política para resolver impasses internos e externos, pois terá que encontrar o “fio de Ariadne” para que possa concatenar lugar, interesses, avaliações, práticas políticas e ideologias diversas. Terá também que dialogar com a sociedade brasileira para que haja compreensão da relevância dos objetivos e, conseqüentemente, da existência do Conneb. Em meio à resolução desses impasses o movimento elaborará contribuições que captem o mais profundo anseio e interesse do povo que apontem para o desenvolvimento social, econômico e político do Brasil e dos brasileiros.


 


 


Organizações e lideranças do movimento negro brasileiro aceitaram o compromisso de elaborar um projeto político que referencie a luta contra o racismo e contra a desigualdade social e econômica entre negro e brancos. Esse desafio inicialmente exigirá muitos esforços para vencer um grande oponente interno: a dificuldade que o movimento negro tem de coletivamente ser mais pragmático na focalização dos verdadeiros inimigos (o racismo, os racistas e a estrutura que sedimenta o atual sistema) devido a grande atenção que dispensa aos pontos divergentes – na maioria das vezes não essenciais.


 


Em outras e poucas palavras não tratamos com o carinho necessário a construção da unidade, tentamos impor verdades sobre o outro. Essa indisplicência tem criado grandes dificuldades para o avanço da luta anti-racista no Brasil, hoje se coloca como um dos principais impasses do Conneb. Mobilizamos quase todos os estados do pais e reunimos durante quatro dias na Assembléia Nacional de São Paulo treze estados, mas não conseguimos deliberar nada, nos perdemos em discussão burocrática (regimental) e esse fato denuncia a distância que estamos da consolidação de uma sólida unidade.


 



A multiplicidade de idéias, ideologias, modos operantes no interior de um movimento social é natural e sadio, pois a inteligência coletiva quando opera num ambiente simpático a participação política e democrático tende a problematizar mais as reflexões. Ocorre que o estágio atual do Conneb não é de problematização de conteúdos do projeto, embora já tenha ocorrido praticamente um ano de discussões da direção (consolidada em plenária nacional); plenárias municipais e estaduais, três Assembléias Nacionais (Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo); circularam vários documentos expressando opiniões de pessoas e forças políticas envolvidas no Conneb; conversas políticas com poderes públicos nas três esferas  de governo (com o Governo Federal dialogamos com a Ministra Matilde Ribeiro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR e o Ministro Luiz Dulce da Secretaria Geral da Presidência da República); seminários e outras atividades relacionadas ao Conneb, além de um ano de divulgação do evento.


 


Essas ações atingiram nacionalmente a militância anti-racista e pautou o Conneb na agenda do movimento negro e do governo – especialmente da SEPPIR -, no entanto não foram suficientes para estabelecer uma base de unidade, isso atrasa o processo de construção de um projeto político para movimento negro apresentar a sociedade brasileira, canaliza energias para temas e assuntos burocráticos e amplia a luta interna – muitas vezes fratricida. As organizações e lideranças do movimento negro têm todas as condições de estabelecer as premissas do projeto unitáriamente, no texto anterior propus três eixos prioritários que podem ser o “fio de Ariadne” que nos levará a vitória: educação, trabalho e participação política. Está na hora de entrarmos nesse debate para consolidar um processo progressivo de construção de unidade e superar positivamente o primeiro impasse.



 


Outro impasse a ser superado será organizar com maior eficiência a comunicação do Conneb para fora do movimento negro. Comunicar, nesse texto, subtende captar contribuição de forma mais ampla possível de todos que se comprometem com a extinção do racismo, explicitar as intenções do movimento negro ao entrar em congresso, sintonizar-se ao Brasil verdadeiro como forma de evitar uma construção idealista e distante da realidade e condições políticas do Brasil e das forças políticas que o movimento negro pode reunir, sair do isolamento, da auto-suficiência, da compreensão que o racismo é um problema apenas de negros e negras, da síndrome de deus.


 


Para isso devemos, no percurso do Conneb, organizar diálogos com as universidades, partidos políticos, poder público (três poderes e todas instâncias), mídia e outros setores do movimento social. Superar a idéia que subliminarmente sobrevive, ainda que minoritariamente, em algumas lideranças e organizações do movimento negro de que a luta racial é uma luta de negros contra brancos; que a luta racial não se insere na luta de classes; de que não existe contradições de interesses e classes sociais entre os negros.


 



Apesar do texto não expressar otimismo, há motivos para acreditarmos que todos que se comprometeram com a construção do Conneb assumiu uma causa perfeitamente possível, estão no caminho correto, pois estamos diante do primeiro congresso nacional organizado pelo movimento negro, com forças políticas diametralmente diferentes. Está aberto o processo natural de tentativas e erros, quando acumuladas moldam experiências e constroem saberes coletivos ou individuais. Temos um trunfo que não pode ser subestimado: a convicção da necessidade e oportunidade de realizarmos o Congresso de Negros e Negras do Brasil, não podemos ficar no caminho, a história cobrará caro nosso fracasso.

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