Fassbinder e seu melodrama

O melodrama de Rainer Fassbinder e o filme “Vortex”, de Gaspar Noé

Foto: Divulgação

Desde agosto, o cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder está sendo lembrado, principalmente porque completou 40 anos do seu falecimento. A plataforma Mubi está exibindo neste mês seus filmes: Lola, Num ano de 13 luas, A terceira geração e O desespero de Veronika Voss. Esse último é uma das suas produções mais fortes. Na verdade, Fassbinder é ou foi um autor de um cinema super específico. E o melodrama pode ser dito como seu gênero principal. Na verdade, Fassbinder fez um cinema onde o gênero melodrama surge, mas talvez certas características principais desse gênero não estejam presentes. A cara de cada filme expressa melodrama, mas sem certa pobreza no seu conteúdo. O que toca em cada filme é o drama pessoal, mas sem esquecer todas as circunstâncias que existem por dentro do drama pessoal. E também a presença de grandes interpretações é sempre uma força especial no cinema de Fassbinder. Daí termos que lembrar que o melodrama no seu cinema é o gênero mais, digamos, fassbindiano.

Olinda, 07. 10. 22

Gaspar Noé conta a vida de dois velhinhos

Filme “Vortex” | Foto: Divulgação

Foi surpresa para a crítica francesa a apresentação desse filme “Vortex”, do cineasta Gaspar Noé, pelo simples fato de que sua produção cinematográfica é sempre em torno de dramas onde a violência da imagem é que atrai o espectador. Esse filme não é pacífico, é inclusive muito chocante, mas não pela própria imagem. Ele na verdade dói na alma do espectador que se deixa entrar na sua estória extremamente humana, e em torno da vida simples de um casal de idosos.

Na verdade, eu não tinha nenhuma aproximação com o cineasta Gaspar Noé, mas vi “Vortex” lendo legendas em português e o revi depois sem legendas, somente ouvindo o áudio em francês, para assim degustar com mais aprofundamento a sua história. Essa história não seria estranha se tivesse sido produzida nos tempos do neorrealismo. E assim temos uma obra feita agora, lançada no ano passado, em exibição agora na Mubi, mas que poderia ser atual mesmo que fosse lançada nos tempos do grande movimento neorrealismo.

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Para não ser simplesmente neorrealista, Gaspar Noé mantém a narrativa em dois quadros dentro da tela, e os dois quadros se interligam. Inclusive tem uma cena quase inicial em que a velhinha sai de casa e vai caminhando pela rua e chega num supermercado e o velhinho sentindo a falta de sua companheira vai procurá-la até encontrá-la no supermercado. Essa sequência é acompanhada pelo espectador pelos dois quadros de uma forma tranquila, de ritmo lento, e assim útil para a narrativa no seu geral.

Gaspar Noé é um cineasta nascido em Buenos Aires, Argentina, mas se profissionalizou em Paris, na França, por isso é considerado franco-argentino, embora pudesse verdadeiramente ser considerado cineasta francês. Ficou famoso com um primeiro longa-metragem em 2002, no qual há uma cena de estrupo que dura 9 minutos. Esse filme se chama “Irreversivel” e seus outros filmes apresentam, na maioria, títulos de uma só palavra como esse.

Cineasta Gaspar Noé | Foto: DIvulgação

É um filme neorrealista pelo fato de que a sua estória não é documental, mas poderia ser, pois o diretor escolheu dois velhos intérpretes conhecidos profissionais, Françoise Lebrun e Dario Argento. Assim não precisa usar maquiagem, mas simplesmente cada intérprete se veste com suas roupas comuns. E o que vale mesmo é a interpretação, que talvez tenha ficado mais expressiva para a mulher, pois enquanto o homem ainda vive com total consciência como personagem seu papel de psiquiatra, a mulher teve de criar durante toda a sua permanência no filme como uma espécie de demente. E assim conseguiu uma excelente interpretação, mesmo que esteja presente quase o tempo todo no filme que dura duas horas e doze minutos.

“Vortex” é um título com um toque enigmático, e talvez precise de uma análise mais específica para que esse título seja justificado. Algo em torno de movimento extremo e circular, e talvez a questão circular seja a mais próxima da análise que podemos fazer para a vida do idoso. Enquanto temos os personagens num ritmo tranquilo, interiormente esse ritmo seria extremamente líquido e ágil.

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O que nos diz realmente sobre a velhice esse “Vortex”? Penso que é um filme para ser assistido pelos jovens e não pelos velhos. É tremendamente chocante em todos os seus momentos e particularmente nas sequências quase finais, depois que o homem morre e a mulher simplesmente se deixa morrer para não continuar sozinha.

Como minhas companheiras sempre foram muito mais novas do que eu, assim não posso viver essa situação de uma companhia quase da mesma idade.

Olinda, 05. 10. 22

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