“Jojo Rabbit”: Marcas da infância perdida

Violência, lavagem cerebral e perda da inocência de uma geração de jovens alemães são os temas deste drama do cineasta neozelandês Taika Waititi

A guerra como rito de passagem de um jovem de dez anos pode dar a sensação de vazio e de ele ter sido ludibriado. Ainda mais se parte de sua infância foi sob a influência do líder do Partido Nazista, Adolf Hitler. (1889/1945). E por supostamente pertencer à “raça ariana” já lhe seria garantida a superioridade racial sobre as demais etnias do Planeta. Estas certezas preencheriam seu cotidiano nas ações e exercícios em que o ódio e a violência se tornaram a forma de o voluntário se destacar. Entre eles está o garoto Jojo Rabbit (Roman Griffin Davis) ainda imaturo e ingênuo.

Desde o início de sua narrativa, o diretor e roteirista deste “Jojo Rabbit”, o cineasta neozelandês Taika Waititi expõe ao espectador o tema central de seu filme. Trata-se da brutalização e a lavagem cerebral sofridas pela juventude e as camadas sociais mais vulneráveis durante o Terceiro Reich (1933/1945). Sob o comando do capitão Klenzendorf (Sam Rockwell) há todo um ritual a seguir. Vai da exaltação do líder Adolf Hitler (1889/1945) de mãos estiradas às cores da farda a variar do preto ao amarelo, inclusive das botas. É a forma de o Partido Nazista se impor.

Com este leque de temas, Taika Waititi (16/08/1975) leva o espectador ao universo de Jojo. Ele vê judeus em cada esquina e raciocina como se eles tivessem ocupado cada canto da Alemanha. Sua única preocupação é como identificá-los e os denunciar à Gestapo para livrar-se logo deles. É o que exige dele o capitão Klenzendorf, por ser esta a missão da raça ariana. Sentindo-se incentivado, ele chega mesmo a indagar ao seu superior hierárquico qual era o método para identificar o judeu/ia, como se ele/ela não tivesse seu próprio modo de se comportar.

Jojo não concorre com os brutamontes

Numa das brutais sequências da primeira parte do filme, Klenzendorf comanda seu grupo na mata. Tem como objetivo fazer o machismo elevar a testosterona e os jovens saírem loucos atrás dos coelhos. Isto incluí a brutalidade contra o animal e os próprios companheiros para mostrar sua capacidade de exterminar o inimigo judeu. Vale inclusive fazer espirrar sangue e não dar sinais de que estava ferido. Imaturo, o intimidado Jojo é incapaz de elevar sua capacidade de concorrer com os brutamontes. O castigo é a vergonha de ficar perante os “jovens-super-homens-arianos”.

O espectador não se vê, desta forma, assistindo filmes de guerra soviéticos (Balada do Soldado, 1960, do ucraniano Grigori Chukhrai – 23/05/1921-28/10/2001), e estadunidenses (“O Mais Longo dos Dias”, do quarteto Andrew Marton (26/01/1904-07/01/1992), Ken Annakin (10/08/1914-22/04/2009), Bernard Wick (28/1919/-05/01/2000) e Darryl Zanuck (05/09/1902-22/12/1979). Aqui os combates são contra o inimigo à sua altura, não lhe cabe tergiversar ou inventar teorias de extermínio. O que vale acima de tudo é a geopolítica e conquistar estratégicas regiões.

Durante 108 minutos, ele vê o pré-adolescente Rabbit dividir-se entre o apartamento onde mora com a mãe, Rosie (Scarlett Johansson), e suas atividades sob o comando de Klenzendorf. E não deixa de se revelar nazista e seguir cada orientação que lhe é passada. Inclusive a máxima nazista de que o inimigo a perseguir e exterminar não é o judeu em si. Igualmente perigoso é todo aquele que o ajuda, esconde e o protege. É a tentativa de manter os alemães vigilantes a todo movimento suspeito. A cada ida ao centro de comando as orientações e o ritual se repetem.

Não resta espaço para o encantatório

Em seu apartamento, Jojo convive com estranhas situações só dividas com Rosie. Há mistérios atrás do armário e do sótão a desvendar. Informação alguma recebe do pai alemão recrutado para o campo de batalha e uma irmã sobre a qual a mãe e ele falam pouco. Isto engendra um clima de mistério típico de filme de terror. Neste “Jojo Rabbit”, ele vem acompanhado de armário e sótão trancados. Há escadas, corredores, portas e janelas fechadas e a câmera de Waititi, orientada pelo diretor de fotografia, Mihai Malaimare Jr.se mantém fechada em estreitos espaços.

Neste pesado clima não resta opção pelo encantatório, a amizade e o respeito ao outro. O ódio, o medo e o temor de a guerra se expandir predomina nas relações cotidianas. A amizade tornou-se impossível entre judeus alemães e judeus em busca de seu próprio país. Tão conflituosa que a judia Elza (Thomasin McKean) sobrevive num restrito cômodo do apartamento dos Rabbits. Qualquer menção a Hitler tem de se tornar adoração, crença e obediência. Ele é ao mesmo tempo chefe de governo, líder partidário e comandante-em-chefe das forças nazistas.

É com este comportamento, a visão imposta pela propaganda nazista e a lavagem cerebral diária feita por Klenzendorf que Jojo passou do seguidismo à adoração. Hitler tornou-se seu pai e guia espiritual. Nos momentos em que se fecha em seu quarto ou mesmo na sala de sua residência, ele convive com o Adolf gentil, paternalista, conselheiro e o amigo a dividir com ele o jantar ou o almoço. É a imagem introjetada pela propaganda nazista em seu subconsciente que tornou realista a projeção.

Há sempre tempo para o romance

Waititi se utiliza de várias projeções para configurar o sentido de Jojo apegar-se ao cruel Klenzendorf, como substituto do próprio pai. É com ele que dialoga sobre os judeus e compartilha suas ideias. Não só ele, Rosie exerce dupla função. A de mãe a orientar e atrair o filho para a vertente humana das relações entre as pessoas. Chama-lhe atenção para a paixão e o amor, como saída para livrar-se do ódio e do apego a líderes salvacionistas sem mencionar Hitler. “Há sempre tempo para o romance. Algum dia vai encontrar alguém especial”, ela o orienta de forma simples.

O que está na cabeça de Jojo é sua confiança no triunfo nazista contra os aliados nas diversas frentes surgidas em ouros continentes. Mesmo se Rosie o alerte para o que lhe parece impossível. “Os nazistas estão perdendo a guerra”. É a forma de ela, como mãe, ir preparando-o para o inadmissível. Mesmo sua extrema confiança em Hitler diminui à medida que Rosie mostra-se envolvida de modo impensável por ele. Há nisto muito do pai sobre o qual ambos têm pouca notícia.

Não menos importante para a conscientização de Jojo é a convivência com Elza. Ela preenche o espaço deixado por quem lhe foi caro e desapareceu muito jovem. As duas eram amigas e Elza lhe dá a impressão de que a substitui pelo menos enquanto estão juntos. A jovem judia, perigo extremo tanto para Jojo quanto para Rosie, é a fonte na qual ele tenta colar nos judeus tudo que lhe é introjetado. Chegam a dialogar sobre a paixão e o garoto preenche o espaço que ameniza a carência da jovem judia. Impedida de vir à luz, ela o vê como único em quem confiar.

Esta é a forma de Waititi expandir a compreensão do espectador, ao não transformar sua narrativa numa sucessão de sequências de suspense. Mera repetição da violência e o drama vivido por Jojo, Rosie e Elza. A cada cena, eles se tornam mais humanos, solidários, confiantes e capazes de grandes gestos. É o contraponto à violência, destruição e extermínio a ocorrer nas ruas, nos campos e nos corredores das repartições governadas pelos nazistas. Há, porém, limite, como na tensa sequência do capitão da Gestapo, Deertz (Stephen Merchant) no apartamento onde se encontram Klenzendorf, Jojo e Elza. O fato de os três estarem juntos os ajudou muito.

Lhe prometeram um país e lhe entregaram outro

Este olhar humanista é o contrapondo feito por Waititi numa narrativa centrada na capacidade dos “salvadores da pátria” destruirem a infância dos adolescentes, o amadurecimento dos jovens e a tranquilidade dos que chegaram à terceira idade. Ainda mais se lhes foi prometido o pais dos sonhos e lhes lhe entregaram a devastação de um continente inteiro. É o caso da extrema direita ao prometer soluções milagrosas, mal sabendo que os conflitos de interesses entre as classes devem ser mediados para equilibrar a divisão da riqueza. Ao agir de forma contraria abre o caminho para o confronto e sua própria destruição sem possibilidade de retorno.

Jojo o percebe ao ser obrigado a percorrer várias ruas com o amigo Yorki (Archel Yates) vendo a fileira de cadáveres pendurados nos postes. E não bastasse, começa a se dar conta da presença de fardas e veículos de cores diversas. Jamais pensara em coisa igual.Durante a Segunda Guerra Mundial (1939/1945), desencadeada pela Alemanha liderada por Hitler, morreram 85 milhões de pessoas. Entre eles seis milhões de judeus.

Jojo Rabbit.EUA. 2020.108 minutos. Edição: Tom Eagles. Música: Michael Giacchino. Fotografia: Mihai Malaimare Jr. Roteiro/direção: Taika Waititi.

Indicado ao Oscar 2020: Melhor filme, atriz coadjuvante, roteiro adaptado, figurino, montagem e direção de arte.

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