Individualismo, meritocracia e descaso pela política

Faltando pouco mais de 60 dias para a realização do pleito eleitoral de 7 de outubro próximo, as sondagens realizadas por diversos institutos de pesquisa revelam que, aproximadamente, mais da metade do eleitorado ainda não sabe em quem irá votar. Caso seja mantido este cenário, estima-se que o número de votos brancos e nulos atingirá grandes percentuais, revelando o que analistas consideram como um processo ascendente de desinteresse, descrédito ou “desencanto” pela política.

Muitos consideram tal processo como consequência do envolvimento de personalidades do mundo da política em atividades ilícitas, que, dependendo do partido ou corrente política a que pertençam, são amplamente alardeados pela mídia hegemônica, que sempre, de forma clara ou subliminarmente, passa a ideia de que a política é, por definição, o espaço da corrupção, do crime, das negociatas. É inegável também que os espetáculos midiáticos em que se converteram ações da Operação Lava-Jato, onde mocinhos (membros do Judiciário e da Polícia Federal) capturam bandidos (políticos ou pessoas relacionadas com o mundo político ) em muito contribuíram para jogar na vala comum da desconfiança todos aqueles e aquelas que exercem a atividade política. Tudo isso contribui, e muito, para que no imaginário social seja consolidada uma imagem negativa da política.

De fato, não são poucos os que engrossam o cordão do “político é tudo igual” . Certamente, entre esses estão os que, dizendo detestar a política e os políticos, costumam votar em candidatos que são expressão do que há de pior em termos de demagogia explícita, truculência, entreguismo das riquezas do país, só para citar algumas características presentes em candidatos que nas últimas eleições foram campeões de votos e hoje ocupam o executivo e as casas parlamentares por esse Brasil afora, incluídos aí a Câmara Federal e o Senado da República. As condições de vida do povo se degradam e esse cidadão que “detesta política”, mas que vota em figuras que transformam a atividade política numa indignidade , passa a identificar “nos políticos” a causa de todos os males. Decepcionado, afirma que não votará em ninguém.

Não se trata aqui de cair em uma generalidade e culpabilizar o eleitor que supostamente “escolhe mal” em quem vota. Trata-se de evidenciar um outro aspecto que está na raiz desse desgostar da política e que está diretamente relacionado com a mentalidade individualista alçada à condição de atributo moral nesses tempos de neoliberalismo desenfreado.

Há uma razão para esse culto ao indivíduo e ela pode ser encontrada na necessidade de anular a vida política do conjunto dos interesses das pessoas para que ela (a política) seja apropriada pelos interesses dos donos do dinheiro (financistas, bancos e afins). Trata-se de um processo inverso ao que aconteceu quando da explosão dos ideais revolucionários que, inspirados pelo pensamento iluminista, transformou o indivíduo em síntese universal possuidor de atributos de liberdade e igualdade diante de outros indivíduos. No individualismo neoliberal, ao contrário, o indivíduo é um ser absoluto, voltado exclusivamente para si próprio e que enxerga sua vida como resultado exclusivo de capacidades e esforços próprios . Trata-se de uma visão que imagina que o mundo oferece a todos igualdade de condições para o pleno desabrochar de seus talentos e capacidades, ou que a ausência desse igualdade de condições é em si mesma desejável pois separa os “aptos” dos “inaptos” , ou , para usar a linguagem hoje comum nas palestras motivacionais, os “winners” e os “loosers” (os ganhadores e os perdedores). É tudo uma questão de mérito pessoal.

Não é difícil perceber que tal mentalidade despreza a política enquanto espaço de disputa de interesses pela hegemonia no âmbito do Estado, uma vez que tudo se resume ao desempenho pessoal. Uma mentalidade que julga inaceitável que o Estado utilize impostos, considerados recursos individuais, portanto, para proporcionar bem-estar coletivo, beneficiando quem supostamente não se esforçou o bastante para “merecer” condições dignas de vida.

O desinteresse pela política é, assim, um somatório de determinações. A justa aversão a um sistema político viciado é assim deturpada por uma visão de mundo que, tragicamente, contribui para a manutenção desse mesmo sistema uma vez que transforma cidadãos em indivíduos isolados, incapazes de perceberem a articulação entre suas condições de vida e as decisões políticas tomadas por aqueles que ocuparão espaços de poder graças a seu voto.

Para as forças progressistas a batalha é árdua pois , como se não bastassem os enormes desafios de uma conjuntura extremamente complexa, esse descaso pela política é uma batalha que corre em paralelo tornando ainda mais desafiadora a disputa eleitoral que já está em curso.

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