Na simbiótica aliança EUA-Israel, a guerra é cultivada

Nas últimas semanas houve uma duradoura onda de análises sobre o impacto nas relações Israel- Estados Unidos pela afronta do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu contra o presidente Barack Obama. Institutos políticos e meios de comunicação internacionais das mais diversas tendências avaliaram o que seria o resultado do discurso de Netanyahu no Congresso estadunidense para, contra a vontade de Obama, atacar as negociações sobre o programa nuclear com o Irã.

Sobre isso esta coluna já tratou, mas ficou a tarefa de pincelar as relações bilaterais entre o imperialismo estadunidense e o sionismo, ideologia racista e colonizadora de ascendência europeia que se apresenta como profecia religiosa.

 Além das já vastas reportagens, obras e análises políticas sobre o complexo industrial-militar que liga umbilicalmente os EUA e Israel, principalmente no mercado da guerra, um documento publicado pela Casa Branca em 1º de março propagandeia as maravilhas da parceria bilateral, fortalecida no governo Obama. O documento já foi traduzido e publicado em outro artigo para o Portal Vermelho, mas vale retomá-lo com o foco nessas relações.

O historiador israelense Ilan Pappé, no livro dividido com Noam Chomsky (Gaza in Crisis: Reflections on Israel’s wars against the Palestinians, ou “Gaza em Crise: Reflexões sobre as guerras de Israel contra os palestinos”, ainda sem tradução), aborda as raízes da aliança EUA-Israel. Apesar de o documento da Casa Branca afirmar que os EUA sempre foram aliados de Israel, Pappé avalia certa relutância do governo de Harry Truman (1945-1953) em mergulhar neste mar. Já segundo artigo na Jewish Virtual Library, teria sido para “promover a paz”, entretanto, que o Congresso respondeu ao pedido de ajuda financeira por Israel já em 1951, para “absorver os imigrantes”, no processo de colonização e expulsão de milhares de palestinos das suas vilas – foram mais de 500 destruídas – e da própria Palestina – mais de 750 mil pessoas tornaram-se refugiadas – no processo conhecido como Nakba (“Catástrofe”, em árabe).

Por outro lado, registra Pappé, os estadunidenses interessaram-se pelos campos petrolíferos no Oriente Médio desde a década de 1920, determinando o que chama de “legado das cinco irmãs”, gigantes petrolíferas cujos interesses na região eram protegidos a ferro e fogo. Quando o nacionalismo em países como o persa Irã afetava seus interesses, a Agência Central de Inteligência (CIA) entraria logo em ação para derrubar um governo. Mas merece outro artigo a extensa história dessas grandes companhias estadunidenses na formação ou desestabilização regional, no âmbito das guerras por fontes energéticas.
 

Richar Nixon e o secretário de Estado Henry Kissinger eram os heróis do lobby pró-Israel, escreve Ilan Pappé
Israel iniciou a compra de armas dos Estados Unidos em 1962, mas a assistência militar estadunidense só seria iniciada na década de 1970, após a chamada “Guerra Árabe-Israelense”, quando a barganha mostrou-se um instrumento de controle, por parte dos EUA, das dinâmicas na região. O Congresso estadunidense decidira que fortalecer Israel serviria para “apaziguar” o Oriente Médio, assim suscetível à agenda hegemônica e à geoestratégia norte-americana. As avaliações sobre a visão dos EUA para o “Grande Oriente Médio” também são vastas, dada a ingerência direta no cenário regional e sua “reconfiguração”.

Israel recebeu mais ajuda direta dos EUA, desde a 2ª Guerra Mundial, do que qualquer outro país. O Congresso dos EUA designou pela primeira vez uma quantia específica de assistência a Israel em 1971, reforçada em 1978 nos Acordos de Paz de Camp David entre Israel de Menachem Begin e o Egito de Anwar Al-Sadat, mediados pelo presidente estadunidense Jimmy Carter. O Egito recebeu até a década de 1990 a ajuda militar de US$ 1,3 bilhão. Já Israel passou a receber anualmente US$ 3 bilhões em financiamento militar estrangeiro (FMF, na sigla em inglês), sem prazo de validade. Até hoje, foram mais de US$ 100 bilhões em FMF destinados pelos EUA a Israel – US$ 20,5 bilhões apenas desde 2009.

Embora o lobby israelense seja feroz dentro do Congresso estadunidense, principalmente através do Aipac (Comitê Americano de Relações Públicas de Israel), a decisão de patrocinar o sionismo não é só produto dessa pressão, mas de uma estratégia evidenciada pelo documento da Casa Branca. Durante os 51 dias de bombardeios contra a Faixa de Gaza em 2014, Israel recebeu mais US$ 225 milhões para o sistema antimíssil Iron Dome (“Cúpula de Ferro”), cuja produção é uma parceria bilateral, parte dos programas de sistemas e mísseis “de defesa” que já receberam US$ 2,9 bilhões desde que Obama assumiu o governo.

O documento da Casa Branca também afirma que o Ano Fiscal de 2014 foi o mais rentável para Israel em termos de “assistência securitária”, embora fosse o Ano de Solidariedade ao Povo Palestino, vítima da devastadora terceira ofensiva militar israelense em cinco anos. Para 2016, o 8º no Memorando de Entendimento para o envio de US$ 30 bilhões em 10 anos, o governo pediu ao Congresso US$ 3,1 bilhões em FMF para Israel. Além disso, exercícios militares conjuntos são frequentes, e a Sexta Frota da Marinha estadunidense, baseada na Itália, aporta como freguês no porto israelense de Haifa.

Mas a parceria não é só belicosa. Apesar de tentarem fantasiar um papel de mediador no teatro do “processo de paz”, os EUA vetam sistematicamente resoluções de condenação às ações ofensivas de Israel, à ocupação dos territórios palestinos e à abrangente violação dos direitos humanos mais básicos. De acordo com a Casa Branca – no documento que parece tentar convencer israelenses da maravilha que é a parceria estadunidense – em 2014 os EUA vetaram 18 resoluções na Assembleia Geral da ONU, alegadamente “parciais contra Israel”. No Conselho de Direitos Humanos foram cinco votos negativos a resoluções ditas “injustas”, como aquela que estabeleceu a comissão de inquérito sobre as  denúncias de crimes de guerra durante a “Operação Margem Protetora” contra Gaza, ainda hoje devastada.

Os EUA também assistem Israel com ajuda financeira para “acomodar refugiados e imigrantes”, judeus que se mudam para o país pelo suposto “direito ancestral” à terra de onde se expulsam palestinos – e para onde preferem-se franceses, britânicos, estadunidenses e menos africanos ou asiáticos. Na empreitada sionista, os EUA continuam o trabalho outrora desempenhado pela França e pelo Reino Unido, no final do século 19 e início do 20. No mesmo sentido da propaganda que permeia esse esforço colonizador e as reações às críticas contra a ocupação, os EUA articularam com a União Europeia a primeira sessão da Assembleia Geral da ONU sobre antissemitismo, realizada em janeiro deste ano.

Desde a fundação de Israel, através da Nakba palestina (a “catástrofe”), os EUA já enviaram US$ 120 bilhões em “assistência”. Obama comprometeu-se a aprofundar a parceria com o regime sionista, mas também tenta apresentar-se como mediador em negociações entre israelenses e palestinos, um papel obviamente inadequado e destrutivo. As eleições israelenses ocorrem, antecipadas devido a uma crise política, em 17 de março – as pesquisas indicam vantagem para a lista “União Sionista”, liderada pelo Partido Trabalhista, com composição posterior do gabinete incluindo forçosamente o Likud de Netanyahu devido ao seu peso. Não será a aparição de Netanyahu no Congresso e sua birra nem qualquer mudança no próximo governo o que abalará a cumplicidade entre Israel e Estados Unidos.

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