Democracia: Valor, Direito ou método? Parte 1

O imaginário da democracia do século XX se expressa como esse lugar indefinido entre “valor”, “direito”, ou “método”. A democracia após uma longa reflexão iniciada com a filosofia clássica Grega, onde era descrita como um regime desacreditado, considerado deturpado, passou a ser à base de um governo com soberania popular, segundo os contratualistas, sendo, com o tempo defendido como um direito natural do homem, pelas correntes jus-naturalistas.

A democracia passou a ser incorporada pelos teóricos e pelo corpo político positivamente apenas com ascensão dos conflitos sociais emergentes do século XIX, decorrentes da revolução industrial e posteriormente devido as atrocidades realizadas pelos regimes totalitários no século XX.

Não sendo efetivo, tampouco uma verdade ou um direito natural, foi criticado ao longo do século XX quando, do surgimento das ciências sociais, foram produzidos os primeiros dados analíticos que comprovaram a falta de critérios e de efetividade do conceito. O mesmo se deu como crítica ao eleitor, quando da descoberta da incapacidade de escolha de representantes, e até mesmo da participação nas atividades públicas.

A democracia vem sendo descartada como regime, como direito, como princípio. A República, aliada ao capitalismo e liberalismo, revelou-se autoritária, e o conceito rebaixado como apenas um método de decisão, que pode promover a ilusão da participação. Ainda assim, quem abriria mão de seu voto nas decisões que “definem” a vida de todos e os rumos do Estado?

Alguns teóricos (modernos) das ciências políticas têm procurado estudar os regimes como realmente “são”, outros, próximos da filosofia e sociologia política, os classificam tal qual deveriam “ser” (teóricos clássicos e teoria crítica). Reflexões sobre o conceito que levaram a “democracia” como valor a uma crise, passando por ao menos três momentos distintos da idade moderna até a atualidade – conforme a corrente de pensamento, destacando aqui os pensadores da teoria participacionista clássica e moderna, e os autores tidos por elitistas democráticos.

Os pensadores da teoria clássica moderna, em especial Jean-Jacques Rousseau, John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville, considerados participacionistas, acreditavam na democracia como um direito, com base no contrato social e no sufrágio universal. Para além do possível, ou apenas o provável, seriam apenas utopias. Em comum, a democracia se torna apenas um conceito vago, do qual ainda não existe obra definitiva sobre como realizar aquilo que a definiria como um sonho de um regime governado pelo e para o povo:

“o governo exercido pelo 'povo' significa governo de todo o povo, agindo em conjunto como parceiros plenos e iguais no empreendimento coletivo do autogoverno” (Dworkin, 2005, p. 502).

Os contratualistas, crentes na participação, acreditavam que todos teriam direitos iguais, liberdade para escolha de lideres, e que seu voto individual terá o mesmo peso dos demais (cf. Pateman) sendo contraditória com a realidade encontrada. Rousseau afirma que o homem pode ser “forçado a ser livre”, definindo liberdade como “a obediência à lei que alguém prescreve para a si mesmo”.

As críticas contra as teorias clássicas, vindas dos teóricos modernos, são que ela é normativa e carregada de valores, ideologia, portanto, deveria ser substituída por uma sociologia política que tivesse base científica e empírica.

Essa outra corrente pode ser entendida como um desdobramento crítico da primeira, formada pelos liberais-democratas, ou elitistas democráticos, que passam a estudar a democracia não através de visões idealistas e normativas, mas com bases mais realistas. Os resultados encontrados por Mitchels, Mosca, Pareto, Gustave Le Bon, e posteriormente Schumpeter, são críticas que expõem o eleitor como manipulável e a efetividade dos processos democráticos como questionáveis.

Segundo Schumpeter, seria irreal a tal democracia proposta pelos normativos (teóricos clássicos), tendo por pressuposto a existência de uma racionalidade existente no cidadão comum na tomada de decisões e participação. Dahl não estaria certo de que existiria uma teoria clássica da democracia, mas muitas teorias. O fato é que a democracia enquanto conceito ainda era um debate voltado à questão de como ela “deveria ser”, e ao longo do último século começou a ser observada como ela “é”.

(continua)

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