Nakba: Dicionário da resistência à colonização da Palestina por Israel

Sumud e sanaúd são alguns termos da resistência do povo palestino na luta por sua terra. Em árabe, significam, respectivamente, “resiliência” e a asserção do retorno (“voltaremos”) de mais de seis milhões de refugiados. Neste 15 de maio, a nakba, “catástrofe” palestina, completa 70 anos. Mas esta não é só uma data histórica, é a narrativa de um genocídio em curso. 

Colonização, ocupação militar e apartheid num só regime contra o qual palestinos protestam há seis semanas, enfrentando a brutal repressão das forças israelenses que já vitimou mais de 100 pessoas.

Foto: Said Khatib/AFP/Getty Images

Nesta segunda-feira (14), enquanto Israel comemorava os seus 70 anos – findo o Mandato Britânico para a Palestina – as forças israelenses mataram metade das vítimas mencionadas, mais de 50 pessoas que protestavam na fronteira de Gaza. No mesmo dia, ao inaugurarem na cidade histórica a sua Embaixada, os EUA materializavam o seu reconhecimento de Jerusalém como capital israelense – cumprindo a promessa feita há duas décadas, durante o governo de Bill Clinton e o chamado “processo de paz de Oslo”. Reconhecem, assim, a anexação ilegal de Jerusalém Oriental, declarada internacionalmente a capital do Estado da Palestina, onde vivem mais de 300 mil palestinos sujeitos a um regime incerto de residência sem direitos. Ainda que isolados na medida, rechaçada inclusive por aliados europeus majoritariamente ausentes na cerimônia da nova Embaixada, os EUA são responsáveis pelas tensões acirradas.

Mas os mais de três bilhões de dólares anuais em assistência militar e o compromisso irredutível de barrar na ONU, com raras exceções, qualquer resolução “prejudicial” a Israel – leia-se, ao regime racista e colonialista sustentado pela liderança extremista do país – já apontavam seu papel. Donald Trump veio apenas, como faz de melhor, deixar as coisas mais claras, remover o véu sobre uma retórica vazia de paz e diplomacia promovida pelos governos antecessores enquanto a prática do imperialismo estadunidense mantinha-se essencialmente a mesma.

Desde que iniciado o protesto massivo na fronteira da Faixa de Gaza – território oficialmente sitiado há uma década e em que 70% da população de cerca de dois milhões de pessoas é composta por refugiados – em 30 de março, Dia da Terra, a Grande Marcha de Retorno obrigou o mundo ouvir a reivindicação palestina novamente. O governo e o exército de Israel também fizeram o que fazem de melhor, buscando justificar a brutalidade da repressão ao acusarem os manifestantes de apresentarem uma ameaça à segurança nacional e até à existência do Estado de Israel. Uma útil síndrome do pânico tornada narrativa para explicar ao mundo o massacre dos palestinos como política contra a resistência permanente à colonização e à ocupação não só do território mas também do futuro.

No campo de refugiados de Aida, na Cisjordânia, Palestina, o mural com o documento de identidade de refugiado e o apelo por liberdade. Foto: Moara Crivelente.

Seja com “operações militares” sistematicamente devastadoras, com um regime de apartheid, uma colonização enraizada e violações também sistemáticas dos direitos humanos dos palestinos, a política israelense é um conjunto de crimes contra a humanidade e crimes de guerra contra uma população há cinco décadas sob ocupação militar – condição supostamente temporária segundo o direito internacional humanitário e ainda assim negada por parte da liderança local, que alega que o território “está sob disputa”. Basta ler as Convenções de Genebra de 1949 ou a Convenção do Apartheid de 1973 que as políticas de Israel ficam desvendadas como verdadeiros crimes pelos quais seus promotores passam incólumes.

Mas a batalha pela narrativa contra um sistema de opressão, um regime racista e a ocupação militar prestes a completar 51 anos é contínua, revelando a importância de conceitos pelos quais também lutam os palestinos. Tal disputa opõe a hasbara, a máquina de propaganda sionista em Israel e nos lobbies mundo afora, à crescente solidariedade internacional ao povo palestino – o que explica outro pânico entre os líderes israelenses, o de relações públicas negativas; para polir a imagem nacional, nelas se engaja até mesmo um Exército altamente midiatizado, na imprensa e em redes sociais.

E a propaganda não se dá apenas em termos militares. Defensores do regime israelense promovem a ilusão de uma sociedade inclusiva e democrática, apresentando-a como moderna, empreendedora e tecnologicamente avançada e respeitadora dos direitos homoafetivos ou das mulheres, ainda repetindo a cínica retórica de que há juízes árabes na Suprema Corte (um, o juíz George Kra, substituto do que primeiro ocupou o posto em 2004), parlamentares no Knesset (atualmente, 18 de 120 membros – 13 deles na Lista Conjunta de quatro partidos árabes) e cidadãos israelenses de origem árabe – 20% da população de Israel.

A jovem Ahed Tamimi, presa em 2017, dá o cartão vermelho à ocupação israelense, em Nabih Saleh. Foto: International Solidarity Movement.

São já vastas as evidências de que todas essas “concessões” não passam disso e que Israel sustenta um regime de apartheid, punindo até mesmo judeus que se oponham a ele, seja ao se negarem a servir o exército de ocupação ou a simplesmente falarem abertamente a respeito – caso frequente de parlamentares árabes como Haneen Zoabi, de professores judeus e de organizações de defesa dos direitos humanos censuradas em Israel e no exterior.

A última coleção de argumentos para sustentar a acusação contra o regime racista, o relatório da Comissão Econômica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental (ESCWA, na sigla em inglês), de autoria dos professores Richard Falk e Virginia Tilley, é um exemplo. Listando as leis e práticas que tornam aquele um regime de apartheid – que é classificado de crime contra a humanidade na década de 1970 – o documento e seus autores foram amplamente atacados como antissemitas, na já conhecida tática israelense de deslegitimar qualquer oposição, e o relatório foi retirado da página da Comissão por exigência do secretário-geral da ONU, António Guterres.

Mas a resistência persiste e é parte intrínsica da resiliência palestina. Sumud também é nome próprio, feminino, dado à menina do Vale do Jordão cuja família de beduínos resiste à expulsão, sobrevivendo a sucessivas demolições do seu lar e matança do seu rebanho por soldados e colonos israelenses, ou à filha do secretário-geral da Frente Popular para a Libertação da Palestina, Sumud Sa’adat, que se dedica à libertação dos prisioneiros palestinos na associação Addameer. Na luta contínua, desde o Dia da Terra, quando se lançou o protesto da Grande Marcha de Retorno, até o dia da nakba, neste 15 de maio, o mundo assiste a mais um episódio do massacre constante do povo palestino. A punição coletiva do povo palestino pela ousadia de resistir é praxe. A solidariedade internacional, por isso, também deve ser, colocando em perspectiva a violência da colonização e da ocupação da Palestina por Israel, demandando o fim imediato deste regime.

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