Covid-19: Hora de falar sobre Renda Básica Universal

O Covid-19 é uma ameaça real e potencialmente devastadora, principalmente em países onde, por conta dessas mesmas políticas neoliberais, os sistemas públicos de saúde sofreram e sofrem acelerado processo de sucateamento.

A pandemia de Covid-19, além de uma crise sanitária, desencadeou também uma crise social e humanitária de grande alcance, evidenciando a total falência do ideário neoliberal diante de situações que exigem respostas rápidas do Estado para além dos estritos limites da lógica que tudo quer subordinar ao deus-mercado e à rentabilidade dos financistas. Os que defendem essa lógica perversa já deixaram claro que consideram razoável o sacrifício de vidas humanas, para que a engrenagem econômica não pare. Nessa linha, o atual ocupante do Palácio do Planalto não teve qualquer constrangimento em fazer coro com seus financiadores, minimizando os impactos de uma doença com comprovado poder de propagação e letalidade.

O Covid-19 é uma ameaça real e potencialmente devastadora, principalmente em países onde, por conta dessas mesmas políticas neoliberais, os sistemas públicos de saúde sofreram e sofrem acelerado processo de sucateamento. É o caso do Brasil. As restrições impostas pela Emenda Constitucional nº 95 que limitando o teto para gastos públicos e congelando recursos por duas décadas, provocou, somente em 2019, a perda de bilhões que seriam destinados ao SUS, nos dando uma ideia do quadro assustador que se desenha se o aumento dos casos fugir realmente ao controle.

Porém, à crise sanitária soma-se o drama dos que repentinamente ficaram sem uma fonte de renda que lhes garanta minimamente a sobrevivência. Os milhões de trabalhadores e trabalhadoras que hoje transitam entre a informalidade e o emprego precário são, de fato, os mais afetados, de modo que a aprovação pela Câmara dos Deputados de uma renda básica emergencial para esse segmento foi uma medida justa e acertada. É o reconhecimento da responsabilidade que o Estado brasileiro tem para com todos os seus cidadãos e cidadãs em lhes garantir condições mínimas de subsistência nesse momento extremo.  É uma iniciativa que recoloca, sob diversos aspectos, o debate sobre o sistema de proteção social em um contexto de retirada de direitos e de aumento das desigualdades sociais. Nesse debate, se insere a defesa, já em curso em vários países como Canadá, Finlândia, Espanha, Quênia, Índia, de uma Renda Básica Universal – RBU.  Trata-se de uma renda mínima, a qual todo cidadão e cidadã teria direito, independente de qualquer critério de elegibilidade (idade, condição física, renda familiar, etc.) e independente de qualquer contribuição prévia.

A ideia parece ter pouca viabilidade, mesmo para quem milita no campo da defesa dos direitos sociais, tendo em vista o ataque que hoje sofrem esses e outros direitos já conquistados. Assim, pautar a defesa de um direito dessa natureza e com tal alcance, pode parecer despropositado. Do mesmo modo como pareceu despropositado falar em democracia quando ainda vigorava o absolutismo.

 De fato, trata-se de uma mudança de paradigma em termos de proteção social. Um paradigma que ultrapassa a lógica contributiva do seguro social, que substitui a igualdade pela equidade, a distribuição de renda por sua redistribuição.  Obviamente, a proposta tem na questão de seu financiamento um obstáculo a ser superado, uma vez que demanda a revisão dos sistemas tributários, entre outras. No Brasil, por exemplo, a taxação das grandes fortunas seria um ponto fundamental, além de outras iniciativas de natureza tributária, orçamentária e fiscal.

A defesa da RBU enfrenta um debate acirrado também no campo dos valores. A moral burguesa hegemônica considera inaceitável que alguém tenha um rendimento que não esteja vinculado à venda de sua força de trabalho ou à inserção no mercado das trocas de bens e serviços.  Assim, há, entre os críticos da RBU, uma concepção segundo a qual a garantia de uma renda mínima criaria um exército de indolentes sustentado por laboriosos contribuintes. São críticas que, no Brasil, já são dirigidas a programas como o Bolsa-Família e a benefícios assistenciais como o BPC- Benefício da Prestação Continuada.

Para os que consideram qualquer iniciativa de proteção social por parte do Estado como um paternalismo populista, a RBU soa absurda, coisa de “esquerdista” como se tornou comum dizer, entre os conservadores, quando fazem referência a quem quer que, atuando ou não no campo político de esquerda, enfrenta a barbárie neoliberal.  Para esses, convém destacar que, entre os defensores da RBU estão improváveis “esquerdistas” como Chris Hugues, cofundador do Facebook e o próprio Fundo Monetário Internacional, que, em relatório de 2017 admite a possibilidade de se pensar em um mecanismo de renda universal que possa diminuir as desigualdades sociais. Ou seja, já existe um entendimento, nos próprios meios capitalistas de que, mantidos os níveis crescentes de desigualdade até o próprio capitalismo estaria ameaçado pois nem as estratégias de repressão ao descontentamento popular levadas a cabo por sabujos autoritários do capital serão capazes de deter a falência social que se anuncia.

O debate é longo e complexo.  A pandemia de Covid-19 apenas sinalizou a fragilidade do modelo atual que condena milhões de pessoas a sequer terem o direito de existir pois já não são úteis ao mercado.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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