Insegurança jurídica, instabilidade política, caos institucional

É de conhecimento geral que, para a preservação das garantias constitucionais e da legalidade, uma ordem judicial deve ser cumprida, mesmo que, no âmbito das devidas instâncias recursais e dentro das regras estabelecidas no estado democrático de direito, possa, posteriormente, ser questionada ou revogada.

Partindo-se dessa premissa, justifica-se o espanto e a indignação que atingiram os meios jurídicos (nacionais e internacionais) e a sociedade diante dos fatos desenrolados no domingo, 8 de junho, quando um juiz de primeira instância afronta a decisão de um desembargador, de instância superior, portanto, interferindo diretamente para que a decisão não fosse cumprida.

A batalha jurídico-política envolveu, como sabemos, a concessão de Habeas Corpus ao ex-presidente Lula, por parte do desembargador de plantão, Rogério Favreto. Em férias, o juiz Sérgio Moro, desautorizou a decisão do desembargador Favreto em um episódio cheio de idas e vindas onde ficou claro que, diante do significado político de uma possível libertação do ex-presidente, não há limites para as forças que desejam inviabilizá-lo no cenário eleitoral.

A já conhecida articulação entre o juiz plenipotenciário de Curitiba, a Polícia Federal e o complexo midiático que tem na “isentíssima “ Globo o seu eixo principal, funcionou mais uma vez de forma impecável : o juiz de primeira instância desautoriza o desembargador plantonista, a PF segue rigorosamente as ordens do Juiz e a Globo com seus já conhecidos métodos, inicia a “cobertura” desqualificando o desembargador sem a mínima preocupação com as consequências que este perigoso precedente abriu no Direito brasileiro.

A questão central não é a pertinência, a adequação da decisão do desembargador em relação ao Habeas Corpus concedido pelo desembargador Favreto ao ex-presidente Lula. A questão central é: Afinal, uma decisão judicial pode ser descumprida? A simples colocação desta pergunta suscita outra de maiores implicações: É possível manter a confiança em um sistema jurídico mergulhado no relativismo decisório, na quebra de hierarquia entre as instâncias do judiciário, na condenação sem provas?

Os episódios ocorridos no último domingo provocaram dúvidas e incertezas se ainda estamos em um estado democrático de direito, uma vez que abriu a possibilidade de que a desconsideração de uma decisão judicial torne-se a regra com consequências dramáticas para a sociedade, uma vez que não há estabilidade política ou social que se mantenha sem o mínimo de segurança jurídica sustentada pela confiança, na lei, nas regras do Direito e na observância dos preceitos constitucionais.

Se os tanques e as baionetas não estão nas ruas, o que para alguns seria necessário para configurar um estado de exceção, paira no ar a incerteza de que , diante de tais precedentes seja consolidada a ideia de que os direitos e garantias individuais deixaram de ser, de fato, direitos e se transformaram em uma simples questão de interpretação na qual a arrogância é incentivada até à loucura como símbolo de força e poder. A arrogância que transforma magistrados e agentes da força policial em seres truculentos, ávidos pela notoriedade que se alimenta da pirotecnia midiática e que destrói reputações e vidas (como foi a tragédia ocorrida com o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luís Carlos Cancellier ).

Nesse caótico cenário, fica evidente que não há limites para a obstinação dos que querem eliminar Lula da vida política, inviabilizando também o projeto de país que ele representa. O que está sendo colocado em risco? Que consequências resultarão desses atos para a nossa democracia? São questões que não aparecem nas coberturas jornalísticas das mídias hegemônicas.

Assim, é urgente que todas as forças democráticas e progressistas do país estejam unificadas no repúdio a tais atos de arbítrio que não afetam somente a pessoa do ex-presidente Lula (o que já seria muito grave!) mas que podem se estender ao conjunto da sociedade em uma escalada de autoritarismo de amplitude imprevisível. Silenciar é tornar-se conivente com os que julgam poder submeter a lei e o Direito a seus interesses e a seus caprichos sem que tenham o menor escrúpulo em mergulhar o país na insegurança jurídica, na instabilidade política e no caos institucional para conseguir seus intentos.

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