Entre duas guerras. A defesa do café foi necessária?

Os anos decorridos após a decisiva iniciativa de assegurar a manutenção
da renda dos produtores de café, em fevereiro de 1906,conhecido como
Convênio de Taubaté instaurou uma controvérsia que ainda não se amainou integralmente. Teria ocorrido uma

Seriam os gulosos produtores, bafejados pela oportunidade econômica e pela segurança de que não seriam perturbados pela intervenção do governo, aumentado desmesuradamente a produção? Charles C Mueller, no livro, ''Das Oligarquias Agrárias ao Predomínio Urbano Industrial – Um Estudo Processo de Formação de Políticas Agrícolas no Brasil'', Ipea , avalia o crescimento da produção cafeeira na década dos anos 20: ”A participação do café na receita de exportações passou de menos de 50% no período de guerra (Primeira Guerra Mundial 194/1918) para 55,8% em 1918/23 , e para o elevado nível de 72,5% em 1924/29”. Em relação ao preço do produto ocorreu, informa Mueller, após breve interregno no período de 1921/23, houve, na expressão do autor citado, crescimento substancial, merecendo destaque a segunda metade da década dos anos 20. O aumento nos preços constituía permanente incentivo ao plantio e, até, a alguns aumentos na produtividade, inclusive inovações tecnológicas desenvolvidas pelos fazendeiros paulistas. O interregno a que se reporta Mueller é atribuído , no primeiro momento, à fase cíclica da economia européia decorrente do após-guerra com decréscimo da atividade econômica. A seguir, os países europeus recuperam-se e a demanda do café volta a crescer. No início de 1921, governo brasileiro voltou a comprar café, reduzindo o volume do produto no mercado internacional (o mercado interno era ínfimo proporcionalmente) a fim de acrescer os preços vigentes, permitindo ao cafeicultor manter nível de renda satisfatória para prosseguir produzindo e até investir na produção. Foi a terceira medida de valorização. Outras ocorrerão e a elas nos referiremos oportunamente,
dentre elas a concretizada por Washington Luis (1869-1957).


 


 


Sérgio Silva, no excelente trabalho sobre a Economia Cafeeira e Origens
da Indústria no Brasil, afirma que o rápido crescimento da produção
cafeeira, principalmente a partir das décadas de 1870 e 1890, o “café
torna-se o centro motor do desenvolvimento do capitalismo no Brasil” A
informação encontra amparo em alguns indicadores substanciais para
caracterizar a predominância definitiva do capitalismo brasileiro. O
trabalho assalariado é um desses indicadores, o mais relevantes de
todos, pois se libera a nossa economia, no plano da produção, neste e em
outros setores, da presença, já decadente, de outras manifestações de
relações sociais incompatíveis com o domínio do capital. Para Sérgio
Silva,com a imigração massiva, o trabalho escravo cedeu lugar ao
trabalho assalariado nas plantações de café. Para ele, dois terços dos
imigrantes chegados a são Paulo, são empregados nas plantações.
Acrescenta que um contrato de trabalho padrão é preparado pelo
escritório de migração. Trata-se de um contrato de um ano, podendo ser
rescindido pelas duas partes, com um aviso prévio de um ês. /Washington Luis/ Progressivamente, anota Silva, esse desenvolvimento começa a subverter o sistema latifundiário e principia a “liberar” força de trabalho. A substituição do trabalho escravo pelo assalariado induziam à mecanização, a exemplo das secadoras mecânicas impuseram-se do mesmo modo que os classificadores a vapor, Silva, pg. 54. As estradas de ferro eram indispensáveis porá o escoamento da produção. A rede ferroviária brasileira espraiou-se partir do último quartel do século 19, e nos primórdios do século 20 eram numerosas as empresas no setor. A produção de peças e complementos para essa indústria ferroviária e as novas regiões produtoras não só de café, mas outras lavouras, por ela abrangidas, ampliavam a demanda por ferro que iria perdurar como exigência nacional por décadas, culminando com a campanha para instalação de uma grande empresa siderúrgica no Brasil.


 


 


Retornemos às medidas adotadas para a defesa da produção cafeeira, ou seja, à socialização dos prejuízos, como sustentam alguns autores?
Consubstanciaram essas medidas, a mais decisiva intervenção estatal
realizada no século passado, uma demonstração do País arcaico,
sustentado pelos insaciáveis donos do poder, ou constituíram a única
forma de preservar a economia de uma enorme crise , como se diria hoje,
sistêmica? O primeiro esquema de valorização foi posto em prática –
afirma Celso Furtado em Formação Econômica do Brasil – pelos estados
cafeicultores, liderados por São Paulo. Sem o apoio do governo federal,
apelaram os produtores aos governos estaduais que detinham o poder
constitucional exclusivo de criar impostos diretamente para o crédito
internacional e puseram em marcha o processo, Celso Furtado, p.210, Essa decisão pendeu a balança para o lado dos cafeicultores e o governo
federal “teve finalmente que chamar para si a responsabilidade maior na
execução da tarefa”. O mecanismo de defesa suscitou a oportunidade dos
cafeicultores de aumentar o plantio, sustentando preços estáveis, ou
seja, ocorria uma redução artificial da oferta pela aquisição do produto
pelo governo. Os investimentos permaneciam na monocultura cafeeira que
não corria riscos. Como observou Celso Furtado, tornava-se inevitável
que as inversões tendessem a encaminhar-se para a própria cultura do
café. Transferia-se para o futuro a solução de um problema que se
tornaria mais grave.


 


 


A defesa do café acelerava o questionamento da sobrevivência da grande
lavoura, ao mesmo tempo salvando-a por um lado, enquanto por outro,
assinalava os limites de sua hegemonia econômica, social e política, ou
seja, a sua dependência do estado. Um elevado penhor, pois não só de
café amparava-se a nossa economia, outros setores agrícolas também
dependiam da política cambial e tributária do estado e seguiam
apreensivos o predomínio da produção cafeeira nesse contexto.


 


 


Furtado descreve o processo de valorização em frases onde o seu gênio de observador revela a atualidade do seu pensamento: “Ao garantir preços mínimos de compra, remuneradores para a grande maioria dos produtores, estava-se na realidade mantendo o nível de emprego na economia exportadora e, indiretamente, nos setores produtores ligados ao mercado externo. Ao evitar-se uma contração de grandes proporções na renda monetária do setor exportador, reduziam-se proporcionalmente os efeitos do multiplicador de desemprego sobre os demais setores da economia.” Mantém-se a procura interna, mas, nos interstícios dessa malha esgarçada, insinua-se o produto de um capitalismo ainda mais poderoso, o capitalismo industrial.

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