Meu doce Senhor

O papa determina que a existência física, histórica, de Jesus, independe de prova, embora o cineasta James Cameron (Titanic), numa jogada publicitária, tenha anunciado a descoberta da tumba de Jesus. Uma Exortação Apostólica papal incomoda a Conferênci

Pela ordem: O papa Bento XVI está incomodado com a falta de evidências da existência real de Jesus. Os únicos textos que tratam de sua vida (de Jesus, não do papa) e passagem pela terra são os dos seus seguidores – o que os coloca sob suspeição. Está para ser lançado o livro do ex-chefe da Inquisição (nesse cargo, usava seu tome de batismo, Joseph Ratzinger), “Jesus de Nazaré, do batismo no Jordão à Transfiguração” e no seu prefácio, já divulgado pelo Vaticano, o Sumo Pontífice reconhece que a pesquisa histórica lançou dúvidas a respeito da existência da “figura de Jesus, sobre a qual se baseia a fé”, o que “deixou a impressão que sabemos pouco de certo sobre Jesus''. Admite que isso “torna incerto” o “autêntico ponto de referência da fé”. Mas depõe (e impõe aos seus seguidores, já que sua palavra é a palavra de Deus na terra): ''Eu acredito que justamente este Jesus, aquele do Evangelho, seja uma figura historicamente sensata e convincente''. Para chegar a essa conclusão, contudo, diz que sua conclusão é baseada unicamente em ''critérios metodológicos que requerem a fé''. Ou seja, na falta de confirmação histórica, vale a sua palavra – aliás, como nos milagres que ele está distribuindo a torto e direito para santificar pessoas de sua crença. Mesmo o professor de história do cristianismo da Universidade de Roma, Gian Maria Vian, foi obrigado a dar a mão à palmatória e confessar que o livro de Bento XVI é “um desafio à razão, porque ele quer demonstrar que o Cristo dos evangelhos tem credibilidade histórica''.


 


Em todo caso, nem o papa deu crédito à campanha de divulgação feita pelo diretor do filme Titanic, James Cameron para sua filmagem de The Lost Tomb of Jesus (“O Túmulo Perdido de Jesus”), sobre um túmulo encontrado em 1980 no subúrbio de Talpiot, em Jerusalém. Nele, os arqueólogos encontraram dez caixões – ou repositórios de ossos – e três crânios. Seis caixões portavam inscrições que foram traduzidas como Jesus, filho de José; Judá, filho de Jesus; Mariamne (que seria o nome de Maria Madalena); Maria; José; e Mateus. Esses nomes eram comuns há dois mil anos. Bento XVI não está sozinho no seu ceticismo. O próprio cientista que supervisionou as escavações em 1980, Amos Kloner, disse que os nomes eram coincidência, e fulminou: ''É uma ótima história para um filme, mas é impossível. É bobagem''.


 


O outro episódio: Como foi comentado no artigo “O solteiro Ratzinger quer o casamento indissolúvel”, o chefe da Igreja Católica divulgou o documento O Sacramento do Amor (sacramentum caritatis) onde considera que o fato de divorciados tornarem a se casar é “uma verdadeira praga do ambiente social contemporâneo”. A opinião soou mal, mesmo entre os cordeiros de Deus. A repercussão negativa chegou a tal ponto que a própria CNBB veio a público tentar sair pela tangente: “Um cochilo, ou o cansaço  do tradutor, levou-o a confundir uma palavra italiana com uma semelhante em português. A palavra portuguesa ‘praga’ em italiano se diz: ‘peste’.   E ‘piaga’  em italiano significa ‘CHAGA’ em português!”, escreveu na página oficial da entidade Dom João Bosco Oliver de Faria, bispo de Patos de Minas (MG), e o alto clero convocou as emissoras de rádio e TV para repetir esse argumento. O preocupado religioso inclusive agradece “a todos os sites, jornais e periódicos católicos, Diocesanos e Paroquiais que reproduzirem a publicação deste artigo”. Este não é um site religioso mas, abusando da confiança que a direção do Vermelho dá aos seus colunistas, reproduzi o argumento episcopal. Contudo, o Vaticano não acordou ao seu chamado, e a tradução oficial do documento continua considerando uma praga o casamento de divorciados. Sem cochilo. Aliás, o fundamental os bispos não puderam mudar: está proibida a comunhão de católicos que contraíram novas núpcias sem que seus antigos esposos tivessem morrido.


 


Não é a primeira vez que, no sufoco, as entidades católicas tentam argumentar com possíveis erros de tradução para se desvencilhar de situações que as desabonam ou tragam-lhes prejuízos. Até o Concílio Vaticano II (iniciado em 11 de outubro de 1962 e encerrado a 8 de Dezembro de 1965), nas cerimônias da Sexta-Feira Santa se rezava ''Oremus et pro perfidis Judaeis'' (oremos pelos pérfidos judeus, dito em latim, como quer de volta Ratzinger). Perfidis é o plural de perfidus. Várias autoridades religiosas tentavam atenuar o significado da ofensa aos judeus, dizendo que ''perfidus'' significava apenas ''descrente''.  Segundo o Houaiis, pérfido significa: “1 que falta à fé jurada; desleal, traidor; 2 que envolve perfídia; enganador, traiçoeiro. E o professor Deonísio Silva esclarece que “Suetônio, Horácio, Cícero e Tácito, entre outros, utilizam ‘perfidus’ como sinônimo de traidor”.


 


Mais um evento: My sweet Lord (Meu doce Senhor) é o nome da escultura de Jesus Cristo feita com chocolate pelo artista Cosimo Cavallaro que está sendo exposta na Lab Gallery, em Nova York, durante esta Semana Santa. O evento desagradou a Liga Católica. Cavallaro já fez outras obras com comestíveis: cobriu um quarto de hotel em Washington com mozarela derretida e também fez uma instalação com vários quilos de presunto fatiado em cima de uma cama. A Liga Católica (que diz ser a maior organização de defesa dos direitos dos católicos dos EUA) está pregando o boicote à exposição, mas não deixou escapar a oportunidade para atacar seguidores de outras seitas. Seu dirigente, Bill Donohue, afirmou que a Lab Gallery e Cavallaro têm “sorte de não reagirmos como extremistas muçulmanos quando se sentem ofendidos''….


 


Por fim, contando com o perdão da CNBB, desejo nesta semana católica por excelência ''Pax vobis'' (A paz esteja convosco – saudação que somente os bispos podem usar nas missas).

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