CUT-24 anos: razões para a saída da CSC da central

O movimento sindical, 24 anos depois da fundação da CUT, apresenta elementos inteiramente novos na história dos trabalhadores brasileiros. Essa nova dinâmica exige respostas novas, tanto teóricas quanto organizativas. Para enfrentar este desafio, a Cor

A desproporção entre o crescimento da Corrente Sindical Classista (CSC) e o espaço para a sua atuação política no interior da CUT é o principal motivo do esgarçamento da relação entre esta tendência e a Articulação Sindical. ''Queremos que a sociedade conheça nossas idéias. E isso não está sendo possível dentro da CUT. Avaliamos que nem seria possível porque quando aderimos à CUT havia uma polarização no movimento sindical, entre a CUT e a Força Sindical. Resolvemos ir para o lado que estava mais comprometido com a luta dos trabalhadores, mas hoje o movimento sindical está pulverizado”, afirma Wagner Gomes, vice-presidente da CUT e membro da coordenação nacional da CSC.


 


Para ele, a fundação de uma central com perfil plural e democrático seria a forma mais adequada de inserir as propostas da CSC no debate que hoje se desenvolve no país. “Não seremos uma central de oposição à CUT — achamos que esta central ainda tem um papel importante a cumprir. Teremos uma relação de parceria prioritária com a CUT”, explica Wagner Gomes. Para o coordenador nacional da CSC, João Batista Lemos, a CUT ainda é a mais importante central sindical do Brasil e um patrimônio dos trabalhadores. “A central que construiremos deverá contar com a CUT em inúmeros momentos, e acreditamos que ela será uma de nossas principais aliadas — senão a principal — em várias batalhas”, ressalta Batista.


 


Fase de defensiva estratégica


 


Não se trata, portanto, de um rompimento em todas as linhas. “Não estamos rompendo. Nossa decisão está sendo fruto de um amadurecido debate e de uma necessidade histórica”, acrescenta o coordenador nacional da CSC. Mas, avalia ele, o cenário de mudanças progressistas que emerge na América Latina abre espaços para a formação de um pólo com condição de ampliar e unir mais o movimento sindical. Mais do que isso: esse novo pólo pode descortinar horizontes estratégicos e apontar para os trabalhadores, na batalha antiimperialista e anticapitalista, o caminho da superaração do neoliberalismo e a abertura de clareiras rumo ao socialismo.


 


Para tanto, é preciso uma compressão mais avançada das leis do capitalismo dos dias atuais — particularmente no Brasil, um país com problemas estruturais gravíssimos e que se encontra num impasse histórico. A fase desenvolvimentista iniciada pela “era Vargas” foi substituída pelo neoliberalismo. Como forma de resistência, surgiu a tática da frente eleitoral, que levou à Presidência da República o ex-líder sindical Luis Inácio Lula da Silva.


 


É, sem dúvida, um cenário bem distinto daquele existente quando a CSC se incorporou à CUT, no início dos anos 90. Ali, a luta era pelo fortalecimento de um pólo combativo, representado pelo sindicalismo cutista, para enfrentar a forte onda neoliberal que chegava ao Brasil com força. Hoje, embora ainda numa fase de defensiva estratégica, a luta é por um projeto desenvolvimentista com distribuição de renda — que exige novas formas de organização dos trabalhadores que levem em conta o processo histórico, mas sem copiar modelos do passado. O binômio unidade e luta deve ser aplicado em circunstâncias distintas daquelas de outros tempos.


 


Frentes de trabalho interrelacionadas


 


A unidade, num projeto desta envergadura — de acumulação estratégica de forças —, implica em considerar a existência de três frentes de trabalho interrelacionadas: apoio às iniciativas populares do governo Lula; aliança com os demais movimentos sociais; e luta de idéias, reforçando a tendência progressista. É possível dizer com segurança que o Brasil sob o governo Lula tem o germe da mudança. Ele é, em essência, a antítese do nosso passado recente, político e econômico — quando vivemos um período de neoliberalismo radical, precedido de uma década tida como perdida e um longo regime ditatorial. Este período levou o país à beira do caos.


 


A questão é que a semente da mudança não brota por desejos. O movimento transformador é, antes de tudo, objetivo e não produto da vontade — e mesmo de uma ação consciente — de quem quer que seja. Ele só evolui quando é fundamentado em relações econômicas e sociais bem determinadas. O problema das forças que lutam por mudanças, portanto, é o de unificar suas atividades e elaborar projetos que respondam minimamente aos desafios dos novos tempos — sem aquela idéia ingênua, quase religiosa, típica dos grupos ''esquerdistas'' que se imaginam os ''escolhidos'' para levar as massas ao paraíso.


 


História das lutas populares no Brasil


 


É preciso se guiar pelo fio da história para entender o complexo quadro social dos dias atuais. Um elemento que deve ser considerado neste momento é a concepção sindical da CSC — que nunca se diluiu no conjunto de princípios da CUT. A importância do ponto de vista histórico para a atual transição tática da CSC é uma percepção fundamental. Ela se guia por uma história que nasceu quando os trabalhadores sequer eram considerados agentes políticos.


 


Por este ponto de vista, é possível vermos os avanços do movimento sindical ao longo do século XX, a politização da classe trabalhadora — que permitiu, por exemplo, a criação do Partido Comunista do Brasil, em 1922 — e a visibilidade do horizonte socialista. A luta popular no Brasil é marcada pela descontinuidade — com fases de evolução e refluxo. A perspectiva transformadora, no entanto, não deixou de se firmar com todas as forças — gigantescas em certos casos e ínfimas em outros.


 


Protagonimo pressupõe unidade


 


Em toda essa trajetória, a concepção sindical classista se pautou pela ampla unidade, a combatividade e a democracia — não sem cometer um bocado de erros. Ela tirou os trabalhadores da mera condição de objetos da ação histórica para transformá-los em protagonistas de peso no jogo político. Hoje, esse protagonismo exige novos exames. “Para os operários conscientes, não há tarefa mais importante do que a de conhecer o movimento de sua classe, sua essência, seus objetivos e tarefas, suas condições e formas práticas”, escreveu o revolucionário marxista Vladimir Lênin.


 


Pode-se dizer que os passos que a CSC vem dando nesta sua nova etapa tática seguem este caminho. ''É hora de conquistar um protagonismo maior para os movimentos sociais, com vista a uma transformação social e política mais profunda'', afirma Batista.


 


Para Wagner Gomes, este protagonimo pressupõe unidade, que hoje se dá por meio da coordenação das centrais “numa agenda comum de ações''. Ou seja: não há mais base real para se pensar na unidade apenas em uma central sindical. Pode-se dizer que as tendências do movimento sindical se agrupam em campos distintos porque a nova dinâmica social do país exige respostas inteiramente novas. E não é possível imaginar, hoje, a CUT como o ambiente mais propício para a busca destas respostas.


 


Expressão de diferentes concepções


 


A central tem se mantido tímida — quando não omissa —, por exemplo, na luta antiimperialista. Sua opção pelo “sindicalismo cidadão”, baseado nas negociações tripartites (capital, trabalho e Estado), mostra o limite do seu horizonte estratégico. A CUT é, atualmente, segundo a CSC, apenas mais um espaço de organização dos trabalhadores. “A dificuldade que passamos a ter de dialogar com a Articulação Sindical, a exigência de uma ação mais combativa dos trabalhadores neste segundo governo Lula e a grande quantidade de sindicatos não filiados a nenhuma central que passaram a nos procurar nos motivou a repensar nosso papel na construção da unidade dos trabalhadores”, afirma Batista.


 


É óbvio que recriar o quadro de unidade do movimento sindical, organizando novos espaços para a expressão de diferentes concepções, é uma tarefa difícil e de grande responsabilidade. No Brasil, a direita sempre fez todo o possível para riscar a história dos trabalhadores com a finalidade de apagá-la da memória do povo e assim afastá-lo da sua luta pelo futuro. Tudo isso dificulta, evidentemente, a tarefa proposta pela CSC. Mas seria um erro adiá-la — a vida exige, com insistência cada vez maior, que o movimento sindical utilize em sua luta de hoje toda a sua rica experiência histórica. Encerro esta série aqui.


 


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