É preciso ouvir Taynara

Um dos piores males da formação brasileira autoritária é o nosso vezo de ter sempre certeza de tudo. Certezas absolutas não são coisas deste mundo, no qual tudo é relativo, empírico, sujeito à demonstração. O bom senso tenderá, sempre, para São Tomé: é preciso ver, tocar e sentir. E, portanto, na incerteza dos que não formam opinião a partir de manchetes de jornais e revistas, dispor-se a ouvir, juntar cabeças e refletir.

O que temos hoje é uma oligarquia congressual, blindada pela mídia hegemônica e por juízes que ignoram os princípios fundamentais da processualística moderna, preparando a derrubada de um governo legitimamente eleito. Trabalhada por gênios de novela, esta é uma história que ensopará lenços. Grandes arrependimentos não tardarão e serão tão comoventes, tanto mais se forem grandes os arrependidos.

Não se trata de negar que estamos vivendo uma crise econômica. A submissão institucional dos Estados aos ditames do mercado é uma característica do capitalismo contemporâneo. É preciso pensar a ação política a partir de conceitos atuais. Não há reprovações morais a fazer, este é o modo de funcionamento do capital financeiro em uma economia destroçada por ele. Resistir é preciso e para tanto a luta de classes passa pela política econômica que, passando por cima de conciliações e transações por alto, temos que adotar.

As gerações se sucedem e a ladainha ideológica da direita permanece congelada nos anos 1950. Dos conservadores, porque só têm uma corda em seu violino e o arco está sempre na mesma posição ouviremos que só há uma saída: cortar o déficit, suprimir direitos sociais e trabalhistas, entregar a soberania ao mercado e aniquilar a política. A imoralidade e o cinismo desta narrativa estão em buscar na democracia e em suas instituições a razão dos problemas. À esquerda cabe reafirmar que só o aprofundamento democrático, o diálogo permanente com movimentos sociais e atores que ainda não cederam à tentação da ruptura institucional, pode evitar o retrocesso que se avizinha.

Observemos o ato contra o golpe, realizado em diversas capitais, e comparemos com as manifestações golpistas. Que diferença! Não nos referimos ao quantitativo, mas ao qualitativo. No dia 31 de março, quem estava nas ruas sabia o que queria: defesa da democracia; luta contra o ajuste fiscal que penaliza os mais pobres e combate a toda e qualquer forma de intolerância. Foi lindo ver representantes de vários partidos, centrais sindicais e do MST. Comovente a volta do movimento estudantil aos atos políticos e a participação de coletivos de negros e do movimento LGBT. Todos expressando suas demandas no lindo mosaico das avenidas. Bem diferente de manifestações em que os participantes gritam “abaixo a corrupção" (quem é a favor?) “ meu partido é minha pátria", " abaixo o comunismo bolivariano" ou " vai pra Cuba". A indigência não é gratuita. O ódio não produz palavras de ordem sensatas. Talvez sequer palavras sejam produzidas.

Se costurar acordos é necessário, a prioridade do governo deve ser ouvir os que saem às ruas em sua defesa. Para ilustrar reproduzimos o depoimento da estudante de Jornalismo, Taynara Cardoso, das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), após ter ouvido uma palestra proferida pelo professor e militar legalista, Ivan Proença, símbolo de resistência à ditadura militar:

“Hoje tive o prazer de começar o dia assistindo a uma palestra na Facha Méier sobre o golpe de 1964, traçando um paralelo com o golpe político atual, e de ouvir pessoas cocmo o grande Proença falarem sobre a realidade da ditadura e dos direitos constitucionais que ela cerceou, além das dificuldades de viver em um país em que os nossos direitos como cidadão não são respeitados. Tive o prazer também de encerrar minha noite dizendo não a um novo golpe. Um golpe que não vem armado ou com tanques, mas que também fere os meus, os nossos direitos. Não luto por mim, nem por partidos. Luto pela democracia!”

Que sua fala seja ouvida. Nela não há descrença ou desespero.

* Debate promovido pelo DCE Vladimir Herzog-Facha-RJ

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