Frente Ampla e Unidade Popular

A Frente Ampla se prova, ao longo do tempo, a tática mais justa de enfrentamento a Bolsonaro. Por meio de ampla articulação, foram conquistadas importantes vitórias e, assim, se abrirá caminho para a abertura do processo de impeachment

Fotomontagem feita com as fotos de: Nelson Almeida/AFP e IStock

A unidade é a bandeira da esperança. João Amazonas

  • ¿Por qué no unirnos?
  • Y luchamos como hermanos
  • Por la Patria que está herida
  • Nuestra Patria la que amamos
  • Dispersos. Alí Primera

Desde menino, eu me encantei com essa riqueza dos comunistas, ainda quando pequenos, miram longe, e fazem sua política virar realidade, e com esse espírito devemos agir para salvar o Brasil. A pátria está em grave perigo. Essa é a régua para medir a discussão em torno da Frente Ampla ou de Esquerda como caminhos para tirar o Brasil da crise que vivemos, agônica sob Bolsonaro. De lá para cá, muitas foram as críticas à Frente Ampla, defendida pelo PCdoB, e o debate não cessa. A renitência decorre da justeza da posição, de sua efetividade.

No Genocídio, nas poucas vezes em que o povo ganhou, foi graças à Frente Ampla. Ganhamos quando a esquerda influenciou além de suas hostes, quando pôde articular mesmo seus adversários e teve o apoio da maioria do povo. Na eleição de Rodrigo Maia à Presidência da Câmara, na primeira vitória do Auxílio Emergencial, na Lei Aldir Blanc, na CPI da Covid, em todas essas situações, evidenciou-se a única tática vitoriosa sob a égide do Golpe, a de Frente Ampla. Por que? Porque fomos golpeados e somos minoria no sistema político deformado. Não adiantam apenas votos da esquerda. E não há quem possa salvar a política de quem não sabe sequer contar.

O impeachment de Dilma foi um Golpe, a Presidente afastada sem crime foi o símbolo da violação da Soberania Popular, sob cuja égide vige e sangra o Brasil. Temer jamais teria o voto dos brasileiros e brasileiras para presidente, foi eleito indireta e dolosamente por uma maioria do Congresso que estava a mando de Eduardo Cunha. Bolsonaro só foi eleito graças à manipulação e à fraude, além da conivência e omissão de agentes políticos, da imprensa golpista e do Supremo, que negou ao povo brasileiro o direito de ter Lula na disputa de 2018. Até no segundo turno, menosprezaram o perigo assassino que hoje nos mata. Portanto, o que houve aos últimos três mandatários do Brasil deixa claro que, nas eleições de 2022, até voto é possível que valha.

Mas, que Brasil sobrará para ser administrado? Quem escapará vivo?! Eles respeitarão o resultado e o governo? Teremos maioria? Tais perguntas importam porque esclarecem que a eleição leva apenas a uma parte do poder. Nessa teia, e com a CIA “mexendo os pauzinhos”, foi graças ao julgamento “superior” do ápice da pirâmide de classes brasileira, que chegamos a essa hecatombe que varre o país em todos os campos. A Pátria sofre, sangra, morrem centenas de milhares de pessoas, as empresas quebram, a vida piora para todos, os museus incendeiam, e os ladrões, milicianos e fascistas cometem seus crimes à luz do dia, esfaqueando a Nação Brasileira, destruindo-lhe as riquezas, como um banquete de hienas.

É esse período aziago, em que o poder do voto popular foi “suspenso” em favor dos votos dos Deputados e Deputadas, Senadores e Senadoras, ou dos juízes em todos os níveis, eis o tempo em que lutamos. Não nos é dado escolher, muitas vezes, nem o campo de batalha, nem as armas que temos à mão, só nos resta o engenho e a determinação de lutar. Por isso, precisamos de mais política e força de massas, e menos de fanfarrões cujas frases não mudam a vida.

Foto: Reprodução

A Frente Ampla é uma tática justa em situações de extrema defensiva, mas não se resume a uma política defensiva, muito ao contrário. Não é uma tática nova, foi defendida e aplicada pelos comunistas, e seu êxito foi demonstrado historicamente em situações desesperadoras, a exemplo da luta contra o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial. Certamente, nunca foi uma tática unânime, mas objeto de acerba polêmica no seio da Terceira Internacional. Todavia, foi a partir destas alianças amplas e inclusive com setores burgueses (mas salvaguardadas pela força da URSS), que foi possível isolar e, por fim, bater o nazi-fascismo.

Por que? A tática da Frente Ampla é a única que pode permitir dividir inclusive o campo adversário, no Brasil sequestrado pelo entreguismo, pelas milícias e pela corrupção. A Frente Ampla não privilegia os adversários do passado, mas os imprescindíveis aliados do presente, sem cujos votos, não será possível levar ao justo Impeachment o Presidente genocida, entreguista e inimigo da democracia.

Afora essa questão de matemática simples, mas que definirá se Bolsonaro segue a presidir impunemente o genocídio do povo brasileiro, até 31 de dezembro de 2022, existe uma questão bem mais profunda, que se refere ao bolsonarismo representar parte importante do campo politico brasileiro, fato infeliz e transcendente que deve nos levar à radical concepção democrática da Frente Ampla.

As monstruosidades que saem da boca de Bolsonaro chegam no nosso vizinho, estão nas nossas famílias e até em nossas casas. A conciliação de que devemos ser capazes é ainda mais ampla e profunda. A Frente Ampla é a própria possibilidade da reconciliação nacional, encontrarmos a saída desse delírio capitalista, o triste Brasil sob Jair Bolsonaro. Até esse dia, há muito o que fazer, muito que unir, pois a desunião foi semeada como um câncer.

O que o Brasil vive hoje não foi um raio sob um céu azul, mas foi preparado meticulosamente, sendo o nosso país um dos palcos das chamadas Guerras Híbridas. Nelas, as fragilidades da construção da Nação são exploradas como tensões no seio do povo. E chagas, como a escravidão, o racismo, a opressão da mulher e as desigualdades militam para destroçar a própria Nação Brasileira, que nos cumpre defender nessa hora de crise.

Ilustração: Reprodução

Com o advento da internet e das redes sociais e smartphones, uma crescente alienação se afirma diante de pessoas que passam a ter duas vidas, em paralelo: a vida real e aquilo que dizemos ser a nossa vida nas redes sociais. Afora isso, há todo um mundo para além de nós. O big data é o olho que tudo vê, que junta as pontas de tantas pistas digitais sobre nossas almas. É esse mapa consolidado e íntimo que passa a guiar a propaganda política e o marketing digital.

É nesse novo contexto, que fenômenos antigos são reciclados, a exemplo da eficácia da propaganda nazi-fascista, que hoje é o próprio núcleo moral do que se popularizou como Fake News. Assim, não é à toa que essa parcela imensa (imagine, 20% ou mais) esposa ideias flagrantemente mentirosas, preconceituosas, que dialogam não apenas com os fatos, mas com aspectos recônditos e problemáticos de nossa psique num mundo em profunda crise. Chegam ao ponto absurdo de mentir contra as vacinas que podem lhes salvar.

É esse ambiente de ideias doentio e anômalo que é sustentado à força de vultosos recursos, que somente de relance vislumbramos. O capital financeiro é rentista e parasitário, e é ele que dirige a orgia, é ele que enche os bolsos enquanto as guerras se sucedem e o mundo afunda.

As ideias de extrema direita, as campanhas anti-vacina, o fundamentalismo religioso rasteiro e preconceituoso, o niilismo e o hedonismo, a ridicularizacão universal, o humor do ódio e do preconceito, o racismo, o consumismo ecocida, todo esse chorume é nutrido a partir de bilhões de dólares que escorrem para as redes sociais da mesa do capital financeiro, e a partir de uma clara lógica: dividir para reinar. Mais uma vez querem que a mentira, mil vezes, repetida vire uma verdade, mas não!

Assim, a relevância de Bolsonaro e da mentira é financiada, e a divisão nacional é o ferramental do imperialismo em seus propósitos desestabilizadores. No passado, face a uma nova fronteira tecnológica – a do rádio e da TV, das demonstrações de massas, dos jornais e do discurso – o nazi-fascismo pôde mesmerizar parte da opinião pública e levá-la até o cadafalso e à hecatombe. Essas ferramentas foram atualizadas, e é seu uso que vivenciamos no Brasil e alhures, nova forma de dividir as sociedades e causar-lhes a ruína. Quem ganha com isso?

Foto: Livio Romero/Estadão

Essa é a verdadeira guerra cultural, que venceu no Brasil, desde 2013, porque atingiu seu principal objetivo: dividir de modo inconciliável o nosso povo, porque esse é o objetivo central da Guerra Híbrida, impedir que as nações possam construir um novo sistema mundial multipolar, em meio à notável ascensão chinesa sob seu socialismo de mercado.

À pretensão de unipolaridade estadunidense, proclamada ao fim da URSS, vemos se sucederem tempos de mudança, naquilo que Bolívar chamava de “equilíbrio do universo”, qual seja, o próprio Mapa do Mundo. Assim, seja contra a China, seja contra a Rússia, seja contra Cuba, seja contra o Brasil, o imperialismo estadunidense trabalha insone para dividir e pôr em guerra os irmãos, as famílias e os povos que lutam por sua independência e desenvolvimento. A essa imensa força dissolvente, é que somos chamados a afirmar o Brasil, a Democracia e o Desenvolvimento.

Por isso, a Frente Ampla é imprescindível, e não é manobra defensiva, muito ao contrário, é a única ofensiva que verdadeiramente importa para um povo sangrado como o nosso. Como é possível, hoje, termos mais de 554 mil mortos, a contar, e persistirmos divididos como estamos, em vez de nos unirmos para deter o genocídio?!

Vivemos todas as semanas sucessivas violações da democracia e ameaças reiteradas de Golpe, que visam às eleições de 2022, feitas por ninguém mais que o Presidente da República. Por todo o país, uma massa de manobra foi mobilizada a se armar, e infiltra-se nas forças policiais e nas próprias forças armadas, como vemos diariamente. Não há razão para otimismo quanto ao compromisso democrático de quem promoveu o genocídio Brasileiro. Toda a alegria com a liberdade e a devolução dos direitos políticos do Lula, com seu crescimento nas pesquisas, nada disso, por si só, pode nos tranquilizar. É preciso uma ampla retaguarda para resistir ao que se erigiu no Brasil, os maiores retrocessos e tragédia já vividos. Mas só isso também não bastará.

A necessidade de unidade é muito mais profunda. Por um lado, atinge a própria Nação Brasileira, vinculando-se à dimensão da Democracia e da Soberania, que é de unir a maioria absoluta dos brasileiros e brasileiras e isolar o bolsonarismo e a extrema direita. Mas, por outro, confunde-se com a nossa própria História de acordos pelo alto no Brasil. Do mesmo modo que eles golpearam Dilma, poderão golpear Lula ou qualquer outro(a). Que garantia teremos?!

Foto: Ricardo Stuckert

Infelizmente, a vida não dá garantias. Mas, ensinou Guimarães Rosa, o que a vida pede de nós é coragem. Não podemos nos assombrar com o que teremos de fazer para isolar Bolsonaro. Sobretudo, deve nos incomodar profundamente a divisão da esquerda num momento de tão grande sofrimento do país, e em que o povo tem tanta clareza de que a saída passa por Lula, fato demonstrado em sucessivas pesquisas. Os caminhos tortuosos na História são a regra, e em vez de uma Frente Ampla sem o PT, ou de uma Frente de Esquerda sem os que votaram contra Dilma, a História nos leva para uma imprevista Frente Ampla com Lula, mas só se tudo der muito certo. Meu palpite é que Lula será o maior defensor da Frente Ampla.

Nós somos essa consciência avançada contra a burguesia, que age como uma pedra – lembro Drummond – no meio do caminho. A Frente Ampla é imprescindível. A unidade popular é imprescindível. Lula é imprescindível. E, historicamente, o papel do Príncipe Moderno, o Partido Comunista, tem sido exatamente esse, unir o líder, unir as massas, e saber aproveitar o momento histórico. Por isso, renitente, o PCdoB diz: Frente Ampla. E por isso, também, o PCdoB é a força mais consequente em defesa da unidade da esquerda. É preciso lembrar das lições do comunista Italiano Palmiro Togliatti contra o Fascismo:

Quando falamos de “adversários”, não visamos as massas que estão inscritas nas organizações fascistas, social democratas, católicas, mas as massas que aderem a elas não são nossos adversários, são massas de trabalhadores que devemos fazer todos os esforços para conquistar.

A complexidade do tema da unidade é também observada em cada uma das vitórias da esquerda nas eleições latino-americanas, iniciando por Hugo Chávez, em 1998, eleito na Venezuela. Dizia Chávez liderar uma Revolução pacífica, mas armada. Não foram as guerrilhas urbanas ou rurais, não foi a tomada do Palácio de Inverno, foi uma mescla de eleição e poder popular, povo organizado e na luta. Verificamos em todas as experiências latino-americanas de governos progressistas o mesmo papel central da unidade das frentes político-sociais que chegaram ao governo, cuja prova de fogo foi o povo defender sua democracia nas ruas. E em todos os casos, demonstrou-se a falta que a amplitude e a unidade fazem, às vezes ao custo da derrota e do genocídio.

Assim, em vez de três caixinhas (luta de ideias, de massas, eleitoral), a experiência histórica recente mostra que é a sinergia dessas formas de luta, se atua em momento decisivos, que abre novos ciclos de acumulação política, e podem desbravar as veredas do desenvolvimento nacional. Ao veto dos golpes, das armas, da guerra híbrida, do impeachment sem crime, da desestabilização, é preciso opôr uma nova força de massas, uma nova institucionalidade e uma nova economia, sobre os escombros e mortos, vítimas do neoliberalismo bolsonarista. Carecemos de uma união que nasça, mas não cesse na esquerda.

Recordemos que nossa história recente é indelevelmente marcada pela Frente Brasil Popular, proposta pelos comunistas, ainda em 1989, e que foi decisiva na Encruzilhada Histórica vista por Amazonas. Foi uma ousadia, e abriu caminhos até hoje. E o nosso desafio é dirigir a ampla maioria do espectro político. Assim, não será Frente Ampla X Frente de Esquerda, de modo algum. Na verdade, sem a unidade da esquerda consequente, não lograremos a unidade ampla do povo brasileiro. Apenas a esquerda será insuficiente, mas sem sua unidade a derrota é certa. Será também necessário às forças de centro-direita purgarem o bolsonarismo, sob pena de serem a ele submetidos, como agora. Assim, não se trata apenas de ter votos em 2022, mas de garantir desde já o progressivo isolamento da extrema direita em defesa da democracia, o que só poderá ser feito articulando Frente Ampla e Unidade Popular.

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