Em defesa do Araguaia

Até muito recentemente a grande tarefa que cabia às forças progressistas, especialmente aos comunistas, era salvar a Guerrilha do Araguaia do esquecimento que lhe pretendia impor a ditadura militar e os setores mais conservadores. Nestes últimos anos, no

O que já está claro para todos é que as Forças Armadas se utilizaram de métodos bárbaros para sufocar a guerrilha. Entre esses métodos se encontravam: a tortura, o assassinato de militantes aprisionados, amputação de mãos, degola de cadáveres, ocultação e incineração dos corpos dos prisioneiros. Nem mesmo os militares envolvidos naqueles atos monstruosos podem negar que eles ocorreram. Agora, para eles, trata-se de justificar a barbárie.


 



 
O mote para o revisionismo histórico foi dado pelo ex-ministro da ditadura Coronel Jarbas Passarinho. Segundo ele, a luta entre a guerrilha e a ditadura militar foi uma “guerra suja” para os dois lados. Sendo que os guerrilheiros tiveram maior responsabilidade por tê-la desencadeado com sua opção pela resistência armada. Estava dada a senha para a reconstrução da história do ponto de vista dos torturadores e assassinos.


 


 


Estas versões tiveram pouca repercussão na sociedade brasileira pós-ditadura. Poucos políticos ou intelectuais ousaram defendê-las. Por isso era preciso construir formulações mais refinadas. Estas não podiam partir de pessoas diretamente envolvidas com a repressão política, como Brilhante Ustra e Major Curió. Precisava vir de um espaço mais nobre, da imprensa ou da academia.


 



O livro do jornalista e historiador Hugo Studart, ''A Lei da Selva''


 


 


O livro de Studart se encaixa perfeitamente dentro dos objetivos desta operação ideológica tentada pelos militares. É uma obra que não pretende defender abertamente a repressão, mas mostrar que os guerrilheiros não eram tão diferentes dos seus algozes. Conseguido este intento, estará amenizada a culpa daqueles que os torturaram e assassinaram.


 


 


Studart, logo no início do seu livro, afirma que seu objetivo “não era analisar o episódio (Guerrilha do Araguaia) sob o ponto de vista dos guerrilheiros, tampouco dos moradores da região” e sim “relatar o significado do conflito sob a ótica de um dos lados envolvidos, os militares brasileiros”. O seu objeto de estudo seria o imaginário que os militares haviam construído sobre o conflito armado. Um tema pertinente e que poderia ser bastante útil para nos fazer entender melhor os acontecimentos ocorridos no sul do Pará entre 1972 e 1974.


 



 
O problema é que o imaginário militar deixa de ser apenas o objeto de estudo para se transformar na ideologia que norteia a própria interpretações do autor. Isso se expressa nas próprias escolhas feitas e na linguagem utilizada. No artigo publicado no primeiro número da revista Br História isto é ainda mais claro e mais grave. Ali desaparece o imaginário militar e o que surge, sem retoque, é a ideologia conservadora do autor. Sigamos as trilhas tortuosas abertas por Studart.


 


 


Para ele tanto as Forças Armadas quanto os guerrilheiros tinham coisas a esconder. “o Exército não explicou como venceu, nem a guerrilha revelou como perdeu”.  Na revista ele é ainda mais claro: “Mais de três décadas depois, tanto o Exército quanto o PCdoB continuam em silêncio, se recusando a abrir seus próprios arquivos. Por quê? Há muitos esqueletos a desenterrar – de ambos os lados”. Do lado dos guerrilheiros e do PCdoB “o principal cadáver é a prática dos ‘justiçamentos’, eufemismo usado para justificar a execução sumária dos ‘inimigos da revolução’”. Eis aí na sua pureza a tese dos militares da “guerra suja” dos dois lados.


 


 


A afirmação de que a guerrilha não revelou como perdeu é injusta diante do fato que os guerrilheiros foram dizimados e o diário do comandante Maurício Grabóis, principal documento sobre a guerrilha, foi confiscado pelo Exército. Um dos únicos sobreviventes, o subcomandante Ângelo Arroyo, se esforçou para trazer um relatório da guerrilha e expor suas opiniões sobre as razões da derrota. Este relatório foi divulgado pelo PCdoB desde o final da década de 1970, enquanto os originais do Diário de Grabóis continuam desaparecidos até hoje.


 



Justiçamentos de jagunços e delatores


 


A grande prova que os guerrilheiros também haviam ingressado na Lei da Selva – ou na “guerra suja” – foram os justiçamentos realizados. Mas, o que pretendia ser um dos pontos mais fortes do livro acabou sendo um dos mais fracos. Os fatos narrados demonstram apenas quão diferentes eram aqueles jovens guerrilheiros de seus algozes.


 



O primeiro caso que Studart nos conta é sobre a morte de um informante do exército: “Um jovem camponês, de 17 anos, que guiou um grupo de militares ao esconderijo dos guerrilheiros, foi capturado, julgado por um Tribunal Revolucionário e executada a golpes de facões”.  Mais à frente afirma: “Teria sido morto a golpes de facão, segundo os militares espalharam na região; ou com um tiro pelas costas, de acordo com seus parentes. Tinha entre 17 e 18 anos”.


 



Eumano Silva e Tais Moraes, em Operação Araguaia, nos dão outra versão, menos escabrosa. Escreveram eles: “De surpresa, encontraram João Pereira em uma picada e o intimaram a levantar os braços. João não obedeceu. Os comunistas abriram fogo”. Assim teria sido fuzilado ao resistir a uma ordem de prisão dos guerrilheiros. Nada de execução a golpes de facão ou tiros pelas costas. Qual dessas versões seria a correta? Studart sempre escolherá a mais desfavorável aos guerrilheiros.


 



Depois de tanta confusão de informação veja como Studart conclui o assunto: “Mas considero importante registrar esse possível episódio, visto que o justiçamento de um adolescente inocente, com métodos bárbaros – verídico ou fantasioso, não importa – acabou se tornando um fato significativo no imaginário das tropas do Exército”. Bela conclusão para um historiador: se “esse possível episódio” é “verídico ou fantasioso não importa”. 


 


Continuemos com Studart na sua vã tentativa de demonstrar o lado selvagem dos guerrilheiros: “Logo após a segunda campanha, teria havido a execução de mais três camponeses suspeitos de colaborar com o governo e pelo menos um companheiro de guerrilha.” Vamos por partes e comecemos pelos três camponeses “suspeitos”.  O próprio Studart, numa nota de roda-pé, escreveu: “Nesse caso, todos os três seriam de fato colaboradores, dois deles conhecidos pistoleiros de aluguel, apontados pelos moradores da região como responsáveis por mortes de posseiros a mando de latifundiários”. Num passe de mágica os pobres camponeses justiçados viraram perigosos jagunços, o que de fato eram.


 



Na verdade, os casos de “justiçamentos” foram em número reduzidíssimo. O relatório de Arroyo chegou a reconhecer que uma das deficiências da guerrilha foi “o do não-justiçamento de determinados inimigos”. Tudo indica que, ao contrário do que diz o autor, os guerrilheiros estavam mais preparados para morrer do que para matar.



 
O livro cita vários casos que comprovam a superioridade moral dos guerrilheiros. Um dia estes entraram nas terras de um fazendeiro chamado Nemer Curi – acusado de colaborar com os militares. O objetivo era julgá-lo e justiçá-lo. Saíram da empreitada sem o ferir, apenas dando-lhe uma lição de moral. Num trecho do suposto diário de Grabóis que Studart teve acesso está escrito: “O fazendeiro se defendeu, negando parte das acusações (…) O C do D foi magnânimo em relação ao acusado. Advertiu-o para que não incidisse em outros crimes. As contas estavam ajustadas”. Os inimigos presos pela guerrilha tinham o direito de se defender e podiam até serem absolvidos.


 


Studart cita outro caso que os guerrilheiros saíram para justiçar um jagunço e, também, resolveram poupá-lo depois que ele pediu perdão pelos seus crimes. Novamente o suposto diário de Grabóis justificou o perdão: “Não era dos mais raivosos. Por isso, a solução política dada ao caso talvez tenha sido a melhor”. Quando os guerrilheiros foram justiçar o pistoleiro Pedro Mineiro eles o encontraram com outro jagunço, mas resolveram executar apenas o chefe do grupo e libertar o seu comparsa.


 



Por fim, cabe-nos lembrar do assalto ao posto policial na Transamazônica, no qual os guerrilheiros vitoriosos se contentaram em colocar os soldados para correr de cuecas. Vejam a diferença entre o tratamento dado pelos guerrilheiros aos seus inimigos vencidos e o dado pelas Forças Armadas.


 



 Morte por adultério?


 



Uma das maiores infâmias divulgadas por Studart foi o suposto justiçamento do guerrilheiro Rosalindo Cruz Souza (Mundico). Ele, segundo as “fontes” militares teria sido executado por ter tentado seduzir a mulher de outro guerrilheiro. Assim o autor descreve a cena da execução: “Dina estourou-lhe o peito por causa de uma transgressão moral, a conjunção carnal com a companheira de um camarada de armas, considerado algo terrivelmente ofensivo ao código revolucionário”. Aqui a imaginação e a má fé dão as mãos.


 


Numa carta-resposta à Studart a ex-guerrilheira Luzia Reis Ribeiro escreveu: “nós mulheres éramos livres para escolher com qual companheiro quiséssemos nos relacionar, mesmo as casadas anteriormente (…) o comportamento tido como adultério não existia em nosso meio, podia sair de um relacionamento para outro relacionamento, sem repressão nem a intromissão da Comissão Militar”.



Continuou ela: “A própria Dinalva e o Antônio, antes do início da guerra (…) comunicaram à Comissão Militar que não eram mais marido e mulher e que Dina queria ir para o grupo onde se encontrava o ‘Pedro’, o Gilberto Olímpio, em outro destacamento”. Então qual seria a grave transgressão moral em se apaixonar por outra pessoa e largar o marido ou a esposa. Nem diante de uma evidencia tão óbvia parece dissuadi-lo da sua “verdade”.


 


Studart nem ao menos se deu ao trabalho de ler o Regulamento do Tribunal Militar da Guerrilha. Ali não existe pena de morte para adultério. A pena de morte é prevista no caso de violência contra mulher, especialmente estupro. Mesmo assim o fuzilamento é a última e mais grave das punições. Ele também não dá qualquer valor às informações constantes no relatório de Arroyo e no suposto Diário de Grabóis, que nunca procuraram esconder os casos de justiçamento, mas unanimemente afirmam que Mundico morreu devido a um acidente com sua própria arma. Acidente muito comum nos agrupamentos armados. Studart foi induzido ao erro pela sua opção ideológica, que leva-o sempre aceitar como mais plausível a versão dos inimigos da guerrilha.



Por fim, cabe ressaltar que nenhuma das pesquisas realizadas entre o povo da região constatou a existência dessa execução. A notícia de uma execução, presenciada por meia dúzia de camponeses como afirmaram os militares, se espalharia como fogo em mata seca e teria sido usada pela repressão como contra-propaganda. Por que isso não ocorreu na época? A resposta mais óbvia é que isso foi uma versão construída posteriormente para mostrar o quão perigosos eram Dina, Osvaldão e André Grabóis, que supostamente teriam participado da execução de Mundico. Assim, a morte desses guerrilheiros estaria plenamente justificada.


 


O mito da direção desertora


 


Outro mito que os militares pretendem difundir é que a direção do PCdoB abandonou os guerrilheiros e desertou da luta. Veremos que Studart passa a assumir esta versão sem a mínima sustentação factual e a partir de informações mentirosas, que ele mesmo poderia desmascarar se assim o quisesse.


 


Os alvos preferidos dos militares – e de Studart – são João Amazonas e Elza Monnerat. Os militares, afirma o livro, “demonstram profundo desprezo pelos que fugiram dos combates, especialmente pelos dois dirigentes máximos do partido que deixaram a área ainda no início de 1972, no primeiro sinal da chegada das Forças Armadas – João Amazonas e Elza Monnerat”.  Acho que Studart, na sua santa ingenuidade, nunca se questionou sobre as razões desta unanimidade militar contra os dois dirigentes comunistas.


 


Um historiador sério teria colocado no corpo do texto – e um menos sério numa pequena nota de roda-pé (Studart não colocou em nenhum desses lugares) – que Amazonas e Elza saíram do Araguaia no início de março de 1972. Foram participar da reunião do Comitê Central onde se aprovou o documento 50 anos de luta, escrito por Amazonas e Grabóis nas matas do Araguaia. Ou seja, eles estavam em São Paulo quando o exército tomou conhecimento da existência da Guerrilha. É o próprio Studart que nos dá a informação que foi apenas em março que os militares tiveram conhecimento de que algo estava acontecendo no Araguaia e a operação contra a guerrilha começou apenas em abril. Será que Studart não pode concluir pela sua própria cabeça que algumas peças não se encaixavam na versão do pessoal da repressão?


 


Quando Elza e Amazonas estavam no caminho de volta para o Araguaia, a guerrilha já havia sido descoberta e a área já estava cercada pelo Exército. Foi Elza a primeira e notar a movimentação das tropas e voltou para avisar Amazonas, salvando-o de uma prisão certa. Somente uma organização irresponsável permitiria que seu principal dirigente fosse preso ou morto logo no início da batalha. Este fato é descrito nas biografias de Elza Monnerat e de Maurício Grabóis, além de inúmeras entrevistas dadas pelo próprio João Amazonas.


 


Mas uma das principais injustiças do livro foi o tratamento dado a Ângelo Arroyo, também apresentado como desertor. Aqui também Studart assume, sem contestação, o ponto de vista dos órgãos de repressão. Ele chega a aventar que Arroyo teria desertado duas semanas antes da queda da Comissão Militar e da morte do seu comandante Maurício Grabóis , ocorrida no natal de 1973. Ao mesmo tempo cita as últimas anotações de Grabóis, feita poucas horas antes de morrer, que dizia: “Penso em sair da região, pois, se não o fizer, posso criar, com minha doença, uma situação difícil para os comandantes. Discutirei o assunto na próxima reunião da Comissão Militar, que se realizará logo que Joaquim chegue”. Ali não se vê nenhum sinal de dúvida do comandante da guerrilha sobre o comportamento de Arroyo ou de sua fuga ocorrida duas semanas antes.


 


O próprio relatório Arroyo fala do conflito ocorrido no dia 25 de dezembro, combate que dizimou a comissão militar da guerrilha. Como ele poderia saber daquele acontecimento se tivesse fugido duas semanas antes. Prova mais do que suficiente para anular a calúnia dos militares. Mas, quem quereria esclarecer os fatos? Studart, com certeza, não. Por isso continua se referindo à Arroyo como desertor.


 


Para os comunistas e demais correntes democráticas e populares Arroyo é um herói do povo brasileiro. O ódio dos militares contra Arroyo, Amazonas e Elza se deve ao fato de terem sobrevivido ao Araguaia. Eles gostariam que todos tivessem ali morrido. Afinal, como gostava de dizer a direita militar, “comunista bom é comunista morto”.


 


É comum os militares – e Studart – afirmarem que a cúpula do Partido estava instalada “em segurança” nas cidades enquanto os guerrilheiros se arriscavam nas matas. Será que eles não sabem que não havia nenhuma segurança para os dirigentes comunistas nas cidades e que foi por este motivo que muitos se deslocaram para áreas do interior? Será que eles não sabem da prisão, tortura e assassinato de Lincoln Oest, Carlos Danielli, Luiz Guilhardini, Lincoln Bicalho Roque, todos membros do Comitê Central? Será que estavam em segurança os dirigentes do PCdoB quando, em dezembro de 1976, foram surpreendidos e massacrados pelos órgãos de repressão?


 


Para sustentar esta versão sobre a deserção dos dirigentes comunista é preciso violentar a história. Partindo da direita militar isso é natural. Para aqueles que chegaram a violentar prisioneiras indefesas que mal teria violentar fatos históricos. Mas para um historiador e jornalista as coisas são diferentes.



 
Diz uma lenda grega que Procusto convidava suas visitas para deitar num leito. Como as pessoas não se encaixavam exatamente ao tamanho da cama, o anfitrião dava um jeito: esquartejava seus hospedes para que ali coubessem. Esta é a mesma lógica adotada por Studart: mutilar a realidade para que ela possa caber no seu esquema limitado.


 



Os pequenos erros de um livro errado


 


O livro comete uma série de pequenos erros de informação, que isoladamente não trariam grandes problemas. Mas, quando visto de conjunto, revelam a ideologia do autor e comprometem a obra como um todo. Vejamos alguns desses pequenos grandes erros.
Segundo Studart, em 1975 “em segurança na Europa, os dirigentes do partido conseguiram veicular na Rádio Tirana e publicar no jornal Le Monde reportagens que sustentavam que a guerrilha teria o controle sobre uma área libertada do tamanho da Bélgica”.



 
Uma informação capciosa, pois é de conhecimento público que o núcleo dirigente do Partido permaneceu no Brasil até a Chacina da Lapa em dezembro de 1976. Apenas Diógenes Arruda, que havia sido barbaramente torturado no final da década de 1960, recebeu incumbência de ficar no exterior. Outros, especialmente Dynéas Aguiar, viajavam esporadicamente para eventos do movimento comunista. Se os dirigentes estivessem em segurança no exterior não teriam sido massacrados em dezembro de 1976. O autor revela um espantoso desconhecimento sobre um dos elementos que deveria ser central de sua pesquisa: o PCdoB.  Ele chega ao absurdo de afirmar que o Partido foi criado em 1960, enquanto toda a bibliografia existente afirma que o PCdoB foi reorganizado – ou fundado – em fevereiro de 1962.


 


Studart se refere à Pedro Pomar como guerrilheiro – que além de ser um dos “idealizadores da guerrilha” teria estado na área antes do início dos combates para montar “uma base de apoio”.  Continua ele: “Depois da derrota, o partido difundiu boletins internos garantindo uma estrondosa vitória no Araguaia e começou a divulgar no exterior que teria o controle sobre o território. Pomar então redigiu sua própria análise (…) relatando o que sabia sobre a derrota e tecendo autocrítica sobre a aventura”.


 


Parece que o autor não se deu ao trabalho de ler nenhuma das biografias de Pomar e nem mesmo o relatório que ele elaborou. Se tivesse lido saberia que Pomar não foi guerrilheiro e nem mesmo esteve no Araguaia. A “base de apoio” que ele montou era no Vale do Ribeira. Pomar nunca se referiu à Guerrilha como aventura. Tinha por ela grande respeito, apesar dos erros que acreditava tivessem sido cometidos. A grande polêmica ocorrida no Comitê Central, em 1976, se deu em torno da questão se guerrilha teria sofrido uma derrota temporária ou definitiva. Nunca ninguém falou de “estrondosa vitória” da guerrilha pós-1974.



 
Studart afirma que Maurício Grabóis “foi um dos primeiros guerrilheiros a chegar à região em 1966”. Se tivesse lido a excelente biografia escrita por Osvaldo Bertolino saberia que ele chegou em dezembro de 1967. O primeiro a chegar na região foi Osvaldão.


 


Outro erro é sobre o próprio Osvaldão. O livro diz que ele tinha a patente de coronel concedida pelo Exército da Tchecoslováquia. Na revista ele foi ainda mais longe e afirmou que Osvaldão teria feito um curso de “partisan” no Exército da Tchecoslováquia. Na verdade ele fez um curso de engenharia, que não chegou a concluir. Naquele mesmo país ele aderiu ao PCdoB e voltou ao Brasil para ajudar na organização do seu novo Partido. O curso político-militar ele fez na China em 1964.



 
Falando sobre Francisco Manoel Chavez Studart diz que nem a direção do Partido sabia o seu nome verdadeiro e que ele somente foi descoberto em 1991, quando se abriu os arquivos do DOPS no Paraná.  Se Studart tivesse se dado ao trabalho de ler o artigo “Francisco Chavez – denotado lutador de Vanguarda”, publicado n’A Classe Operária de maio de 1974, teria descoberto que o PCdoB sabia o nome verdadeiro e a biografia do guerrilheiro José Francisco. Ele era um velho camarada de Grabóis, Amazonas e Pomar.  Este artigo saiu na coletânea “50 anos de luta”, publicada em 1975 pela editora portuguesa Maria da Fonte.



O último pequeno erro a que me referirei, para não cansar o leitor, se refere a afirmação de que um dos fatos mais importantes ocorridos após 1996 “foi a direção do PCdoB ter decidido, finalmente, divulgar o discurso oficial do partido sobre os acontecimentos, publicando o livro-revista Guerrilha do Araguaia – Documentos do PCdoB”.



O problema é que a revista foi lançada em 1982 – quatorze anos antes do que afirma o autor.  Sua primeira edição causou um alvoroço na esquerda brasileira e foi apreendida por ordem do Ministro da Justiça. Na Bahia dezenas de pessoas foram presas durante o seu lançamento. O acontecimento teve grande repercussão na imprensa nacional e internacional. No ano seguinte, o 6º Congresso do PCdoB aprovou o documento “Acerca da Violência Revolucionária” fazendo um balanço auto-crítico do movimento armado no Araguaia.



Estranhamente Studart não cita este importante documento: o principal documento partidário tratando da Guerrilha do Araguaia. Pode se discordar da avaliação do Partido, mas não afirmar que ela não existiu.



Como se vê são muitos erros de informação para um trabalho acadêmico. Uma banca mais exigente o teria feito reescrever o seu trabalho.

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