Manipulação da “Operação Navalha”: imagem não é tudo 

Mais uma vez, a “grande imprensa” investe contra as instituições democráticas com base na mentira para tentar atingir o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Utilizando versões distorcidas e parcia

Anunciei, na coluna passada, que voltaria ao papel histórico da Petrobras. Descumpro a promessa e faço uma pausa no assunto para falar de mais um furacão assoprado pelo que há de pior no jornalismo brasileiro: a cobertura tétrica que a mídia está fazendo da crise desencadeada pela “Operação Navalha” da Polícia Federal (PF). Antes de tudo, um registro: os culpados devem ser severamente punidos. Isto posto, quero dizer que mais uma vez a “grande imprensa” se esforça para direcionar o fio da navalha no rumo do governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Li a cobertura da crise no dia 23 na Folha de S. Paulo — devido à minha baixa resistência hepática não aprofundei a leitura dos demais grandes jornais brasileiros (O Estado de S. Paulo, O Globo e o Jornal do Brasil).



 


Lembrei que a Folha publicou no dia 13 de abril passado declarações de Lula, gravadas por um repórter, dizendo que “nosso projeto não começa agora e não termina agora”. ''O que vai acontecer com o Brasil a partir de 2010?'', teria indagado Lula. Segundo o jornal, as declarações foram feitas durante um jantar com o PMDB no dia 11 de abril e o presidente mesmo deu a resposta: ''A gente construiu um projeto de nação que tem que ter candidato a presidente, a vice-presidente, a governador, a deputado federal, a senador. Nós precisamos parar de ter medo de dizer essas coisas''. Alguns colunistas fizeram um carnaval com essas declarações.


 


Belo exemplo de jornalismo “imparcial”


 


A Folha não explica as circunstâncias em que as declarações foram gravadas, mas trata-se de um acontecimento estranho. Ontem (23), o jornal — que circulou com a manchete  principal dizendo que “Escândalo derruba ministro de Lula”, quase idêntica à de O Estado de S. Paulo — reincidiu na prática: “assessores do presidente” teriam relatado à reportagem detalhes da conversa de Lula com Silas Rondeau. (Será que o presidente permite que seus colaboradores se prestem a esse papel?) O texto do qual a Folha tirou a manchete principal diz que “Rondeau é suspeito de ter recebido propina da Gautama, apontada como peça-chave do esquema de fraude”. E ressalva que ele “nega”. Só isso. O jornal não dá uma linha sobre a versão do ex-ministro.


 


O texto termina de maneira brilhante: “Três governadores do PT são citados por membros da quadrilha nos grampos da PF — Wellington Dias (PI), Jaques Wagner (BA) e Marcelo Déda (SE), mas não haveria indícios de que participaram do esquema. Em Mauá, a Ecosama, controlada pela Gautama, obteve na Caixa (CEF) empréstimos de R$ 42,7 milhões, depois que o ex-prefeito Oswaldo Dias (PT) atuou a seu favor.” Um belo exemplo de jornalismo “imparcial”!


 


Obras do Fórum Trabalhista de São Paulo



 


Outro exemplo de “imparcialidade” foi a opinião da “grande imprensa” sobre as punições administrativas aplicadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aos procuradores regionais da República Luiz Francisco de Souza e Guilherme Schelb — coincidentemente aplicadas em meio à repercussão da “Operação Navalha”. A decisão decorre de uma representação dirigida há quase dois anos contra os procuradores punidos pelo “cidadão” — termo usado pelo editorial do Jornal do Brasil — Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-ministro-chefe da Secretaria da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC).


 


O Jornal do Brasil diz que “vale lembrar (sic) que, em 2003, (Eduardo Jorge) Caldas Pereira, acusado levianamente de participar do esquema de desvio de recursos das obras do Fórum Trabalhista de São Paulo, representou contra os procuradores no Conselho Superior do Ministério Público”. À época, o processo foi simplesmente arquivado — quando, a rigor, deveria ter sido esmiuçado. O país estava mergulhado no caos. Era o auge da histeria neoliberal e o governo agia para amedrontar a Justiça do Trabalho com a finalidade de proteger o “Plano Real” de possíveis efeitos de reajustes salariais. A mídia amplificou ao máximo as calúnias lançadas pelo senador ACM — a essa altura um dos principais esteios do governo FHC —, segundo as quais os tribunais trabalhistas eram uma ameaça à “estabilidade econômica”.


 


A ordem era não conceder reajuste salarial. ACM desferia uma saraivada de pontapés na legislação trabalhista. A revista Época noticiou que o senador foi escalado por FHC para convencer os juízes trabalhistas a segurar os reajustes. Ele chegou a criar uma CPI do Judiciário, mas a farsa não seguiu adiante. Foi neste contexto que circulou os rumores de que FHC estaria articulando, por meio de Eduardo Jorge e o juiz Nicolau dos Santos Neto — que mais tarde seria um foragido da Justiça —, a indicação de juízes pró-Plano Real em troca de dinheiro para a construção superfaturada do novo prédio do TRT.


 


Quem usa cuida, diz o dito popular


 


Mas, para o Jornal do Brasil, o “cidadão” Eduardo Jorge foi injustiçado. “Embora tarde, (Eduardo Jorge) Caldas Pereira e o país assistem agora ao restabelecimento da verdade. Nas palavras de um dos membros do CNMP, Alberto Cascais, a dupla de procuradores, com base em informações não confirmadas, divulgava dados sigilosos obtidos junto à Receita Federal e ao Banco Central e usava a notícia ali criada como fundamento para novos procedimentos”, afirma o texto. Quem usa cuida, diz o dito popular. É o caso de perguntar: e a farta distribuição de imagens de operações da PF é aceitável? Tal fato não merece investigação? Não pode haver aí conluio com as habituais trapaças da “grande imprensa”? 



A Folha, useira e vezeira da prática atribuída pelo Jornal do Brasil aos procuradores punidos, também comentou o assunto em editorial. Sobre o procurador Luiz Francisco de Souza, o jornal diz que ele “notabilizou-se por iniciativas e métodos heterodoxos”. “Filiado ao PT até 1998, já na Procuradoria da República foi seguidamente acusado de mirar finalidades políticas e pessoais em sua atuação, como ao contrabandear o número de um desafeto em lista de pedidos de suspensão judicial de sigilo telefônico”, diz a Folha, sem se olhar no espelho.


 


Familiaridade com o mundo político


 


A revista Veja, outra figurinha carimbada da “grande imprensa”, também seguiu a trilha ao elogiar em editorial a decisão da juíza Ana Carolina Vaz Pacheco de Castro, de São Paulo, que julgou improcedente uma ação movida pelo PT. A sentença, que segundo a Veja “prima pela clareza”, prima pelo absurdo. ''Não se olvida que todas as capas e as matérias centrais que a elas se referem retratam tristes episódios de corrupção, tráfico de influência e quebra de normas éticas e morais em que o Partido dos Trabalhadores teria se envolvido, os quais são de inegável interesse público'', afirma a “imparcial” juíza.


 


Qualquer pessoa com um mínimo de familiaridade com o mundo político sabe que a revista usou e abusou da mentira durante a crise política. Mas, para a magistrada, nada disso conta. ''A imprensa tem não só o direito, mas também o dever de retratar fatos graves que tais, não se esperando outro comportamento dos meios de comunicação responsáveis e comprometidos com o papel social de levar ao público a informação que lhe interesse, especialmente sobre seus entes políticos, como no caso. Estranha seria a omissão da revista Veja diante de tais fatos, haja vista sua postura, ao longo dos anos, de prontamente denunciar escândalos públicos que afrontam a seriedade e ética do sistema político brasileiro, sendo um dos órgãos de imprensa mais contundentes no exercício do jornalismo investigativo'', disse ela. (Pausa para a merecida gargalhada!)



 


Sistemas de convivência civilizada


 


Um exemplo do “jornalismo investigativo” da revista aparece nas páginas seguintes da mesma edição. A matéria sobre o passeio do governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), com Dilma Rousseff na lancha do empresário Zuleido Soares Veras termina dizendo que a ministra da Casa Civil “por coincidência, e não existe nada que vá além da mera coincidência mesmo, é a coordenadora do PAC, o programa sobre o qual os quadrilheiros pretendiam avançar, conforme mostra a investigação da PF”. Em sua profunda apuração, a Veja chegou a uma brilhante constatação: “Jaques Wagner não quis falar do assunto. Nem da lancha, nem da prisão do prefeito de Camaçari, o petista Luiz Caetano, seu amigo e, dizem as más-línguas, seu caixa informal de campanha.”



Com essas considerações, vamos ao “mérito da questão” — como costumam dizer os advogados. O que está na base desse comportamento — e há tantos exemplos disso Brasil afora que o assunto merecia um livro, não uma coluna — é o sentimento de alguns indivíduos que povoam o pico da pirâmide social brasileira de que eles têm o direito de quebrar unilateralmente as regras coletivas que permitem que os sistemas de convivência civilizada em sociedade ocorram. E a certeza que nutrem, basicamente por interesses econômicos, de que as regras não existem para facilitar o relacionamento social. Esse desapego às regras — embora essa elite cobre que os outros se pautem por elas, como pode ser verificado na cobertura dos protestos de ontem (23) em todo o Brasil  — implica uma questão ética séria para a sociedade brasileira.


 


Tempos de achincalhe ao Estado


 


É um comportamento que perpassa cada vez mais as corporações privadas nestes tempos de achincalhe ao Estado, em que vale cada vez mais atingir os fins, não importando muito os meios utilizados. A inquietante pergunta que emerge disso é como sobreviver agindo correto, jogando pelas regras, enquanto a elite joga areia nos olhos dos seus oponentes, age sem nenhum parâmetro moral e persegue objetivos na base do não-importa-como. Esse descaso com os outros, essa desimportância da coletividade ficam claros quando o assunto é o destino do país.


 


Ter ética é, basicamente, ter respeito pelo outro — ou pelos outros. Mas o senso de comunidade e o pressuposto da igualdade entre os cidadãos é ainda algo raro no Brasil. Vimos acima casos em que a Justiça tem um jota muito menor quando alguns tratam de temas que mexem com a profundidade da sociedade brasileira. A eficácia jurídica deveria ser reflexo do padrão de ética que todos escolhem para si; uma missão que deveria ser delegada pela sociedade. Mas, no Brasil, a escandalosa ineficiência da Justiça é resultado de uma deficiência democrática história, que permitiu ao país ter uma Justiça coxa, permissiva.


 


Ascensão progressista na região


 


A maioria da sociedade luta para que o Brasil se torne um país menos complacente, e mais hostil, com a falta de ética. Uma das iniciativas que mira esse objetivo é a intenção do governo Lula de criar uma rede pública de televisão. Mas, para a elite, a iniciativa revela um “viés totalitário, a la Hugo Chávez'', segundo palavras do jornal O Estado de S. Paulo. O jornal O Globo, que atua na mesma faixa social, publicou no dia 20 de maio passado uma “reportagem” especial do Grupo de Diários América (GDA), que “esmiúça os esforços do presidente Hugo Chávez para ampliar sua influência no continente movido pela força dos petrodólares”.


 


O pano de fundo de todo esse pandemônio (associação de pessoas para praticar o mal ou promover desordens e balbúrdias, segundo o dicionário Houaiss) é o quadro que emerge com a ascensão progressista na região. “Ao Brasil, que tem peso político suficiente para não se deixar manobrar, resta um acompanhamento cuidadoso e responsável da situação, o que passou a acontecer quando o governo se deu conta de que nem sempre os interesses do país coincidem com o projeto populista de Chávez”, disse O Globo em seu editorial do dia 22 de maio. A qual “Brasil” o jornal se refere?


 


Fortalecimento das instituições democráticas



Nosso país é tão grande e tão cheio de problemas que de qualquer ângulo de visão é fácil comprovar a coexistência de vários “brasis”, superpostos ou enfileirados, cobrindo a extensa gama que vai do superdesenvolvimento econômico aos mais primitivos estágios da vida humana. E conta, por decorrência, com as mais variadas formas de comportamentos políticos. Essa multiplicidade é a um só tempo um tremendo entrave ao progresso e um poderoso estímulo à procura de caminhos para o desenvolvimento da nação. É isso que motiva os que se dedicam a criar ou vender falsas imagens de ordem e progresso.



 


Mas não é de hoje que os reis ficam nus. A história mostra que muitos dos que se enclausuraram em seus pequenos mundos para subjugar outros foram para o inferno com suas inglórias carcaças. O exemplo mais acabado é o Joseph Goebbels — o minitro da propaganda de Adolf Hitler e super-arauto da mentira do regime nazista (uma mentira mil vezes repetida se torna verdade, dizia ele). O abuso do poder, em qualquer época da história da humanidade, teve sempre ao seu lado a cumplicidade da mentira. No Brasil de hoje, não é aceitável que as mazelas de um esquema monetarista, tecnocrático, contrário aos interesses da nação, sejam atribuídas precisamente àqueles que buscam o fortalecimento das instituições democráticas capazes de dar ao povo brasileiro a independência econômica e a soberania política de que tanto o país necessita.  


 

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