Crise, direita-esquerda

Hobsbawn, com uma produção reconhecida e admirada  formulou, recentemente, observações discretas e cautelosas sobre o cenário da crise global que suscita preocupações.

Na sua entrevista ponderou que a situação pode ensejar uma tendência favorável aos movimentos da direita política na Europa e em outras regiões do mundo, excetuando a situação dos Estados Unidos. As preocupações de Hobsbawn justificam-se pelo que ocorreu na Europa, como conseqüência da profunda depressão dos anos trinta, quer no continente Europeu, que na América como um todo. Nos Estados Unidos, a depressão foi fator decisivo na eleição de Franklin Roosevelt ,do Partido Democrata, e a adoção de planos e medidas que foram considerados de esquerda. Não sabemos, a esta altura, o que ocorrerá no país mais rico e poderoso, nesse momento em que a sua economia desliza rumo a uma situação indefinida. O momento eleitoral impede, sequer, vislumbrar as peculiaridades do debate a respeito das opções políticas e econômicas que serão adotadas após a incógnita do período eleitoral, quando as campanhas impedem a formulação clara dos propósitos de cada partido.


 


 


Durante a denominada Grande Depressão dos anos 30, a Europa já havia ingressado na longa fase dos regimes dominados pela direita. Jeffry A. Frieden em seu texto Capitalismo Global, Zahar Ed., 2008, p.228, informa: ”Entre 1920 e 1924, as cambaleantes democracias da Itália, Espanha, Hungria e Albânia sucumbiram às novas ditaduras, em 1926 foi a vez de Portugal, Polônia e Lituânia. A segunda leva veio com a depressão econômica:Iugoslávia, em 1929, Romênia em 1930; Áustria ,em 1932; Alemanha em 1933; Letônia, Estônia e Bulgária em 1934; e Grécia, em 1936. Embora a Espanha tivesse se redemocratizado em 1930, os fascistas, sob o regime de Francisco Franco, emergiram vitoriosos de uma sangrenta guerra civil.”


 



Hobsbawn não ignora estas nuances temporais, mas a sua advertência não perde por isso a oportunidade deste reencontro com um passado não tão distante. A relação entre crise econômica e decisões políticas não ocorre de forma automática. Nem todos os regimes políticos europeus no século passado, como vimos, adotaram regimes direitistas em decorrência de um momento crítico da economia européia ou mundial. Alguns regimes eram intensamente conservadores, a exemplo de muitos da Ásia, governados de forma absoluta por dinastias que se sucediam por séculos, sob a exclusão de raças, castas e camponeses. A ditadura nazista e o fascismo italiano foram modelos específicos do mundo europeu e são estas formações sociais que a historiografia do século passado caracterizou sob o epíteto de regimes de direita. Possuem características próprias, dentre elas a formação de partidos políticos dominados por um Duce, ou Führer. O nazismo as dotou de suas características mais peculiares. Enorme a literatura sobre o nazismo e seu líder incontestável, Hitler. As origens desse movimento e dos fatores que o levaram assumir o poder na Alemanha ainda são objeto de pesquisas, permanentemente retomadas.
 


 


 


A Alemanha, antes do nazismo, já havia se transformado num país poderoso. A sua produção industrial era a segunda do mundo. A qualidade dos seus produtos resultava da inovação tecnológica propiciada pela reconstrução ocorrida após a Primeira Guerra (1914-1918). A Alemanha, derrotada na Primeira Guerra, fora compelida a pagar reparações vultosas aos franceses, britânicos etc., mas antes da crise de 29 este fantasma havia dissipado. A crise, porém, abalou a economia alemã, não só ela, mas a de todo mundo capitalista. As medidas adotadas pelo governo constitucional buscaram enfrentar o desemprego com financiamento da indústria privada e redução de impostos para as mais produtivas. Auxílio dirigido especialmente para as empresas que se dispusessem aumentar postos de trabalho. Com o objetivo de criar empregos adicionais, o gabinete autorizou os empregadores a reduzir os salários, uma constante que se perpetuou durante o nazismo, por estas ou outras circunstâncias. Comportamento clássico para combater o que ocorreu nos Estados Unidos e em outros países, ou seja, a despedida em massa dos operários e a conseqüente queda no consumo.


 



A denominada República de Weimar manteve, a despeito de algumas providências necessárias de caráter autoritário, a vigência constitucional.  Nos meses que antecederam a nomeação de Hitler para chanceler, a situação eleitoral do nazismo estava declinando. Na eleição de 6 de novembro de 1932, os nazistas sofreram duro revés para um partido de massa que julgava estar em inigualável ascensão, pois oscilaram de 37% para 33% dos eleitores, ou seja, de 230 para 195 deputados, um declínio de cerca de dois milhões de votos. Somente o Partido Comunista progrediu alcançando 16,9 dos votos, obtendo um total de 5 980 614. A proporcionalidade dos deputados no Reichstag era a seguinte, 33,65% para os nazistas, 20,7% para os sociais democratas (socialistas), 12,5% para os comunistas, 11,4% para católicos e 8,0% para os conservadores. Este resultado, segundo Marlis Steirner , no livro sob o titulo ''Hitler, Fayard,  p.248'', obrigou Hitler a abandonar o objetivo de assenhorear-se do poder pela revolução, e voltar-se para a disputa no quadro traçado pela Constituição de Weimar. Incapazes de união, socialistas e comunistas, facilitaram a combinação de conservadores e nazistas para nomeação, nos termos do artigo 48 da Constituição alemã, de Hitler para Chanceler.


 


 


Por sua vez, Willian Halperin, historiador inglês, autor de diversos títulos sobre os movimentos fascistas e o nazismo escreveu em ''Germany Tried Democracy, The Norton Library,NY,p.499'': ”Tendo absorvido o voto da classe média, o Partido Nacional Socialista atingiu ponto em que qualquer outro acréscimo seria pequeno e difícil de obter… Os dias de conversão em massa ao credo nazista estavam, aparentemente, extintos. ”A nomeação de Hitler resultou de uma combinação de manobras dos setores mais conservadores  que procuravam obter o apoio dos nazistas mantendo-os sob controle . A pujança eleitoral dos nazistas não se revelou nem após a imediata tomada do poder , Machtergreifung . expressão cunhada pelos nazistas, mas que não correspondia à natureza convencional da manobra que os guindou à chancelaria.


 


 


Muitos acreditam no Brasil que Hitler foi eleito Presidente da República alemã, erro constantemente explorado, mas grave, pelos equívocos que permite. O Presidente da República alemã era Hindenburg que nomeou Hitler, Chanceler do Reich, como vimos, nos termos do artigo 48 da Constituição.

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