Migração de Regime Previdenciário, Benefício Especial e Funpresp

Com essa opção o servidor pode abrir mão da aposentadoria “integral” e do direito à paridade de reajustes com ativos, em troca do benefício especial, aderindo ou não à previdência complementar

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Em 27 de outubro, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 14.463, de 26.10.22, que reabre o prazo para opção do servidor público federal pelo regime de previdência complementar e altera a Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012, e a Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, para adequá-las à Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, e estabelecer a natureza jurídica do benefício especial. Ela resulta da apreciação pelo Congresso da Medida Provisória nº 1.119, editada em 25.05.22.

O servidor que ingressou no serviço público antes da criação da Funpresp (até 03 de fevereiro de 2013, no caso do Poder Executivo, até 06 de maio para o Poder Legislativo, e até 13 de outubro de 2013, no caso dos servidores do Judiciário) poderá migrar de regime previdenciário até 30 de novembro de 2022, submetendo-se ao teto do Regime Geral de Previdência Social-RGPS (atualmente R$ 7.087,22) e abrindo mão da expectativa de direito quanto à aposentadoria integral ou com base em 100% da média de contribuição, em troca de uma compensação (ou BPD/Benefício Proporcional Diferido) (1), chamada de benefício especial, que corresponderá ao período em que contribuiu pela totalidade da remuneração.

A migração de regime previdenciário consiste numa troca da “expectativa de direito”, no caso uma aposentadoria integral ou com base em 100% média, por “ato jurídico perfeito”, pela garantia de, quando se aposentar, receber um “benefício especial”, de natureza compensatória, que será somado ao valor (limitado ao teto do RGPS) do benefício concedido pelo regime próprio de previdência do servidor. Assim, quando se aposentar, a renda desse servidor teria 2 fontes/componentes: o benefício básico, pago pelo regime próprio, e o benefício especial, pago pelo Tesouro. Se se filiar ao Funpresp, terá ainda o que vier a acumular na sua conta individual capitalizada no regime complementar, quando se aposentar.

Na forma aprovada pelo Congresso, o benefício especial – devido pelo mesmo período da aposentadoria, com a vantagem de não incidir sobre ele contribuição previdenciária nem haver redutor na hipótese de pensão – será equivalente a diferença entre a média aritmética simples das maiores remunerações correspondentes a 80% de todo o período contributivo desde a competência de julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência, e resultará da aplicação do fator de conversão 455 (455/13=35 anos), no caso de homem, 390 (390/13=30 anos), no caso da mulher, ou 325 (325/13= 25 anos), no caso de Professora de Educação Infantil ou Ensino Fundamental. A situação dos deficientes, das atividades de risco ou prejudiciais à saúde e integridade física, prevista em lei complementar, será ajustada pelo órgão competente pela concessão do benefício especial.

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Com essa opção o servidor pode abrir mão da aposentadoria “integral” e do direito à paridade de reajustes com ativos, em troca do benefício especial, aderindo ou não à previdência complementar. Se exercer essa opção, aderindo ou não à Funpresp, ele continuará vinculado ao regime próprio do servidor, porém passando a contribuir sobre o teto do RGPS e também terá sua aposentadoria paga pelo RPPS limitada a esse teto. Se aderir à Funpresp, estará, ainda, vinculado à previdência complementar e poderá contribuir – com contrapartida patronal, com entre 7,5% e 8,5% de sua remuneração mensal superior ao teto do RGPS – para seu plano de benefícios na modalidade de contribuição definida para efeito de complementação de aposentadoria no futuro. Em qualquer cenário, o servidor, optante ou não pela aplicação do teto do RGPS, ou filiado ou não ao regime complementar, continuará segurado do Regime Próprio, mas a diferença será o valor do benefício a que fará jus por esse regime, e a sujeição dos componentes da renda à contribuição previdenciária e critérios de reajustamento dos proventos.

Há muita dúvida entre os antigos servidores sobre a conveniência ou não de migrar de regime nessa 4ª janela de oportunidade (até 30/nov/2022), especialmente em relação a três aspectos: 1) a ausência de segurança quanto à continuidade do sistema de integralidade e paridade em futuras reformas; 2) o risco de sofrer a incidência de contribuições previdenciárias ainda mais elevadas (mesmo na fase da aposentadoria), permitidas pela Reforma da Previdência (EC 103/2019) e 3) ao valor do benefício especial que será devido a quem migrar.

Sobre o benefício especial, a Lei nº 14.463/2022 afirma que: a) é opção que importa ato jurídico perfeito; b) será calculado de acordo com as regras vigentes no momento do exercício da opção de que trata o § 16 do art. 40 da Constituição Federal; c) será atualizado pelo mesmo índice aplicável ao benefício de aposentadoria ou pensão mantido pelo Regime Geral de Previdência Social; d) não estará sujeito a incidência de contribuição previdenciária; e e) está sujeito a incidência de imposto sobre renda.

Para permitir uma avaliação mais segura aos servidores, o especialista em previdência, Luiz Alberto dos Santos, elaborou dois quadros comparativos com as vantagens e desvantagens, tanto do regime próprio com paridade, quanto do benefício especial, apontando eventuais riscos na migração ou não.

Quadro 1 – Permanência no regime próprio na totalidade da remuneração

VantagensDesvantagens (ou riscos)
Vínculo com a União (regime público);
Aposentadoria integral, calculada com base na última remuneração, ou com base na média das remunerações correspondentes a 100% do período de contribuição para RPPS e RGPSCongelamento salarial “de fato”, sem reposição de perdas
Proteção plena do direito adquirido ao provento, quanto implementados os requisitos para aposentadoriaAlíquota efetiva de até 16,5% incidente sobre toda a remuneração, com riscos de elevação
Garantia constitucional da paridade para que se aposentar pelas regras de transição com integralidade, ou de reajuste do provento, se calculado pela média, pelas regras do RGPSParidade mitigada em caso de instituição de gratificações e indenizações não extensivas aos inativos
Solidariedade vinculada à sustentabilidade do RPPS e redução do risco de “contribuição extraordinária”Cobrança de contribuição sobre o provento de inatividade na parcela acima de um salário-mínimo em caso de déficit atuarial (já existente)
Unidade do serviço públicoRisco intertemporal de alterações em caso de não migração (o inciso II §2º do art. 3º da Lei 14436/2022, prevê novas aberturas de prazo de migração), já que as decisões futuras sobre o regime de paridade e integralidade afetarão clientelas e processo de redução, e não contarão com a com o apoio, solidariedade ou simpatia de pessoas não pertencentes ao regime.

Os principais riscos de não migrar de regime previdenciário estão relacionados à futuras reformas e a situação financeira e atuarial do RPPS que a cada abertura de migração fica com uma situação deficitária mais agravada, que poderiam frustrar a expectativa de direito, e também à ausência de correção dos benefícios, por ausência de revisão geral ou pela burla à paridade, mediante criação de gratificações devidas apenas aos ativos ou extensiva apenas parcialmente aos aposentados e pensionistas.

Quadro 2 – BE/Benefício Especial

VantagensDesvantagens
Proporcionalidade do BE com base no tempo de contribuição para o RPPS até a data da opção.Tempo de contribuição anterior a 1994 é ignorado para cálculo do BE
Benefício especial calculado proporcionalmente ao tempo de contribuição, com base na média das maiores remunerações percebidas correspondentes a 80% do tempo de contribuição, corrigidas mês a mês.Cálculo do BE pela média do tempo desde 1994 inclui períodos com defasagem remuneratória alta (e que, mesmo atualizados monetariamente, rebaixam a média).
Cálculo do BE considerando valor real, mês a mês, das remunerações percebidas.
Duração do BE é vinculada ao tempo de gozo da aposentadoria ou pensão concedida pelo RPPS.
Natureza “compensatória”, não previdenciária, do BE
Fragilidade jurídica da natureza jurídica do BE como parcela compensatória e não previdenciária
Garantia de reajuste anual pela variação do INPC
Fragilidade jurídica da garantia de correção do BE pela inflação passada ou INPC.
Isenção de contribuição para RPPS sobre o benefício especial
Fragilidade jurídica da não incidência de contribuição sobre o BE.
Em caso de contribuição do inativo ao RPPS sobre parcela acima de 1 SM, não incidência sobre o BE
Fragilidade jurídica da não incidência de contribuição sobre o BE.
Em caso de contribuição extraordinária, não incidência sobre o BEFragilidade jurídica da não incidência de contribuição sobre o BE.
pensão por morte integral (sobre o BE), sem aplicaçãoFragilidade jurídica do direito à pensão
Possibilidade de exclusão do BE da aplicação do “teto” do serviço público, por ter “caráter compensatório”, não remuneratório.Fragilidade jurídica de interpretações que venham a considerar o BE como extra teto. Por exemplo: o PL que regulamenta o teto, não explicita a exclusão
Pagamento pelo Tesouro NacionalAtraso no pagamento do BE pelo Tesouro Nacional

Além disto, o especialista chama a atenção para outras limitações ou riscos na hipótese de adesão à Funpresp do antigo servidor, como: a) complementação de renda proporcional ao tempo de contribuição após a opção pelo regime complementar; b) baixa rentabilidade da previdência complementar no longo prazo; d) possível má gestão ou desvio de recursos do Funpresp; e) elevação de custos de administração ou carregamento do plano de benefícios; e f) insuficiência do benefício complementar frente à remuneração da atividade.

Havendo opção pela migração de regime, contudo, a contribuição do ente estatal órgão público igual à do servidor, limitada a 8,5% representa um ganho, pois assegura, de imediato, rentabilidade de 100% sobre a contribuição individual, ou seja, é vantajosa, nesse caso, a filiação à previdência complementar.

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Outro conselho útil a ser considerado é o de Ricardo Pena, Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, fundador e ex-presidente da Funpresp-Exe por nove anos, um dos maiores especialistas no tema, que divide os servidores em três grupos, considerando a expectativa de aposentadoria e o planejamento de carreira do servidor público:

1) para aqueles com até 40 anos de idade, talvez seja uma excelente oportunidade de migração a partir do benefício especial oferecido e do tempo remanescente de acumulação numa conta de aposentadoria individual capitalizada com contribuição paritária do patrocinador;

2) para aqueles servidores na faixa etária entre 41 e 55 anos, será necessária fazer simulações financeiras para verificar se realmente vale a pena migrar, especialmente em função do valor estimado do benefício especial oferecido e da projeção do tempo de acumulação dentro do regime de capitalização na previdência complementar; e

3) para os servidores com mais de 56 anos talvez não seja uma boa opção a migração, sobretudo em função do número de anos faltantes para acumulação num regime financeiro de capitalização para que a conta individual de aposentadoria na entidade de previdência complementar possa prover um benefício condizente com a taxa de reposição entre 90% e 100% quando comparado o 1º benefício previdenciário e a última remuneração mensal.

De qualquer modo, vale lembrar que esta nova possibilidade de migração, aberta a partir da transformação da MPV 1.1119 na Lei nº 14.463/2022, mantém as mesmas regras dos 03 (três) períodos de adesão anterior, ou seja, não considerou a ampliação do tempo de contribuição previsto na Emenda Constitucional 103, hipótese que dificilmente se repetirá no futuro, em caso de nova janela de migração. Aliás, a própria Lei já determina que, caso sejam abertas novas oportunidades de migração, o valor do benefício especial será calculado com base em todo o período contributivo e no fator de conversão 520, correspondente a 40 anos de contribuição, independentemente de gênero ou de condições de trabalho do servidor.

Notas:
(1) Pelo art. 2º da Resolução CNPC/Conselho Nacional de Previdência Complementar (órgão regulador da previdência complementar, vinculado ao MTP/Ministério do Trabalho e Previdência) nº 50, de 2022, o benefício proporcional diferido é um instituto previdenciário que faculta ao servidor/participante antes da aquisição do direito ao benefício pleno, optar por receber, em tempo futuro, o benefício decorrente dessa opção

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