Eleições na SBPC

“A ciência não tem pátria; mas o cientista tem.”
Louis Pasteur.


A frase acima, atribuída a Pasteur, tem a capacidade de sintetizar em poucas palavras um assunto que é completamente avesso aos propagandistas da globalização neoliberal: a nece

É prática comum dos porta-vozes do neoliberalismo, presentes nas universidades e em outros círculos científicos, defender a ciência “desinteressada” e sem fronteiras, valendo-se de uma propaganda pseudo-humanista que nada tem a ver com cooperação e integração científica entre países e povos. Atrás de um discurso que a primeira vista pode parecer uma bandeira internacionalista de partidos e movimentos progressistas, na realidade é a defesa envergonhada da tese de que países mais pobres não devem “desperdiçar” dinheiro investindo na chamada “ciência básica”, sendo mais racional comprar diretamente a tecnologia pronta dos países centrais.



 
Essa mentalidade colonizada encontra-se ainda arraigada em certos setores importantes da academia e está incutida no pensamento de não poucos professores-pesquisadores. A opinião subalterna é difundida incessantemente pela burguesia que concebe a ciência como um instrumento para garantir sua hegemonia política, econômica e militar, promovendo um apartheid científico cada vez maior, dividindo as nações entre aquelas que produzem ciência daquelas que no máximo conseguem copiá-las. Na dita sociedade do conhecimento o saber cada vez mais é sinônimo de poder e a questão científica e tecnológica mais central.


 


Nessa disputa de idéias e projetos, dispomos no Brasil de uma importante aliada: a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Ao longo dos seus quase 60 anos de existência, a SBPC sempre defendeu um projeto científico nacional, na contramão do pensamento dito hegemônico. Sendo a pátria dos nossos cientistas o Brasil, a SBPC ao longo de sua história tem sido o berço das principais lutas travadas por todos os amigos da ciência em prol de um projeto de C&T autóctone, inserido de forma soberana no cenário internacional.


 


Importante frisar que a SBPC não é uma agremiação apenas de técnicos e cientistas. Nenhuma qualificação técnica é exigida para a admissão como sócio, mas tão somente o desejo de contribuir de algum modo para o progresso da ciência em nosso país (1).


 


Essa visão aberta e plural confere à SBPC um caráter amplo que permite pautar as lutas mais específicas como também aquelas mais gerais. Assim, campanhas mais pontuais relativas à política nacional de C&T (Ciência e Tecnologia) tais como o descontigenciamento dos recursos dos Fundos Setoriais, ampliação do número e valor das bolsas de pesquisa e formação, combate às assimetrias científicas estaduais (reivindicando a criação de Fundações de Amparo à Pesquisa em todos os estados da Federação), defesa da pesquisa com células- tronco, entre tantas outras, vêm acompanhadas de ações mais universais como, para citar apenas um exemplo, as Reuniões Regionais que por si só fomentam debates dos mais distintos temas nas mais variadas realidades, apontando rumos para o Brasil e o mundo.


 


 



A SBPC é um patrimônio do povo brasileiro que através dela consegue ver a ciência com outro olhar, diferente daquele que a enxerga como a vilã da história. Quando muitos satanizam a clonagem terapêutica, investem contra a biotecnologia para atingir todo e qualquer estudo sobre transgenia, ou mesmo enxergam as inovações tecnológicas como responsáveis pelo desemprego estrutural, eis que surge a voz técnica e política da SBPC para dissipar dúvidas, combater tabus e desmistificar falsas polêmicas.


 



   
A popularização e divulgação da ciência direcionada aos brasileiros é feita brilhantemente pela SBPC que conduz esse imprescindível trabalho com muita propriedade. Temas que em um primeiro momento parecem distantes do cotidiano do povo passam a ter mais proximidade através das várias iniciativas que vão desde as feiras científicas das Reuniões Anuais, passando por publicações como Ciência Hoje, Ciência Hoje para Crianças, Jornal da Ciência, até iniciativas voltadas às resoluções dos problemas mais sentidos pela sociedade pugnando linhas de pesquisa voltadas ao social.


 


Mas talvez seja a defesa de uma ciência engajada e comprometida com o povo e voltada aos interesses nacionais o maior mérito dessa organização que também guarda suas contradições internas, mesmo que não manifestadas de forma muito aberta entre a sua diretoria e os candidatos que concorreram à presidência e as secretarias nessa última eleição que terminou na meia noite da quarta-feira, dia 6.


 


 


Possivelmente tenha sido justamente essa quase indistinção programática dos dois candidatos e suas respectivas “chapas” que concorreram essas eleições um dos motivos do baixíssimo índice de participação no processo eleitoral da SBPC, onde a maioria preferiu simplesmente abster.


 


 


Como afirma José Monserrat Filho (2), editor do Jornal da Ciência, o número dos sócios que votaram representa cerca de 50% dos que tinham direito a votar. Registraram-se apenas 1229 sufrágios eletrônicos e quatro por carta, ou seja, 1233 votos. Entretanto foram enviadas 2427 cédulas para os sócios quites e 1.727 para sócios devedores (ano de 2005), que poderiam votar se ficassem em dia com a anuidade de 2006, pelo menos.


 


O mesmo Monserrat, em artigo no Jornal da Ciência on-line do dia 8 de junho, deixa no ar a pergunta: por que mais de mil sócios quites deixaram de votar? Por que a falta de interesse de tantos sócios que poderiam ter votado mesmo sendo exaustivamente informados sobre o processo eleitoral?


 


A baixa participação dos associados nas eleições da sociedade científica que promove as reuniões anuais mais concorridas do hemisfério sul do planeta merece atenção especial. Não é todo dia que temos a oportunidade de influenciar nos rumos de uma entidade que faz do Brasil, a despeito de ser a pátria de chuteiras (em alusão ao futebol), também uma pátria de jalecos (afinal são mais de 10 mil doutores titulados ao ano em nosso país).


 


Os jovens cientistas brasileiros, inseridos nos programas de iniciação científica, mestrado e doutorado pelo Brasil afora, e que sempre contaram com a SBPC como aliada de primeira hora da ANPG e da UNE nas suas reivindicações, também podem e devem contribuir para fazer da SBPC uma associação cada vez mais participativa e a altura de sua rica história.


 


A juventude brasileira precisa assumir cada vez mais essa estratégica tarefa de lutar em defesa da ciência nacional e se incorporar à SBPC, que por sua vez precisa abrir ainda mais as portas e absorver esses jovens cientistas, representantes legítimos de uma geração que sofreu na formação acadêmica e científica os piores anos do neoliberalismo e sentiu na pele o brutal achatamento do valor das bolsas e o desmonte dos Institutos de Pesquisa e da própria Universidade pública.


 


Igualmente, os estudantes latino-americanos realizarão seu próximo congresso (CLAE) em novembro desse ano no Equador com o lema: Unida, América Latina triunfa.  E justamente um dos elementos fundamentais que permitirá essa unidade real entre os países de nossa região é a integração científica e tecnológica, que passa pelo combate às alarmantes assimetrias no campo da produção científica.


 


Nesse mérito, talvez tenha sido a SBPC a entidade que historicamente mais vem trabalhando pela integração regional, pautando C&T como assunto estratégico para a diminuição das vulnerabilidades entre os países do nosso continente. A publicação da revista Ciencia Hoy (em espanhol) e as inúmeras atividades com entidades congêneres dos países vizinhos é uma prova disso. Mesmo de cara nova, que ainda não sabemos qual é, pode-se ter certeza que a SBPC continuará nesse caminho, sinalizando os rumos para uma ciência nacional com a cara e o jeito do cientista e povo brasileiro.


 


 


Notas:


 



(1) Trecho extraído da Publicação nº 3 da SBPC, de 1951: “SBPC – Fundação, evolução e atividades”, reproduzidos nos Cadernos SBPC nº 7, 2004.


 


(2) Artigo veiculado no JC e-mail 3280, de 8 de junho de 2007: “Eleição na SBPC: votação encerrada revela índice muito baixo de participação”.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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