CUT-24 anos: a polêmica gestão de Marinho

A gestão de Luiz Marinho à frente da CUT foi uma das mais polêmicas da história da central. Ele assumiu o cargo com a incumbência de manter a entidade numa posição de combate ao projeto neoliberal, mas a postura conservadora de setores do governo confu

As primeiras ações do governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva na área econômica causaram uma grande confusão no meio sindical. A CUT, aturdida pelas medidas “ortodoxas” anunciadas pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci, passava ao largo da essência do problema. Para se ter uma idéia, enquanto a taxa de juros oficial — a Selic — disparava, a central promovia uma campanha nacional visando a redução das taxas de juros cobradas pelos bancos.


 


A CUT procurou representantes da Federação Brasileira dos Bancos (Febrabran) e do governo para discutir o assunto. ''Se fala muito na Selic, mas os juros cobrados na economia ultrapassam os 100%. A taxa cobrada na rede bancária é uma covardia'', afirmou João Felício, presidente da central. ''Os banqueiros já ganharam muito dinheiro nesse país. Está na hora de darem sua contribuição para fazer esse país crescer. Os juros cobrados no mercado são vergonhosos, pornográficos'', disse ele. 


 


A polêmica troca de comando na central


 


A CUT também foi criticada pela sua postura diante da “reforma” da Previdência. “A CUT faz mais ou menos um tapinha nas costas e vende como se fosse um míssil. Está light demais. Não é a velha CUT que a gente conhece”, disse o presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), Ezequiel Souza do Nascimento, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo no dia 4 de maio de 2003.


 


Questionado sobre a troca de presidente que ocorreria em junho daquele ano, Nascimento respondeu: “Vai piorar. Está trocando a direção justamente porque ainda tem crítica. O atual presidente é servidor. O outro (Luiz Marinho) não. E a CUT está criando fundos de pensão em vários sindicatos.” Felício reagiu com palavras duras. ''É um pelego. Esse tipo de gente consegue ter espaço criticando os outros. Somos autônomos em relação ao governo e expomos nossas divergências'', disse.''Ele (Nascimento) tem setores de privilegiados em sua base e quer que defendamos essa gente'', afirmou.


 


Críticas do presidente da República


 


Até o presidente da República criticava a CUT. Em fevereiro de 2003, Lula reuniu-se com a direção executiva nacional da central e repreendeu os sindicalistas que exigiam aumento ou reposição salarial sem, segundo ele, se dar ao trabalho de ''meter o dedo'' durante a elaboração do Orçamento. Lula prometeu dar um aumento real ao salário mínimo mas avisou que não havia como ''garantir'' aumento para o funcionalismo público porque não existia a previsão de verbas.


 


O puxão de orelha de Lula se estendeu a todo o movimento sindical. ''Defendo sobretudo um sindicato que se preocupa com as coisas que acontecem em Brasília. Por exemplo, quando está se discutindo política tributária no Congresso, a discussão deve interessar mais ao sindicato do que apenas uma reivindicação de 5% em sua categoria específica'', disse o presidente. ''Quando se discute o Orçamento da União, é naquele instante que o movimento sindical, sobretudo trabalhadores e funcionalismo público, tem que estar metendo o dedo para aprovar a verba que depois eles irão reivindicar como aumento de salário. Se não estiver no Orçamento, não tem como garantir esse aumento'', afirmou.


 


O presidente disse que trabalhava pelo ''sindicato-cidadão'', que seria menos ''corporativista'' e mais engajado na política social. ''Tenho chamado a atenção para que o sindicato se transforme em instrumento político da sociedade, mais que um instrumento corporativo de uma categoria específica'', disse Lula, cobrando representação sindical para os que não têm trabalho, comida ou escola. Para ele, o combate à miséria era tarefa sindical.


 


Contradição com as expectativas de mudança


 


Felício disse que explicou a Lula que havia uma combinação perigosa diante do funcionalismo: por um lado, eles poderiam perder benefícios na “reforma” da Previdência e, por outro, não obter os reajustes reivindicados. A CUT exigia um reajuste de 46,95% e a não-votação do PL-9 (projeto de lei de número 9), que alterava o regime previdenciário dos futuros funcionários públicos. A reunião serviu também para Marinho tomar posse como presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). Em seu discurso, o presidente elogiou a trajetória Marinho — um gesto interpretado como uma predileção de Lula pelo então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista na presidência da CUT.


 


Logo em seguida, um documento divulgado como tese para o 8° Congresso da CUT, assinado por Felício e mais 11 membros da direção executiva da central, dizia que o governo ainda não tinha um ''projeto claro'' para estimular o debate sobre as “reformas” assumidas como prioritárias. A tese ressaltou que a economia do país ia de mal a pior. ''Se analisarmos os indicadores da economia, a avaliação só pode ser pessimista'', afirmava. O documento dizia que a elevação dos juros e o corte de gastos sociais ''encontram-se claramente em contradição com as expectativas de mudança''.


 


Discussões tratadas como segredo de Estado


 


A “reforma” da Previdência Social e a posição da CUT frente ao governo Lula seriam os principais temas do 8º Congresso Nacional, que começou no dia 3 de junho de 2003. A Articulação Sindical já havia definido o nome de Marinho como candidato a presidente da central por meio de um acordo interno. Ele disputou a indicação com Felício — definido como candidato a secretario-geral — e João Vaccari Neto, então tesoureiro — que recebeu a indicação de titular da secretaria de relações internacionais.


 


As discussões em torno de quem iria compor a chapa da tendência majoritária foram tratadas como segredo de Estado — fato que despertou suspeitas em outras correntes da central. “A CUT tem de ter independência do governo para atender as reivindicações dos trabalhadores”, disse Wagner Gomes, membro da coordenação nacional da Corrente Sindical Classista (CSC), em resposta aos rumores de que a direção do PT e o presidente Lula teriam influenciado na escolha de Marinho. ''Nem o PT nem o governo mandam na CUT'', reagiu Felício, em uma entrevista coletiva.


 


Espaço para negociar com o governo


 


Felício disse que ele, Marinho e Vaccari Neto estavam ''extremamente unidos'' e que o desafio da Articulação Sindical era buscar aliança com outras tendências. ''Está todo mundo em paz. A chapa foi constituída após analisarmos as necessidades da central, a situação econômica e política do país e a relação que vamos ter com a sociedade no debate das reformas'', disse Felício. ''Estamos trabalhando para ter uma chapa mais representativa possível e escolher o melhor time para conduzir a central'', afirmou Marinho. Vaccari Neto destacou que o período era de mudanças e que a renovação era necessária na central.


 


Na abertura do 8º Congresso, Marinho disse que se fosse eleito cobraria do governo a promessa de crescimento econômico com a redução das taxas de juros. ''A central manterá a sua independência e a sua autonomia seja qual for o governo. Não tem confusão entre o papel da CUT e o do governo. Vamos apoiar os acertos e criticar os erros'', afirmou. Para Marinho, se a CUT trabalhasse em sintonia direta com o governo corria o risco de perder sua legitimidade como representante dos trabalhadores. ''Isso nós não vamos permitir que ocorra'', disse.


 


Marinho disse também que os trabalhadores teriam pela primeira vez espaço para negociar com o governo. ''Com o diálogo fica mais fácil encontrar alternativas para resolver os problemas da sociedade e fazer de fato as reformas. Essa é a grande diferença desse governo para os outros'', afirmou.


 


O papel da CUT frente ao governo Lula


 


Na sua opinião, o movimento sindical precisava se “modernizar” e passar por uma “reforma profunda”, que dependeria mais de um entendimento mínimo entre todas as centrais do que da própria atuação do governo. ''É preciso enfrentar a questão do monopólio sindical (a unicidade sindical), o problema da sustentação financeira dos sindicatos e o poder normativo da Justiça do Trabalho” disse ele. Marinho também afirmou que existia no país um excesso de centrais e de sindicatos. ''Com autonomia e liberdade sindical, pode haver, em um primeiro momento, até um aumento de sindicatos. Mas a tendência é diminuir a quantidade a médio prazo e aproximar a visão entre as centrais'', afirmou.


 


Marinho elegeu-se com 1.950 votos (74,6% do total). Ele afirmou que o primeiro desafio a ser enfrentado seria a ''mobilização dos trabalhadores para obrigar o governo a abrir negociação para mudar pontos da reforma da Previdência que ferem os interesses dos assalariados''.''A central, em alguns momentos, apoiará de forma tranqüila e transparente ações do governo, quando corresponderem aos interesses dos trabalhadores'', disse o novo presidente da CUT.


 


O papel da CUT frente ao governo Lula era uma das questões mais delicadas do Congresso. A união de três tendências sindicais — Articulação Sindical, CSC e CUT Socialista Democrática (CSD) — foi decisiva para derrubar as propostas “esquerdistas”. ''A CUT não vai mudar a sua história. Quem mudou foi o governo no Brasil. Mas a central vai continuar a mesma, com autonomia. Ninguém manda na CUT, nem o PT, nem o PCdoB, nem o PSTU'', disse Felício.


 


O boné de Marino recusado por Lula


 


O Congresso decidiu que a CUT manteria sua posição contrária à participação do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas (Alca) — em 2002 a central participou de um plebiscito sobre o tema que reuniu 10 milhões de assinaturas, das quais 98,33% votaram contra a Alca —, mas retirou de sua pauta a realização de um plebiscito nacional sobre o assunto. ''Nossa posição é não fazer um plebiscito nesse momento enquanto não forem estabelecidas as regras de negociação'', afirmou Felício.


 


Logo depois de eleito, Marinho procurou Lula para pedir mudanças na proposta de “reforma” da Previdência Social. A resposta de Lula foi negativa. O presidente da CUT disse que a entidade estava ''desprestigiada'' e deixou o Palácio do Planalto levando de volta o boné que ofereceu a Lula e que acabou não sendo usado. No início da reunião, quando a sala foi aberta para fotógrafos e cinegrafistas, Marinho tirou um boné da CUT da pasta. Disse que o daria de presente para Lula, mas que o levaria de volta se seus pedidos não fossem atendidos. ''Então vamos ter de esperar o fim da reunião'', disse Lula. Ao final, quando Marinho pegou o boné, Lula afirmou: ''Você não vai deixar o boné?'' Marinho disse ter respondido: ''Não, deixa para a próxima.''


 


A proposta de “pacto social” de Marinho


 


Marinho logo voltaria a se envolver em outra polêmica — o anúncio de um ''contrato social'', apoiado publicamente por Lula. Palocci, a essa altura já completamente blindado pelo mercado financeiro, reagiu. Segundo ele, o “pacto social” poderia provocar uma grande pressão para aumento de preços e, com isso, elevar a inflação. O “pacto social” de Marinho previa que durante três anos o setor produtivo seria submetido a uma espécie de controle de preços, aliado à injeção de investimentos. Um dos objetivos, segundo o presidente da CUT, seria impedir a alta dos juros.


 


Ao governo caberia o papel de reduzir a carga tributária, enquanto o setor financeiro se responsabilizaria por baixar o custo dos empréstimos bancários. Marinho pediu empenho do governo para viabilizar o projeto. Segundo ele, sem a sinalização federal de apoio, o pacto poderia não sair do campo das idéias. ''Vamos ou não vamos (para o acordo)? O governo tem de apostar nesse acordo. Porque, se não apostar, não tem negociação possível'', disse Marinho. Segundo ele, o acordo contava com o apoio do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. Marinho anunciou também que apresentaria o plano para outros grupos empresariais.


 


Estreitamento da relação da CUT com a Fiesp


 


Segundo ele, os rumores de que a resistência de Palocci ao fechamento do “pacto social” teria rachado a cúpula do governo não enfraquecia a proposta. ''Quando pensamos em governo, é no presidente Lula que nos referenciamos e não nesse ou naquele ministro. É do presidente que vamos cobrar uma posição sobre uma negociação nacional'', afirmou. Felício, na condição de secretário-geral da CUT, disse que se acordo saísse a central não abriria mão das reposições salariais. ''Não vamos reivindicar reajustes abaixo da inflação. Até porque quem faz acordos são os sindicatos e não a CUT'', afirmou.


 


O estreitamento da relação da CUT com a Fiesp também resultou numa tentativa de acordo entre as duas entidades sobre a “reforma” sindical. Quando ainda era presidente da central, Felício disse numa atividade da federação patronal paulista que “o movimento sindical atual tem que ser implodido''. ''Não tem importância se no começo virar uma certa anarquia, depois tudo entra no eixo'', afirmou ele. O tema seria debatido no Fórum Nacional do Trabalho (FNT), um organismo criado pelo governo que expôs a essência da contradição na qual a administração Lula estava metida — assunto para a próxima coluna.


 


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