CUT-24 anos: o jogo de Lula

Na instalação do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), o presidente da República, Luis Inácio da Silva, pediu empenho para que as três partes envolvidas nos debates — trabalhadores, empresários e governo — se entendessem da melhor forma possível. Mas, como

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou em seu discurso de lançamento do Fórum Nacional do Trabalho (FNT) uma metáfora precisa para o debate sobre as ''reformas'' sindical e trabalhista. ''O desafio está colocado, a bola está com vocês. Bom jogo e boa luta'', disse ele. Com dois times francamente opostos em campo — o do capital e o do trabalho —, o jogo não poderia terminar empatado. Mas, trilado o apito, a sorte estava lançada. Lula disse também que o tempo do sindicalismo voltado só para a contestação estava acabado. E, indiretamente, pregou a “flexibilização” da legislação trabalhista.


 


O presidente fez um apelo aos sindicalistas: que se preocupassem não só com os trabalhadores sindicalizados, mas também com os desempregados. Disse ainda que, se a legislação trabalhista não fosse adequada ao momento que o país vivia, a cada dia os sindicatos estariam representando menos gente. ''Quando nós falamos em direitos, nós falamos para quem? Para nós, que temos direitos? E os milhões que não conseguem um emprego? E os milhões que estão na economia informal?'', indagou. O presidente afirmou que muitas vezes os sindicalistas vão para as portas das fábricas convocar assembléias e encontram mais ex-empregados vendendo coisas do que contratados.


 


Empresas de fundo de quintal


 


Lula lembrou que se tornara conhecido justamente pelo “sindicalismo de contestação”, mas, segundo ele, esse tempo já havia passado. Ao falar do seu tempo de sindicalista, o presidente disse que lutava por direitos iguais para trabalhadores de uma empresa de fundo de quintal e uma indústria automobilística com 40 mil trabalhadores. ''Há tratamentos diferenciados entre empresas em função do seu tamanho'', afirmou.


 


O presidente também disse que ''o caminho do meio sempre é o caminho que possibilita construirmos o consenso, construirmos uma maioria e fazermos as mudanças, sem a pressa daqueles que achavam, algum dia, que, para fazer um contrato coletivo de trabalho, era necessário rasgar a CLT, ou aqueles que achavam que era possível fazer um contrato de trabalho mantendo a CLT em toda a sua plenitude''.


 


Segundo Lula, sete dos seus ministros integrariam a discussão sobre um novo padrão para as relações de trabalho. ''Nem tudo se resume a 1%, a 2%, a 10% de aumento de salário. O que nós precisamos é criar um outro padrão de relacionamento entre o Estado e a sociedade. Entre o Estado e os servidores públicos. Eu estou convencido de que o movimento sindical brasileiro tem de dar um salto de qualidade e extrapolar os limites do corporativismo'', afirmou.


 


Críticas à Justiça do Trabalho


 


Em tom irônico, o presidente disse que as “reformas mexem muito com a nossa comodidade''. Segundo Lula, ''isso não vale apenas para a questão sindical, vale para a questão da Previdência — vale até para uma casa que a gente vai reformar''. ''Não é todo mundo que tem coragem no final do ano de comprar uma lata de tinta e pintar sua casa. Fica como está. Para que trabalho? Mas todos nós sabemos que nós temos de mudar'', disse.


 


O presidente também criticou a Justiça do Trabalho. ''A Justiça do Trabalho, com seu aparato, talvez não queira ser incomodada com a facilidade da implantação do contrato coletivo de trabalho. Eu acho que pode ter sido verdade em algum momento da nossa história, mas hoje não é mais'', disse.


 


Reação dos magistrados


 


A afirmação de Lula provocou imediata reação. ''Eu fiquei surpreso com as referências feitas pelo presidente da República em relação a essa questão, quando ele disse que havia segmentos sociais que seriam contrários à adoção do contrato coletivo de trabalho e talvez a própria Justiça do Trabalho. Se ele disse a palavra ‘talvez’, é porque não tinha certeza. E não poderia mesmo ter certeza, uma vez que a Justiça do Trabalho nunca se manifestou contrariamente ao contrato coletivo de trabalho. Muito pelo contrário, todas as declarações da Justiça do Trabalho sempre foram favoráveis a essa modalidade de contrato, como hoje ainda são'', afirmou o ministro Vantuil Abdala, então presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST).


 


O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Coutinho, também reagiu. ''Ele está mal informado. A Justiça do Trabalho nunca teve posição fechada contra o contrato coletivo'', disse. Sobre a crítica que Lula fez aos ''comodistas'', Coutinho afirmou que o fato de os magistrados se oporem a alguns itens da “reforma” da Previdência não queria dizer que eles eram contra a reforma como um todo ou que não queiram melhorar o país. ''Foi mais uma infelicidade dele. O que nós não queremos é privatizar a Previdência. Nós queremos pintar a casa para o povo brasileiro. Mas parece que o presidente quer, além de pintar a casa, deixá-la arrumada para o grande capital usá-la como quiser'', afirmou.


 


Regras para as centrais


 


Dias depois, o ministro do Trabalho, Jaques Wagner, disse que na “reforma” trabalhista a CLT seria discutida ''capítulo por capítulo''. ''A CLT tem inúmeros capítulos. A nossa idéia é que se possa discutir esses capítulos e, quando houver consenso, remete-se ao presidente da República e ao Congresso logo depois'', afirmou o ministro.


 


O primeiro assunto discutido no FNT foi a definição de regras para as centrais sindicais. O presidente da CUT, Luiz Marinho, disse que não deveria haver critérios para medir a representatividade. ''Defendo a liberdade plena. A livre associação do trabalhador. Mas a maioria dos sindicalistas tem horror a essa idéia. O problema é saber qual o tamanho da reforma sindical que se quer fazer'', disse ele.


 


Subterrâneo e baixarias


 


Logo no início dos trabalhos, o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, disse que suas relações com o PT estavam suspensas até que membros do partido — entre eles Osvaldo Bargas, secretário-executivo do Ministério do Trabalho e coordenador-geral do FNT — esclarecessem uma futrica da revista Veja, que atribuía aos petistas a divulgação de acusações contra ele durante a campanha das eleições presidenciais de 2002. Paulinho foi candidato a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes (PPS). ''O Osvaldo Bargas é hoje o coordenador do FNT. Como é que vou participar das reuniões agora?'', perguntou o presidente da Força Sindical.


 


Era mais uma evidente canalhice da revista Veja. Segundo Marinho, a futrica seria uma armação de ''gente interessada em criar intrigas''. O presidente da CUT telefonou para Paulinho, que não o atendeu. Marinho disse que a CUT não tinha responsabilidade sobre esse caso e que a “notícia” tinha interesse em acabar com a união das centrais. A CUT divulgou uma nota na qual classificou de ''emocional e precipitada'' a decisão da Força Sindical de romper com a central. João Felício, o então secretário-geral da central, disse que a ''acusação é uma agressão à CUT''. ''Há 26 anos que eu milito no meio sindical, e isso foi a coisa mais esquisita que já vi'', disse ele.


 


Ciro Gomes afirmou que a armação era para livrar o candidato do PSDB a presidente da República em 2002, José Serra, da responsabilidade pelo que ele classificou de ''baixarias''. ''Eu quero que se faça uma reportagem sobre o subterrâneo e as baixarias de todas as campanhas. Aí a gente vai ver se havia originalmente um envolvimento violento da parte do Serra com escuta telefônica, com firma de espionagem telefônica paga pelo Ministério da Saúde'', declarou Ciro Gomes. Indagado sobre a decisão de Paulinho de suspender suas relações com o governo, Ciro Gomes disse: ''É de uma inocência grande. O Paulinho já é adulto. Ele sabe dos elementos fartos que mostraram aquela coisa toda. Ele sabe qual é a origem. Será que esquecemos tudo isso? É amnésia, é?''


 


O começo das polêmicas


 


E assim começava a discussão sobre as “reformas” sindical e trabalhista. O então presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), afirmou que o assunto — que, de acordo com os planos do governo, deveria chegar ao Congresso até o final de 2003 — seria adiado para 2005 em virtude de uma nova ''análise política'' feita pelos governistas acerca dos trabalhos no Congresso. ''Vamos adiar para 2005 a reforma trabalhista e sindical porque a demanda é muito grande. São muitos temas, é muita reforma junta'', afirmou João Paulo.


 


A decisão contrastava com seguidos discursos de Lula, que colocava a questão como “próximo passo” legislativo. E foi criticada pelo presidente nacional do PT, José Genoino, e pelo ministro do Trabalho, Jaques Wagner. Eles disseram que caberia ao FNT estabelecer o tempo certo para a tramitação das “reformas”. A intenção até então oficial do governo era concluir as “reformas” tributária e da Previdência até o final de 2003 e, em 2004, tratar das “reformas” trabalhista e do Judiciário. ''É (o adiamento) uma opinião pessoal do João Paulo. O tempo da reforma vai depender do avanço do FNT'', afirmou Genoino. Segundo ele, as questões sindicais, trabalhistas e relativas à Justiça do Trabalho e até à reforma política poderiam, ''tranquilamente'', tramitar conjuntamente no Congresso.


 


Um “bom entendimento”


 


Wagner afirmou que respeitava a opinião de João Paulo, mas que estimularia “um bom entendimento” no FNT — o que facilitaria a tramitação das ''reformas'' na Câmara dos Deputados e no Senado. ''Recebi uma missão do presidente, que é fazer o FNT andar o mais rápido possível. Na questão sindical, vamos concluir a proposta até o final deste mês. Ela vai à Presidência, que deverá remetê-la ao Congresso'', disse o ministro. ''Mandar, pode mandar, mas a reforma trabalhista só sai em 2005'', respondeu categoricamente o presidente da Câmara dos Deputados ao ser informado das declarações de Wagner.


 


A declaração de João Paulo também desagradou às duas principais centrais sindicais — CUT e Força Sindical. ''Vejo a declaração com muita reserva porque o FNT pretende encerrar os trabalhos no final do ano. O cronograma deve estar ligado com os trabalhos do Fórum. Mas é um absurdo deixar para 2005. Na questão trabalhista, não vejo tantos problemas em adiar, mas na sindical, sim'', declarou Marinho. Era só o começo das polêmicas. Volto ao assunto.


 


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