Dilemas da CUT e racha da Conlutas

“Somente os sectários podem preferir uma maioria segura numa confederação sindical pequena e isolada em vez do trabalho de oposição numa organização ampla e realmente massiva”. Leon Tr

 

 

Nos próximos dias, o sindicalismo brasileiro estará envolvido em intensos debates. De 5 a 7 de maio, em Sumaré (SP), ocorre o primeiro congresso da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), que oficializará um novo racha sindical com a criação de mais uma central no país. Hegemonizada pelo PSTU, a Conlutas tem como marca a oposição frontal ao governo Lula e à CUT e adota uma forma organizativa híbrida. Na seqüência, de 6 a 9 de junho, ocorrerá o 9o Congresso Nacional da CUT, a maior central sindical do país, com 3.489 entidades filiadas e 22.533.798 trabalhadores na base. Ele debaterá as complexas relações com o governo Lula e os desafios para retomar o poder de mobilização e de intervenção política na sociedade.

 

Sindicalismo em crise

 

Em níveis diferenciados, ambos os congressos expressam as dificuldades do sindicalismo na fase recente. Não é possível entender seus dilemas atuais sem realizar uma análise mais totalizante da crise que atinge o movimento sindical nacional e mundial. No caso brasileiro, após um longo período de silêncio imposto pela ditadura militar, o sindicalismo viveu a sua fase de ouro nos anos 80. Enquanto no mundo inteiro ele afundava na crise, no Brasil o sindicalismo batia recordes de greves, renovava suas direções, retomava a ação intersindical, despontava no setor público e desabrochava no meio rural. Somente outros dois países viveram o mesmo fenômeno – África do Sul, na luta contra o apartheid, e Coréia do Sul, no combate à ditadura. Houve também o caso da Polônia, mas por razões distintas que só o Vaticano consegue explicar.

 

Na década de 90, porém, o sindicalismo brasileiro sofreu uma brutal reversão. Se antes ele estava em alta, agora também entrava em crise. A vida do sindicalista virou um martírio. Houve queda de sindicalização, as assembléias se esvaziaram, as cisões aumentaram e as pesquisas detectaram sua perda de credibilidade. Vários fatores, objetivos e subjetivos, explicam o declínio. Não dá, como alegam certas visões simplistas, para culpar apenas a direção sindical pela crise. O uso mecânico da tese de Leon Trotsky, no seu famoso “Programa de transição”, de que as condições para a revolução “estão maduras” e de que ela só não vinga devido à  “traição da direção”, não se sustenta. Do contrario, por que os “revolucionários” não empolgam este processo ascendente, não são exemplos de combatividade e também são vítimas de várias distorções?

 

Entre os fatores objetivos que acuaram o sindicalismo, três se destacam. A crise estrutural do capitalismo e a explosão do desemprego dificultam a vida dos sindicatos, reduzindo o seu poder de barganha. O outro fator dificultador foi o remédio usado pelo capital para resolver sua crise – o neoliberalismo. Além de não obter melhorias, o trabalhador sente regredir seus direitos. O sindicato tem mais dificuldade para resistir e o seu papel é questionado. Por último, ocorreram mudanças nas empresas com a reestruturação produtiva. As novas tecnologias eliminam o trabalho vivo. Já as técnicas gerenciais disputam a alma do trabalhador, que vira um “colaborador”. O sindicato é visto como um agente desagregador da “família”. Em síntese, as mudanças no sistema capitalista e no mundo do trabalho afetam a materialidade e subjetividade da classe.

 

Estes fatores objetivos jogaram os trabalhadores na defensiva, independentemente de qual a tendência que dirige o sindicato. Para piorar, eles tiveram reflexo e agravaram as limitações subjetivas das direções. Nas entidades de base, houve o reforço das visões economicista, corporativista e aparelhista. O sindicato corre atrás do prejuízo, sem adotar uma visão mais estratégica. Volta-se para o imediato, para os efeitos e não para as causas; também se volta para dentro, perdendo o referencial de classe. Como o cobertor fica curto, inclusive com a perda de receitas, surge com força o aparelhismo e, mesmo, as degenerações. Diretorias gastam energia e tempo na discussão sobre liberações, celular e carro. Muitos sindicalistas se afastam da base e perdem a perspectiva de transformação da sociedade; fazem da entidade uma carreira profissional!

 

A crise também afeta duramente as centrais – ainda mais num país aonde não há tradição de sindicalismo horizontal, aonde a repressão sempre proibiu a ação intersindical. Se o ascenso dos anos 80 viu despontar a CUT, os anos 90 vêem aparecer a Força Sindical, com a sua concepção pragmática. A direita neoliberal, hegemônica neste período, investiu pesado, inclusive financeiramente, nesta quinta-coluna infiltrada entre os trabalhadores. Mesmo a CUT sofreu os abalos. Ela não se converte ao neoliberalismo e até lidera certa resistência. Mas, diante da dificuldade de mobilização, ela passa a pregar um sindicalismo menos reativo, mais propositivo, mais negocial, um sindicalismo cidadão. As polêmicas no seu interior se aguçam!

 

A vitória de Lula, um dos fundadores da CUT, até criou a expectativa de que a crise do sindicalismo seria superada. Mas se antes ela já era grave, agora ficou mais complexa. Soma-se à crise estrutural, uma crise teórica. O sindicalismo tende aos extremos. Uma parcela avalia que “a classe operária chegou ao paraíso” e adota uma postura de passividade acrítica diante do governo. Alguns dirigentes, mais adesistas, ficam embasbacados com o “poder”. No outro extremo, um segmento se decepciona com Lula, que não instituiu o socialismo por decreto, e parte para a oposição frontal. O voluntarismo esquerdista não leva em conta a correlação de forças nem a própria natureza híbrida do governo. A complexa relação entre sindicatos e governos oriundos das lutas sociais, que já havia gerado polêmicas entre Lênin e Trotsky, volta à cena!

 

Equívocos da Conlutas

 

É neste contexto, ainda adverso, que acontecem os congressos da Conlutas e da CUT. Quanto à iniciativa liderada pelo PSTU, ela é extremamente prejudicial às lutas dos trabalhadores. Chega a ser irresponsável! Ela parte de um diagnóstico equivocado do atual estágio do sindicalismo para justificar a divisão da CUT. Insiste na tese de que a crise atual deriva da “traição da direção”, como se os sindicatos comandados pelo PSTU fossem exemplos de luta e organização – e não aparelhos, muitos vezes, de minorias ativas. Insiste ainda em apresentar a CUT como algo homogêneo, impermeável à mudança. Desconhece as contradições desta central que reúne o que há de mais dinâmico no sindicalismo e que agrega várias correntes internas.

 

Ainda no tocante ao diagnóstico, os mentores da Conlutas esbanjam um “otimismo voluntarista” sobre o iminente ascenso da luta dos trabalhadores, a catástrofe do governo Lula e a falência da CUT. José Maria de Almeida, principal líder desta iniciativa, chegou a afirmar recentemente que “a CUT morreu”. Os mais tresloucados difundem que esta central “perdeu dezenas de filiados” e que a Conlutas cresce sem parar – é um fenômeno! Só não falam que, na última fase, a CUT perdeu 54 entidades, mas conquistou a filiação de outras 260. Também omitem que algumas correntes refratárias à CUT, alojadas no PSOL, não pretendem aderir à Conlutas. Críticas do sectarismo e do aparelhismo do PSTU, elas falam em fortalecer a chamada Assembléia Nacional Popular de Esquerda (ANPE). Já o PCB deseja criar a sua própria intersindical! 

 

Se as premissas são equivocadas, piores ainda são seus efeitos. A iniciativa do PSTU estimula a confusão entre os trabalhadores num dos momentos mais delicados da política nacional, quando a direita neoliberal prepara a sua revanche. Quando a mídia investe contra o governo Lula e tenta estigmatizar a CUT, UNE e MST, criticando os “subsídios estatais”, a estridente “oposição de esquerda” acaba servindo aos interesses da direita. A iniciativa também joga na divisão dos trabalhadores. Se a CUT é pelega, a UNE é governista e o MST é vacilante, por que não construir entidades paralelas em todos os cantos? Esta cisão começa nas cúpulas, mas logo pode alcançar às bases, destruindo o caráter de frente única das entidades de massas.

 

Além de confundir e dividir, a saída da CUT de lideranças combativas presta um inestimável serviço aos que pretendem desvirtuar o papel desta central, transformando-a numa entidade burocrática e governista. Ao invés de reforçar a pluralidade e mesmo as criticas nesta central, acaba piorando a correlação de forças no seu interior. “À burocracia sindical não se podia fazer um favor maior”, já alertara Leon Trotsky. Por último, esta postura pode representar um isolamento ainda maior de certas correntes, fortalecendo o seu auto-exílio sectário. “O auto-isolamento capitulador dos sindicatos de massas equivale a uma traição à revolução”, disse o mesmo Trotsky. O PSTU parece que não aprende com seus próprios erros históricos.

 

Este partido chegou a festejar a débâcle do socialismo no Leste Europeu imaginando que seria a aurora do trotskismo mundial – quando, na prática, ela representou a restauração capitalista naqueles países. Diante das dificuldades do PT, ele também apostou que seria a alternativa das esquerdas no Brasil. Ao final, foi excluído da formação do PSOL, perdeu vários dos seus quadros e viu-se na triste condição de solicitar a vaga de vice na chapa presidencial de Heloísa Helena. Agora, com a recusa desta proposta, o que fará o isolado PSTU? Será que os dirigentes do PSOL, que optaram por “um assessor do PMDB” na vice (como acusa o jornal do PSTU), terão espaço na Conlutas? Como será a convivência entre os “revolucionários e os reformistas” nesta nova central, tão pura e tão partidarizada?

 

 

* Exposição apresentada no 8o Congresso dos Metroviários de São Paulo, em 28 de abril. A segunda parte deste artigo abordará os dilemas da CUT.

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