Israel e a Mídia Internacional

Apesar de não apostar um centavo que a Resolução da ONU sobre o cessar fogo será integralmente cumprida na região do Sul do Líbano, especialmente por parte de Israel, a questão que quero tratar esta semana em minha coluna semanal é sobre como a mídia inte

Durante quase 20 anos de docência na Universidade, como professor de Sociologia Geral, ministrava de quando em vez a disciplina de sociologia da comunicação, cujo objeto central era a comunicação de massa como fato social e objeto de estudo dos sociólogos. Alguns colegas preferem chamar essa modalidade de Sociologia da Informação, cujo centro é o estudo do conteúdo do que se escreve, dos que se quer divulgar e quais os impactos que isso possa ter na sociedade e nos espectadores.



As regras de ouro da mídia grande


 
Já há algum tempo circula pela internet, de autoria anônima, um conjunto de comentários sobre o comportamento da mídia grande, da imprensa internacional, especialmente as grandes redes de TVs, quando o assunto central é Israel. Sempre chamei a atenção dos meus alunos para o fato que os guerrilheiros que lutam pela libertação da palestina não são terroristas como a mídia à serviço do sionismo e do neocolonialismo americano no Oriente Médio insiste em chamar esses lutadores. Muitas vezes, esses jovens palestinos têm que usar seus próprios corpos como arma para atingir seus objetivos, fazerem-se ouvir, ainda que isso possa causar dor e sofrimento. Em todas as épocas na história atividades de sabotagem, ataques e atentados foram utilizados. Já comentei em colunas anteriores que se formos levar a sério essa denominação de terrorista para quem usa o seu corpo, se mata para matar outras pessoas, o primeiro e mais famoso terrorista foi Sansão, da bíblia do Antigo Testamento, que ao derrubar as colunas do templo, matou pelo menos três mil filisteus (os antigos palestinos).


 


Gostaria de comentar aqui essas regras de ouro dessa mídia internacional. 



1. No Oriente Médio, são sempre os árabes que atacam primeiro e Israel apenas se “defende”. Essa resposta chama-se “represália”. Os leitores mais atentos já devem ter percebido isso. Nunca é Israel quem ataca primeiro, ainda que praticamente todas as guerras de árabes e judeus tenha sido de iniciativa de Israel. A história registra massacres famosos perpetrados pelos terroristas do Irgun, do Haganáh e outros grupos judaicos a serviço de seu projeto sionista de colonização da Palestina. Assim, para o grande público, Israel é sempre “vítima” dos palestinos, numa nítida inversão de valores, pois não há equilíbrio de forças alguma entre essas duas partes no conflito e uma assimetria completa de forças. Os árabes é que sempre levam a culpa pelos conflitos;



2. Os árabes, os palestinos e os libaneses não têm direito de matar civil. A isso se chama de “terrorismo”.  Israel tem o direito de matar civil. Isso se chama de “legítima defesa”. Nessa guerra recente, no massacre que Israel perpetrou no Líbano e na Faixa de Gaza, onde mais de 1,2 mil árabes foram mortos, alguns de forma mais atroz possível, os israelenses nunca foram chamados de terroristas. Ataques a civis quando são os judeus que fazem, não tem importância ou problema algum, mas quando são os guerrilheiros palestinos ou libaneses que o fazem, são “terroristas”. Quando Israel ataca indiscriminadamente árabes, como tem feito desde a instalação de seu estado em 1948, a imprensa grande chama essa atitude de “legítima defesa”, não importando quantos mortos ficaram pelo caminho, sejam elas crianças, mulheres, velhos, como no massacre de Sabra e Chatila em setembro de 1982, quando quase três mil palestinos foram assassinados pelas falanges libanesas protegidas pelo exército de Israel, sob comando de Ariel Sharon;



3. Quando Israel mata civis em massa, as potências ocidentais pedem que seja mais comedida. A isso se chama de “reação da comunidade internacional”. Não há esboço nenhum, além de pequenas reações de alguns países, tímidos, aos atos terroristas que Israel comete. A ONU mesmo se mostra impotente, pelo apoio direto que os Estados Unidos têm dado à Israel. Neste caso recente do massacre de mais de mil libaneses e quatro mil feridos e um milhão de deslocados, bem como a destruição quase completa de boa parte das cidades do Líbano, demorou 34 dias para que o Conselho de Segurança votasse uma Resolução do cessar fogo. Isso porque na verdade o que os países centrais não querem e talvez não consigam, é enfrentar a potência americana;



4. Os palestinos e os libaneses não têm direito de capturar soldados de Israel dentro de instalações militares com sentinelas e postos de combate. Isso se chama de “seqüestro de pessoas indefesas”. Israel tem o direito de seqüestrar a qualquer hora e em qualquer lugar quantos palestinos e libaneses desejar. Atualmente são mais de 10 mil prisioneiros, dos quais 300 crianças e mil mulheres. Nesse caso recente, o que ocorreu foi exatamente isso. Guerrilheiros palestinos capturaram, em combate, soldados israelenses, que não eram nem estavam indefesos. Ao contrário. Foram capturados em combate, dentro de suas fortalezas e com sentinelas. Mas toda a mídia saiu em defesa dos três soldados israelenses (dois seqüestrados pelos libaneses e um pelos palestinos). Israel para fazer seus seqüestros não necessita nem de processo, nem de culpabilidade. Simplesmente invade residências e prende quem achar que deve prender. Esses prisioneiros de guerra, que são também prisioneiros políticos, não tem direito a defesa e a um julgamento justo e Israel os mantém presos indefinidamente. Até membros do parlamento e do governo palestino, como recente seqüestro do vice-primeiro Ministro palestino. A isso a mídia internacional chama de “prisão de terrorista”;



5. Quando se menciona a palavra “Hezbolláh” na mídia grande, é preciso em seguida vir a frase “apoiada e financiado pela Síria e pelo Irã”. Quando se menciona a palavra “Israel”, é proibida a menção a “financiado pelos Estados Unidos”. Se isso ocorresse, poderia se dar a impressão de que o conflito é desigual e que Israel não estaria em perigo existencial. Ou seja, não se pode passar a idéia de que Israel é uma potência e que esta sempre ameaçada. Se um dos lados em conflito estiver apoiado por dois países islâmico, a opinião pública poderia aceitar mais “naturalmente” a reação israelense. Aqui, em lugar algum da mídia internacional levanta-se a simples e natural hipótese de que o apoio político e mesmo militar que Irã e Síria possam dar e não só seus governos, mas seus povos é na linha da solidariedade e comprometimento com a luta justa dos palestinos e libaneses. Israel recebe dos EUA ao ano e todos os anos regularmente, pelo menos quatro bilhões de dólares, além de toda a ajuda militar, armamentos etc.;



6. Quando a mídia se referir a Israel fica terminantemente proibida serem usadas as expressões “Territórios Ocupados”, “Resoluções da ONU”, “Violações dos Direitos Humanos” ou “Convenções de Genebra”. Israel viola sistematicamente todas as decisões da ONU – mais de uma centena – no que diz respeito aos territórios palestinos ocupados, violações de direitos humanos desse povo, bem como todas as convenções e tratados de Genebra sobre direito internacional. Trata-se de territórios palestinos ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias de junho de 1967, quando toda a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém foram ocupados, bem como parte do Líbano, da Síria e do Egito. Foi a maior expansão do Estado Judeu na história da região. A imprensa grande praticamente nunca menciona as dezenas e dezenas de resoluções que foram aprovadas seja pelo CS ou pela própria Assembléia Geral, condenando Israel. Este Estado – que alguns autores classificam como estado “bandido” – sequer se dispõe a cumprir resolução alguma da ONU e simplesmente não se fala mais nisso. Quando a resolução é para desarmar o Hizbolláh, faz-se um coro unido internacionalmente para que ela seja imediatamente cumprida. É a política de dois pesos e duas medidas que chamam os palestinos;



7. Todos os palestinos e libaneses são “covardes” que se escondem entre a população civil que “não os quer”. Os palestinos dormem em suas próprias casas, vivem com suas famílias. Israel chama isso de “covardia”. Em seguida, Israel bombardeia indiscriminadamente essas casas, e a mídia lhes concede o “direito” de aniquilar com bombas e mísseis centenas de líderes da resistência, usando bombas e artilharia aérea, matando-os, em sua maioria, quando estão dormindo. A isso a mídia chama de “ataques cirúrgicos de alta precisão” (sic);



8. Os israelenses falam melhor o inglês, o francês, o espanhol e mesmo o português que os árabes. Por isso eles e os que os apóiam devem ser mais entrevistados, devem repercutir suas próprias ações e ter mais oportunidades que os árabes inclusive as presentes regras de ouro do jornalismo com relação à Israel. A isso dão o estranho nome de “neutralidade jornalística”. Todas as redes internacionais de TVs e jornais que mantém correspondentes no Oriente Médio, sequer falam o árabe, língua de mais de 300 milhões de árabes, os maiores interessados em repercutir as ações que são tomadas em seus territórios. Mas, estes pouco ou quase nunca são ouvidos. TVs árabes não tem quase nenhuma penetração no Ocidente, salvo a recente Al Jazeera. Recentemente, uma crise se instaurou em território francês, quando foi censurada a TV Al Manar, que pertence ao Hizbolláh e esta deixou de ser veiculada pelo Eutelsat (canal europeu de satélite). Todos os outros canais árabes (Sharjah TV, Qatar TV, Saudi Arabian TV, Kwait Space Channel, Jamahirya Satellite Channel, Sudan TV, Oman TV e a Egyptian Satellite Channel), que não incomodam nada pelo alinhamento aos seus governos pró-americano, não sofreram nenhuma sanção (1);



9. Todas as pessoas e jornalistas que não estiverem de acordo com as regras anteriores serão considerados “anti-semitas” e até “terroristas de alta periculosidade”. Toda e qualquer crítica que Israel venha receber hoje na grande imprensa, logo o jornalista ou articulista é taxado de anti-semita. Tempos atrás, o combativo jornalista Robert Fisk, do jornal Independent de Londres, considerado progressista para os padrões londrinos, escreveu um artigo intitulado “Sem medo de chamado de anti-semita”, em uma profunda e forte crítica à forma como Israel vem tratando os palestinos.



Um cachorro americano


 
Gostaria de terminar minha coluna desta semana, compartilhando com meus leitores, para ilustrar os preconceitos que a mídia internacional tem contra os árabes e muçulmanos, contado a todos uma piada que, claro, recebi pela internet. O evento se passa nos Estados Unidos, no Central Park em Nova York.


 
Um homem passeava tranquilamente por esse famoso parque nova-iorquino, quando, de repente, vê um cachorro raivoso prestes a atacar uma menina indefesa de apenas uns sete anos de idade. Os curiosos olha, de longe, mas, medrosos, nada fazem para defender a menina. O homem não pensou duas vezes e lançou-se sobre o pescoço do cachorro, tomando-lhe a garganta e após muita luta, matou o raivoso animal e salvou a vida da menina. Um policial que acompanhou tudo maravilhado, aproximou-se e disse:



– Senhor, vossa senhoria é um herói. Amanhã todos poderão ler na primeira página dos jornais a seguinte manchete: “Um valente nova-iorquino salva a vida de uma menina”.


O homem respondeu:


– Obrigado pelo elogio, mas eu não sou de Nova York.


– Bom, disse o policial, então a manchete seria: “Um valente americano salva a vida de uma menina”.


– Mas é que eu tampouco sou americano, insiste o homem.


– Bom, isso é o de menos. E de onde você é então?


– Sou árabe, responde o valente homem.


No dia seguinte, vários jornais publicam a notícia com a seguinte manchete: “Terrorista árabe massacra, de maneira selvagem, um cachorro americano de pura raça em plena luz do dia e em frente a uma menina de sete anos que chorava aterrorizada”.


 
Não precisamos nem comentar a dura realidade. Quando isso vai mudar?


 


Nota



(1) Ver artigo do jornalista Thierry Meyssan, jornalista e escritor, da Réseau Voltaire, publicada em http://www.voltairenet.org/article142899.html e republicado pelo http://resistir.info e com tradução de Rita Maia.

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