Da Argentina o Pan-Americano de Hip-Hop

Nasci em 14 de abril, dia internacional do Pan Americano. Isso talvez justifique parte da minha ligação com a cultura, a história e o povo latino.


 


Sou apenas um rapaz latino americano (Racionais Mc´s)


 


 


Sexta feira de transito carregado, véspera de feriado prolongado dia do trabalhador na terça, mó mamão pra quem consegue emendar os quatro dias de folga. Pra quem tá desempregado é o inveso, se consegue quatro dias di trampo, mó festa! Perfeito seria se uma frente fria não tivesse invadido São Paulo que passa fazer jus ao nome “terra da garoa”.


 


 


Eu só me dei conta de tudo isso próximo das 19 da noite voltando do trampo dentro de uma vã parado no mar de carros. Uma mensagem no celular com uma ligação perdida do Francis foi a senha para lembrar de uma fita loca. Há meses estávamos na batalha pra ver se vira um esquema de passagens para participarmos do Primeiro Fórum Argentino de Cultura Hip-Hop.


 


 


Francis, meu parceiro nessas viagens, insiste e consegue falar comigo.


– Alô! O fí, a parada lá da Argentina não virô.


Eu de tão atarefado durante a semana, cheguei até a perguntar:


– Se tivesse virado viajariamos hoje? O festival começa amanhã?


 


Foi necessário algum corri, vários contatos e uma dose de coragem para no sábado a uma hora da madrugada desembarcamos aos 9 graus de Buenos Aires ao mesmo tempo que subia ao palco Actitud María Marta, principal grupo de rap da Argentina formado por mulheres que são reconhecida mundialmente.


 


 


Não tinha dado tempo nem se quer para cair a ficha de que estávamos no país dos cafés, das livrarias, de Che Guevara. Mas ainda era necessário mais seis horas até Santa Fé, uma pequena província do interior onde acontecia o festival de hip-hop.


 


 


O trajeto foi feito em ônibus de viajem, e foi a oportunidade para conseguir dormir um pouco. A viajem teve baldiação na cidade de Rosario. Lá vi em uma banca de jornais uma revista National Geographic em espanhol com a matéria de capa: Cultura hip-hop, como se apoderou do mundo.


 


 


Comprei e fui lendo a matéria no ônibus, apesar de interessante, intercalava a leitura com a vista da paisagem, dos carros, das construções, das pessoas pelo caminho. A última frase da matéria da revista conhecidiu com uma curva de quase 360 graus para a direita que o ônibus fez entrando na Rodoviária de Santa Fé.


 


 


Dês dos primeiros momentos neste país deu para perceber que gostam muito de ouvir música brasileira. Nós brasileiros é que somos muito fechados para tudo o que acontece entre nossos vizinhos.


 


 


Tentamos constatar a organização do evento e o trabalho foi simples. Pegamos aquele número de telefone internacional que tínhamos cheio de digito e fomos tirando em cada tentativa um dígito para finalmente ligarmos sem o código internacional nem o DDD da cidade. A ligação completou, dissemos que éramos brasileiros que viemos para o festival e aguardávamos na rodoviária, do outro lado da linha se identificou um rapaz como Luiz pedindo para que aguardássemos que viria nos buscar.


 


 


Enquanto aguardamos um senhor veio conversar conosco, e quando soube que éramos brasileiros contou os estados do Brasil dos quais já havia passado e queria saber novidades de nosso país. Chegou a oferecer o vinho argentino que estava bebendo para que provássemos. Falou também para termos cuidado com os trombadinhas… demos risadas dessa observação. Mais tarde eu me lembrei que Marcinho VP já era o traficante mais procurado do Rio de Janeiro e fugido em Buenos Aires no estadium do Boca Juniors junto com o Caco Barcelos foram assaltados.


 


 


Pouco tempo depois, apareceu um rapaz com a camisa do time de beisebol Chicago Cubs, assim que o vi disse num espanhol capenga:


– Usteres és luiz?


– Usteres és los brasileiros?


Sí! Sí!


 


 


Num tem jeito, em qualquer canto os loco se identificam, Luiz é b.boy de Córdoba, não só nos levou para o lugar do encontro em um anfiteatro a céu aberto dentro do Parque Sur como também nos apresentou todos presentes.


 


 


Conhecemos muita gente interessante como Colo, um b.boy mentor deste encontro, seus cabelos e cavanhaque vermelhos são os responsáveis pelo seu nome. Jonas um brasileiro que mora a tanto tempo em Buenos Aires que desaprendeu a falar português. Romina pessoa que teve papel importante na construção deste encontro, e Fada grafiteiro do RJ que já estava enturmado com toda a galera.


 


 


Com meus hermanos de toda america latina. Em meu sonido hay peso como na moeda argentina (La Postura)


 


 


E foi chegando mais gente e todos nos cumprimentando, um dos caras que veio nos cumprimentar fez isso me dando um beijo no rosto.


 


 


Sei que o que vou dizer é machista, é parte da cultura em que vivo e absorvo.  Mas por um minuto tive vontade de vir embora. Porque ainda tínhamos muitas pessoas para conhecer e fiquei pensando quantos beijos ainda teria que receber daqueles marmanjos… Para meu alívio não houve mais nenhum! Ufa!


 


Como diz o lema do encontro:


Todos iguais, todos diferentes


 


Conheci também Emiliano, coordenador do Café Cultura da Cultura Nacion uma secretaria do governo equivalente ao Minc aqui no Brasil.


 


 


Os b.boys começaram a rachar, os DJ´s mandando o som pesados, os grafiteiros comendo solto e os grupos de rap se preparando para se apresentar. Tudo bem, tudo normal, parece que estou em casa, se não fosse por um detalhe.


 


 


Deve ter sido a primeira e talvez seja a única vez que participo de um evento de hip-hop do qual não havia um único negro. Todo o público, b.boys, DJ´s, grafiteiros, eram brancos.


 


Mais tarde comentando sobre isso com a Malena lider do grupo Actitud Maria Marta ela me explicou que praticamente não existem negros na Argentina, porque lá a política de embranquecimento foi muito mais eficiente. E os negros foram dizimados na linha de frente como escudo humano na guerra do Paraguai.


 


 


Dei uma entrevista para o vídeo de Oriana, fui explicando minha participação no hip-hop brasileiro e ela perguntando mais, falei da Nação Hip-Hop Brasil e de como nos organizavamos, ela provocou:


– Isto não é institucionalizar o movimento?


 


 


Lembrei a ela que toda ação contra nós nos últimos 500 anos é institucionalizada, o apartheid, a violência da policial, a má educação, a péssimas condições de moradia… e rebati a pergunta, qual o mal de criar uma forma institucional de combater essa política?


 


 


A noite foi encerrada com o show do Illuminati, seis vocalista e um percursionista com uma bateria eletrônica pões a galera pra dançar com mistura que iam do rap ao reggae.


 


 


Algum desavisado com um olhar estritamente técnico poderia dizer que os b.boys, DJ´s, MC´s e grafiteiros argentinos tem de maneira geral padrão abaixo do hip-hop brasileiro. Sem entender que o hip-hop argentino não tem os mesmos vinte e poucos anos do nosso, nem os nossos vícios.


 


 


Um encontro desses na Argentina é quase como participar dos primeiros encontros que aconteceram na São Bento. Com uma diferença, aqui na argentina, dês do começo o movimento esta desenvolvendo uma parceria com os orgãos públicos. Desacreita da uma olhada no site dos manos www.culturahiphop.org


 


 


Se irão cometer erros?


 


 


Mas é claro! É um direito e faz parte da evolução. Nos cometemos os nossos, porque eles também não podem?


 


 


Quando achamos que já tínhamos visto tudo a Malena nos convidou para participarmos no dia seguinte quando estaríamos de volta à capital, da marcha das Mães da Praça de Maio. Uma tradicional manifestação que completa 30 anos iniciada por senhoras para encontrarem seus filhos desaparecidos na violenta ditadura que fez mais de 30.000 vítimas. Essas senhoras transformaram o lenço branco amarrado na cabeça como símbolo de resistência, comovem ao realizarem a passeata semanal de número 1.562.


 


 


Bonafini, de 79 anos, com dois filhos e uma nora desaparecidos explica: ''Nós acrescentamos um sentido à maternidade, a socializamos''.


 


 


De todos os hinos


Entoados em louvor às revoluções


Nos campos de batalhas,


Nenhum, por mais belo que seja,


Tem a força das canções de ninar


Cantada no colo das mães.


(Sérgio Vaz)


 


 


Um grande concerto aconteceu no final da atividade. Malena do Maria Marta tem todos os pré requisitos, se fossem necessários, para estar e nos convidar para uma marcha como esta. Primeiro porque ela tem um programa na rádio mantida pela organização das Mães da Praça de Maio, que mantem tambêm uma universidade, uma biblioteca, além de promover a construção de moradias populares. Segundo porque Malena passou parte de sua infância exilada no Brasil, seu pai chileno foi perseguido pela ditadura de Pinochet pela relação com a guerrilha revolucionária guevarista. Estar aqui no meio disso tudo é algo que vou morrer não esqueço.


 


 


Deixo a Argentina, mas deixo também um monte de idéias. A de que o Argentino é grosso, não se dá bem com brasileiro, e a única relação que tem conosco é devido a rivalidade do futebol. Vários dos argentinos que conheci não gosta desse esporte assim como eu, e não houve um único episódio nesta minha viajem que fortaleça essas idéias, mas sim o contrário.


 


 


Perguntei para o B.boy Colo morador de Santa Fé, a pessoa que pensou o encontro e com ajuda de todos conseguiram transforma-lo em realidade, se um evento como este com a participação do Chile, da Bolivia, França e do Brasil, não era perigoso. Ele tranquilamente respondeu que não. Refiz a pergunta acrescentando se ele não acha perigoso para os poderosos um encontro de hip-hop unindo parte da América Latina?


Ele sorriu e disse:


– Para os poderosos isso aqui é inimaginável!


 


 


 


Ps.: Dedico este texto a minha Vó Maria Augusta, senhora de aparência frágil e coragem firme como as Mães da Praça de Maio. Também a Mariana Pires da posse 1Vida colunista do site hip-hop de fato.

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