Gritos de Canudos

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Que Brasil cordial-amoroso é este,
que realiza carnificinas cívicas
como a de Canudos?

Que brado heróico-retumbante
foi aquele, tão presepeiro,
que toda uma soldadesca
comandada por genearcas
arqui-galardoados
entrou em fuga desesperada
ante a saraivada de balas
de um atirador solitário?

Sem falar no cagaço,
que fez muito sujeito bom de bagos
sujar seus cadarços!

Que vitória de Pirro
foi a daqueles dias sombrios,
em que prisioneiros foram degolados
pelo brasileiro cordial, a soldo
do coração republicano
“defensor das liberdades do Homem”?

Canudos foi o morticínio
usado como pretexto para a mudança
que deixou tudo como antes
– e piorou em muitos pontos.

II

Tanta violência,
sem nenhuma ternura.
no sertão profundo de Canudos
o tempo é que ostenta
a mais alta patente.

Qual a diferença
entre os fanáticos de Antônio Conselheiro
e os jagunços fardados
do presente e do passado?

III

Nossas jerusaléns são de taipa,
e a liberdade que nos concedem
tem sido abortada
por quilombolas e flagelados esfarrapados
que só tiveram as armas
que seus algozes deixaram
em suas fugas acovardadas.

Mesmo sendo tão pobres,
famintos e frágeis, resistiram como bravos,
colocando em debandada
as tropas da selvageria
e das vanguardas do atraso
que ali chegaram
com o propósito “patriótico”
de “consolidar a República”.

Que enterrassem o “ancién regime”
sem cobrar um preço tão sangrento
em vidas humanas. Pois se
a campanha contra Canudos
deu-se por “estratégia política”
de chamar aos nordestinados
de milenaristas, fundamentalistas,
ou socialistas primitivos
– gente simples e solidária
que só queria não morrer de fome,
uma pergunta não quer calar:
qual o motivo de tanta selvageria?

Ante a degola de homens, mulheres,
velhos e crianças, esfaimados e rendidos,
onde o lucro cívico, ou o triunfo patrioteiro
em chacinar sem piedade
um povo indefeso, e agredido
em suas “fortalezas” de barro?

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