Escola da Boniteza e o pensamento Freiriano

É sobre a luta para o estabelecimento de uma educação que transforme socialmente, que persiste o pensamento freiriano. E em vários cantos há escolas da boniteza no Maranhão. Mais recentemente começou-se a falar de uma Escola Digna. E como está repleta de beleza a ideia e busca da dignidade

A partir dos ensinamentos do educador e filósofo Paulo Freire, "escolas da boniteza" vão acontecendo pelo Maranhão

Por Nádya Dutra e Roberto Mauro Gurgel Rocha

Recentemente, em evento realizado para o Maranhão, a professora Ana Maria Freire falou sobre a pedagogia da indignação em Paulo Freire, que coloca em destaque a palavra boniteza como uma daquelas usadas pelo grande educador frequentemente.

Ficou a palavra boniteza em nossa mente e nosso desejo de lembrar escolas e experiências educacionais em que se sente presente essa boniteza e, afinal, o que ela seria.

Primeiramente fomos ao célebre Aurélio Buarque de Holanda rememorar a definição da palavra e sua relação com a sua congênere beleza. Para o autor, os principais conceitos apresentados traduzem boniteza como qualidade de bonito, ou seja, que agrada os sentidos ou ao espírito sem ser propriamente belo. Já beleza, é definida, como qualidade de belo, sendo belo, aquilo que tem forma perfeita e proporções harmônicas.

A partir das duas concepções, e fitando os ensinamentos freirianos, tomamos o caminho de levantar experiências onde a escola da boniteza vai acontecendo pelo nosso estado, o Maranhão.

Lembramos primeiramente da “escola ativa”, a qual tivemos chance de conhecer no município de Viana, localizado na Baixada Maranhense. Lá os estudantes eram gestores da escola, mesmo que orientados por seus mestres. Havia uma comissão de comunicação que recebia os visitantes, igualmente alunos. A sala de aula era organizada por cantinhos da aprendizagem de forma que encantaria o próprio Celestin Freinet, o pai da concepção. Os pais frequentavam a escola cuidando inclusive de sua aparência. Os alunos aprendiam a cuidar de um jardim e de uma horta, tudo tão bonito.

Recordamos também do que vimos em Escolas Famílias Agrícolas e Casas Familiares Rurais, onde acontece concretamente a relação teoria e prática, na militância pela pedagogia da alternância da aprendizagem, na escola e na comunidade. No movimento de responsabilidades compartilhadas entre famílias, estudantes e trabalhadores das instituições, o projeto pedagógico prima pela preparação para a vida e para a compreensão política do território, mesmo em meio aos desafios que a luta no campo impõe atualmente. Foi extremamente satisfatório observarmos a compreensão dos estudantes para além de suas responsabilidades naturais discentes. O cuidado da limpeza do prédio, a arrumação dos seus dormitórios, o zelo com utensílios de uso comum em harmonia com as atividades de estudo e pesquisa.

O nordestino Paulo Reglus Neves Freire, que completaria seu centenário no próximo setembro, bem nos ensina sobre um olhar para cada experiência educacional como única. Fazendo um caminho que começa pelo cuidado das individualidades, da história de cada qual, chegando na força do coletivo com a real possibilidade de transformar a vida e a sociedade.

Avaliamos assim que em vários cantos há escolas da boniteza no Maranhão. Mais recentemente começou-se a falar de uma Escola Digna. E como está repleta de beleza a ideia e busca da dignidade. A dignidade para as crianças dos povoados maranhenses acostumadas aos espaços úmidos, com pouca luminosidade, com cadernos e lápis reaproveitados ano após ano. A dignidades para os adultos ainda cheios de desejo de aprender a ler e escrever o próprio nome. E a dignidade para os professores e professoras que desejam alcançar muitos mais pelo conhecimento.

Tudo isso no Maranhão que ainda combate dados desafiadores de analfabetismo entre crianças, jovens e adultos. Conforme dados da última Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) somente 22,7% das crianças concluíram a etapa final da alfabetização com aprendizagem adequada. Já entre os jovens na faixa etária de 15 anos ou mais, o percentual de analfabetos caiu nos últimos anos cinco anos de 19% para 15,6%, segundo verificação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua-IBGE; contudo, ainda há muito o que persistir na educação libertadora.

É sobre a luta para o estabelecimento de uma educação que transforme socialmente, que persiste o pensamento freiriano. Que também auxilia os educadores e educadoras na compreensão de que nosso povo não é pobre, mas feito empobrecido pelas injustiças e opressões diversas, dentre as quais está a negação do direito à educação. É por esta consciência que Paulo Freire aponta para um lugar onde os oprimidos devem ocupar o espaço da cidadania por meio da escola e das relações autênticas que elas permitem. Onde a comunidade vive sua realidade e vai de encontro aos sonhos, às buscas e às perspectivas de cada lugar.

Nesse sentido, retornamos às bonitezas que enchem o Maranhão de esperança trazendo agora a vivência atual do ensino médio profissionalizante por meio do Instituto Estadual de Ciência e Tecnologia do Maranhão (IEMA). Uma oferta de ensino que mira para os vários aspectos da qualidade e traz uma profícua reflexão sobre a educação para o mundo do trabalho e para os filhos e filhas dos trabalhadores.

Outrora, tal formato foi um método para separação entre abastados e pobres nas escolas públicas do país. Um formato segregador e limitante para milhares de jovens, vez que se restringiu a formar mão de obra para os precários salários do Brasil urbano-industrial que nascia. No sentido contrário, a oferta profissionalizante implementada no Maranhão hoje forma para os “futuros” diversos, visando sobretudo, a autonomia e emancipação da juventude por meio de suas potencialidades e da sua própria vocação para transforma a si e ao mundo.

Em vista disso, tratar da Escola da Boniteza e do pensamento freiriano é levantar um debate imbuído na pedagogia da realidade e da valorização das histórias em cada canto do território, histórias muitas vezes marcadas pela luta e pela dor. É ainda observar a riqueza de experiências como a “escola ativa” de Viana, a Casa Familar Rural de Buriti e o IEMA da área Itaqui-Bacanga, na periferia da capital São Luís. Longe de serem boniteza pontuais, são faróis da Pedagogia da Esperança, forças contra as desigualdade e sinais de um futuro mais digno e feliz para as crianças, jovens e adultos do Maranhão. Paulo Freire segue vivo nas Escolas da Boniteza!

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