CUT-24 anos: resistência e loteamento de cargos

A crise do projeto neoliberal, que atingiu o Brasil de frente, desencadeou novos enfrentamentos entre o governo FHC e os trabalhadores. A CUT participou ativamente da resistência, mas, no 7° Congresso, mostrou que o hegemonismo da Articulação Sindical&

A ativa participação da CUT na “Marcha dos 100 mil”, realizada em Brasília no dia 26 de agosto de 1999, evidenciou a contradição na qual vivia a central — enquanto um setor da direção cutista insistia nas “negociações”, a realidade empurrava os trabalhadores para o enfrentamento com o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Na ocasião, Luiz Inácio Lula da Silva expressou, em poucas palavras, o que representava aquele momento. ''Estou gratificado. Que FHC e sua corja nunca mais ousem duvidar da capacidade de organização da sociedade'', disse ele em resposta ao então presidente da República, que havia dito que aquela seria uma manifestação dos ''sem-rumo''. Dirigindo-se diretamente a FHC, Lula afirmou: ''Quem não tem rumo é você.''


 


Embora não tivessem uma pauta unificada de propostas, os organizadores da “Marcha dos 100 mil” deixaram claro que não pretendiam apenas uma mudança no governo, mas uma mudança de governo. Ou seja: a saída do presidente menos de oito meses após a sua posse no segundo mandato, traduzida no slogan “Fora, FHC!” ''Temos de fazer milhares de movimentos como este até tirar essa gente do poder'', discursou Lula, confirmando o que o presidente do PDT, Leonel Brizola, dissera um pouco antes no mesmo palanque montado em frente ao Congresso Nacional. ''Esse ato é apenas o começo de uma grande jornada que só vai parar no dia em que tivermos um governo em que o povo brasileiro confie'', afirmou Brizola.


 


O cumprimento das metas impostas pelo FMI corroía o governo. FHC, já abalado por altos índices de impopularidade, se isolava cada vez mais. Uma nota assinada pelo Fórum Nacional de Lutas — que reunia as entidades que participaram da “Marcha dos 100mil”, encabeçadas pela CUT, MST, UNE e Central dos Movimentos Populares (CMP) — refletia bem essa constatação. O documento defendia emprego para todos, aumento geral de salários, redução da jornada de trabalho, fim das privatizações e auditoria nas empresas já privatizadas, suspensão do pagamento da dívida externa e ampla reforma agrária. O texto também mencionava o pedido de impeachment de FHC e pedia a instalação da CPI das privatizações das empresas de telecomunicações.


 


Nova redação para o artigo 618 da CLT


 


O presidente da República reagiu com mais ameaças. Questionado sobre a possível volta de uma lei para corrigir os salários automaticamente, FHC disparou: ''No limite, eu veto. Eu não vou deixar.'' Nas cabeças neoliberais, cada empresa deveria definir sua política salarial. É o que eles chamam de “livre negociação”. Em 2001, o país, ainda com essa gente no poder, viveu o auge dos ataques à legislação trabalhista. FHC encaminhou ao Congresso um projeto de lei alterando o artigo 618 da CLT. ''As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição e as normas de segurança e saúde do trabalho'', dizia a nova redação de FHC.


 


Era só o começo. O governo pretendia desregulamentar os 34 incisos do artigo 7° da Constituição — uma espécie de minicódigo do trabalho —, que tratam de direitos como jornada de 44 horas semanais, salário mínimo, seguro-desemprego, FGTS, aviso prévio, limites para a despedida arbitrária, piso salarial, irredutibilidade de salário e sua garantia, décimo-terceiro e remuneração do trabalho noturno. “Em que pese a pouca abrangência da reforma, o seu aspecto gratificante é saber que o governo atual está inspirado por uma nova mentalidade e uma nova determinação, tornando possível a reforma trabalhista em curso, que, até pouco tempo atrás, parecia impossível, empalidecendo as minorias vociferantes e conservadoras e as viúvas ideológicas”, disse o então ministro do Trabalho, Francisco Dornelles.


 


Instrumento para sindicatos de fachada


 


Para vender a farsa, Dornelles dizia que as novas regras criariam 20 mil empregos diretos. Na verdade, a “reforma” da legislação e das práticas trabalhistas era uma das peças centrais do projeto neoliberal. O projeto de lei de FHC alterando o artigo 618 da CLT fazia parte — em conjunto com a privatização da previdência, da saúde, da educação e do saneamento básico — das ''reformas'' de segunda geração previstas no pacote de exigências contidas no acordo com o FMI. FHC já havia conseguido a lei nº  9.601/98, sobre o contrato por prazo determinado; editado a medida provisória nº 1.709, que instituiu o trabalho de tempo parcial; e o decreto nº 2.100, autorizando a demissão sem motivo.


 


Mas FHC enfrentaria uma dura resistência. “A CUT tem a mentalidade de que tudo o que vem do governo é ruim”, disse Dornelles. Era a mais pura verdade. O governo pretendia fornecer mais um instrumento poderoso para a imposição de acordos via sindicatos de fachada. E por isso enfrentava a resistência do sindicalismo combativo — a central Força Sindical apoiava o projeto de FHC. A postura da CUT refletia a nova realidade criada com a realização do 7° Congresso da central entre os dias 15 a 19 de agosto de 2000. A Articulação Sindical definiu a escolha de João Felício como candidato para a disputa à presidência da entidade ao derrotar os pré-candidatos João Vaccari Neto — à época vice-presidente da CUT e presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo — e Mônica Valente.


 


Reconstrução da unidade interna


 


Vaccari Neto considerou a escolha de Felício uma traição. Em 1997, ele disputou dentro da Articulação Sindical a candidatura à presidência da CUT com Vicentinho. Na ocasião, Vaccari Neto abriu mão da candidatura para ser vice de Vicentinho. A condição seria que Vicentinho desistiria do cargo para que Vaccari Neto assumisse. A opção de Vicentinho — que se licenciou do cargo, no início do ano, para concorrer à prefeitura de São Bernardo do Campo (SP) — por Felício gerou o rompimento total de Vaccari Neto com o principal grupo da Articulação Sindical. ''Eu não avalizo o atual mandato. Acho que Vicentinho como presidente foi um desastre para a CUT'', disse Vaccari Neto. Felício ganhou a disputa com Wagner Gomes, da CSC, Júlio Turra, de O Trabalho, e Jorge Luiz Martins, o Jorginho, da ASS.


 


Na composição da direção montada pela Articulação Sindical, que para reconstruir sua unidade interna loteou os cargos, Vaccari Neto ficou como tesoureiro e Mônica Valente assumiu a vice-presidência. A nova gestão começava com expectativas sombrias, decorrentes da escalada hegemonista a todo custo da Articulação Sindical. A anulação do Congresso estadual da Bahia, a saída negociada para o Congresso de Minas Gerais e a derrota em plenário de um recurso contra o Congresso do Amazonas — todos realizados somente com delegados da Articulação Sindical, depois que as outras correntes se retiraram em protesto contra manobras praticadas pela corrente majoritária — denunciavam a continuidade das atitudes condenáveis da principal tendência da central.


 


Funcionamento democrático


 


Esse clima refletiu-se na solenidade de abertura do 7° Congresso. O presidente da CUT em exercício, Kjeld Jakobsen, destacou a necessidade de que o Congresso não fosse apenas eleitoral. O então vice-presidente do PCdoB, Renato Rabelo, ressaltou a necessidade de garantir o caráter plural da CUT e sua combatividade no enfrentamento ao neoliberalismo. E Lula disse que as divergências políticas não podiam ser um fim em si e mostrou-se preocupado com a disputa acirrada pela presidência da central dentro da Articulação Sindical. Esse esforço no sentido de forjar um clima unitário deu resultado. As teses da linha política foram bem discutidas e não houve espaço para propostas conciliadoras de tipo ''propositivas''.


 


A proposta da CSC de ''Fora, FHC! Fora o FMI!'' foi aprovada, junto com um adendo feito pela Articulação Sindical exigindo CPI para apurar a corrupção do governo FHC. Com relação à proposta de sindicato nacional, orgânico, outro grande fator de desunião na entidade, houve recuo por parte da força majoritária. Na questão da democracia interna ocorreram avanços relativos. Ganhou destaque a decisão de possibilitar a volta à central de sindicatos inadimplentes. Mas os principais problemas relacionados ao funcionamento democrático da CUT continuaram existindo. O loteamento de cargos entre os integrantes da Articulação Sindical, por exemplo, impediu a proporcionalidade na distribuição das secretarias, comprometendo o caráter plural e unitário da central. Volto ao assunto na próxima coluna.


 


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