Economia real e financeirização

A hipótese de que a crise capitalista decorreu das turbulências da financeirização dos instrumentos destinados a alimentar o processo de acumulação do capital e estender o benefício do crédito aos consumidores, tem sido a permanente teoria sustentada pelos economistas burgueses para explicar a crise.

Para eles, o capital financeiro desmandou-se ingressando numa espiral de especulação envolta na criação de instrumentos creditícios de inventividade nunca vista. Por seu lado, a “economia real” permanece segura e somente sofre o desatino de sua irmã univitelina, a finança.

 Não há discrepância- admitimos- em acolher a importância do capital financeiro, por sua vez parte integrante e elemento propulsor do capital em todas as suas fases. Sem crédito é o desfalecimento, a ruptura, a aniquilação. Para avançar na produção, adquirir máquinas, implementos, matéria-prima e pagar salários, deve o capital antecipar-se ao momento produtivo e o faz mediante crédito. Essa antecipação é sempre o momento de situar-se o capitalista a montante do giro do capital, e, dessa forma, sobrepujar a competência. “Eu pergunto, quem foi mais para frente, porque eu quero ir mais para frente ainda”. O destino do capital é devorar o crédito para alimentar-se com o tempo. O tempo, como tudo mais, metamorfoseado em pecúnia.

Teria sido a financeirização a causa ou a consequência do que ocorre na economia do capitalismo internacional, estagnado e titubeante?

A analise da instabilidade financeira, sustentada por autores como Sweezy e Magdoff,não se circunscreve às flutuações de curto prazo dos  negócios, mas o  desvario financeiros denota o problema da acumulação de capital nas economias submetidos à estagnação decorrente de  alto grau  de monopólio, ou oligopólio, e maturidade industrial.  Nestas condições, maior potencial produtivo é acrescido, superior à capacidade real do consumo de estimular o giro capitalista, ou investimento ,recuando   a economia para menor nível  de crescimento.  Nessas circunstâncias, a acumulação torna-se dependente de “incentivos especiais”. Após a Segunda Guerra Mundial dentre os mais persistentes estímulos encontram-se as despesas militares, os incentivos a vendas, inclusive exportações, e o crescimento dos débitos especulativos, financeirização (financialization), certamente o que mais buscou reanimar a economia em declínio. Em resumo, a especulação financeira desempenhou o papel para o qual se destina, ou seja, salvaguardar os titubeios do capitalismo em crise de queda no consumo e aumento da produção, a despeito de acentuar a crise financeira. Salvar-se-á a “economia real“desta maneira?

A ofensiva financeira, movida para evitar o desastre iminente, atingiu os centros nervosos do moderno equilíbrio capitalista, os Bancos Centrais(ou bancos de último recurso ,no economês vigente). Trilhões foram semeados no intento de evitar o desmoronamento escalonado dessas moedas (dólar, euro etc.). Em nenhum momento cogitou-se de se realocar a força de trabalho expelida do mercado, dessa maneira sofreu ainda mais o consumo produtivo e o investimento que se alimenta do trabalho, do pago e do impago.

Os países alcunhados de emergentes resistiram mais à crise, amparados no esforço, anteriormente realizado, de acrescerem os seus mercados internos mediante políticas de redistribuição de renda e manutenção do poder aquisitivo do salário. No Brasil, políticas sociais redistributivas, pequenas, mas eficientes, anteciparam-se à crise, permitindo recuperação sem precedentes, embora recursos do Estado tenham contribuído para amenizar a falta de crédito contida pelos bancos privados, atentos aos riscos temidos. Em suma, salvou-nos o consumo interno ao revés do que ocorreu em outras economias  poderosas, nas quais  o desemprego afasta do consumo parte da população,mimetizada pela roleta financeira   que lhe permitia a ilusão do bem estar social fundado no crédito sem fronteiras.

Anuncia-se, nos Estados Unidos, modesta recuperação do consumo, devida, no entanto, a políticas públicas voltadas para o emprego, do atual governo Obama. Grave ameaça ainda persiste de enorme bolha financeira produto do enorme desequilibro resultante do propósito de salvação do sistema financeiro norte-americano.

O crédito, nos Estados Unidos aproxima-se do zero, situação peculiar de outros países, incluindo-se o Japão. Nem por isso logrou restabelecer o investimento. A economia real está enferma e os remédios ministrados ainda não foram suficientes ou adequados a seu restabelecimento.

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