Covid-19: desnudando a realidade social

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Foto: Rodrigo Paiva/Getty Images

Desde o início da decretação dessa pandemia, na qual ainda estamos metidos, e com o distanciamento social implementado pelos governos estaduais, venho produzindo artigos que nos provoquem reflexões sobre o entendimento de todo esse processo. Outros colegas da Universidade, com a suspensão das aulas, e o devido trabalho em home office, estão fazendo o mesmo, e produzindo materiais[1] que nos auxiliem a compreender a dimensão da Covid19,[2] cada um/a em sua área de especialização[3]. Assim, contribuímos para evitar a disseminação de informações falsas e/ou manipulações de realidades que tem sido cruéis e que ainda irão provocar muitas perdas de vidas e desespero familiares.

As consequências ainda são difíceis de serem previstas, mas o olhar na história e o quanto outras pandemias trouxeram fortes impactos sociais e econômicos, faz com que acreditemos que iremos ainda por muitos meses, e talvez anos, lidar com quedas brutais nos Produtos Internos Brutos nos países, um impacto terrível nos níveis de emprego em função da redução abrupta do processo produtivo e prováveis revoltas e insurreições populares diante do desespero que será conviver com fome e desesperança.

Neste momento importa olharmos bem criticamente as condições em que o estado brasileiro tem deixado tanto os investimentos em saúde, como no aprimoramento das condições de vida daquelas pessoas mais fragilizadas socialmente. Quando analisamos os dados, e as vidas das pessoas se tornam estatísticas, infelizmente, nos debruçamos sobre realidades cruéis, passíveis de terem sido resolvidas, mas decorrentes da absoluta ausência de compromisso do governo brasileiro com as questões sociais, e amarrados a uma lei criminosa que limita os gastos do Estado, e impõe a áreas importantíssimas, como saúde, educação e ciência, uma redução absurda nos valores investidos, causando uma destruição dos sistemas que estruturam essas áreas de enorme valor estratégico para a Nação como um todo. Um estudo precioso tem sido elaborado por um grupo de professores do Instituto de Estudos Socioambientais da UFG, e pode ser pesquisado no acesso ao site do Observatório do Estado Social Brasileiro[4].

Os artigos que tenho produzido objetivam desnudar essa realidade. Parto de outras análises, feitas durante todo esse período por diversos especialistas, cientistas da área de saúde, bem como também os cientistas sociais, para construir a elaboração de conteúdos que se afinem com uma visão crítica, de uma realidade perversa e que precisa ser demonstrada em toda a sua dimensão. Não é algo que surgiu neste momento. Este momento de uma epidemia terrível, que se espalhou por todo o mundo, a ponto de ser definida pela Organização Mundial de Saúde como uma pandemia, desnuda uma realidade que não é mostrada com frequência, em certos casos ela é escondida, e na contrapartida da virtualização de um mundo ultratecnológico, perde espaço nas mídias de uma maneira geral. Até mesmo nas mídias sociais, já que ao viajarmos buscamos aqueles lugares deslumbrantes, lúdicos, idílicos. Por uma necessidade compreensível de buscarmos descansar do stress e da escravidão ao trabalho. E, naturalmente, são as belezas naturais ou artificiais que fazem parte de nossas selfies.

Mas as cercanias das cidades, as favelas, periferias descuidadas e esquecidas pelo poder público, embora cheias de cidadãos e cidadãs (sem direitos de cidadania) que são procurados em épocas eleitorais, mas negligenciados no cotidiano de suas vidas. Esses são os principais alvos dessa e de outras epidemias, doenças que afetam os seus cotidianos, decorrentes da pobreza, falta de condições básicas de higiene, por causa da ausência de serviços básicos de saneamento, infraestruturas adequadas de moradias, enfim, um descaso absoluto, secular.

Não ocorrerão transformações pós-pandemias se, junto com as preocupações de momento para conter a disseminação do vírus “sars cov-2”, não vierem um forte sentimento de indignação por essas condições. E que possamos dar mais e muita visibilidade a uma realidade cruel, que em muitos casos transformam seres humanos em ratos, pelos ambientes sujos e podres nos quais esses indivíduos vivem. Não porque desejam. Não porque não adquiriram méritos suficientes para viverem em outras condições. Mas porque estão submetidos a uma lógica perversa, um apartheid natural de um sistema que se transforma em duas direções. Em uma, do topo, ampliando a riqueza e reduzindo o percentual daqueles que a controla: e, do outro, da base de uma pirâmide onde situa-se a imensa maioria da população, sobrevivendo em meio à essas condições e garantindo a mão-de-obra necessária para satisfazer o luxo e a ostentação dos ricos.

Essa população, ao final do isolamento social, ela permanecerá no distanciamento social, pelas condições que a levaram à essas circunstâncias, e de políticas seculares de um país que se desenvolveu na separação estrutural opondo a casa grande à senzala. A maneira de forçar as mudanças, e que as lições dessa pandemia sejam aprendidas, é deixarmos bem claro essas condições, mostrarmos incessantemente a perversidade que é a realidade brasileira, e deixar de nos inebriar e nos deslumbrar com as maravilhas que as tecnologias produzem e nos fascinam, ignorando as condições em que vivem a maioria das pessoas.

Os artigos abaixo, com os links para acesso, procuram identificar as razões, as causas, os comportamentos, e a normalidade que faz nos cegar diante da realidade. Espero que ajudem a levantar bandeiras, e, mais do que isso, que motivem o máximo de pessoas a se imbuírem do desejo de ir à luta, para além do mundo virtual, tão logo saíamos dessa condição de quarenta na qual estamos colocados por absoluta necessidade de combater um vírus invisível aos nossos olhos, um microrganismo, mas de um poder destrutivo brutal. Após derrotá-lo, cabe-nos criar coragem de enfrentar esses outros desafios, com a certeza de que em breve iremos nos deparar com outros vírus e novas epidemias.

Controlar essas doenças só será possível, de forma plena, se nos anteciparmos à suas disseminações. O que significa mudar a lógica como a saúde é tratada, e de curativa transformar os atendimentos e a sua política em preventiva, passando por eliminar essas condições miseráveis em que vive uma enorme parcela da população.

1. Meu bloqueio, o novo coronavírus e como vejo essa pandemia

2. Tudo que é sólido se desmancha no ar – o Covid-19 e a crise capitalista mundial

3. O Covid 19 e o mundo na encruzilhada

4. A dimensão da geopolítica no mundo atual

5. Como chegamos até aqui e como será o mundo pós-pandemia? –

6. SOS Saúde: estamos atingindo os limites da natureza humana e do ecossistema

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[1] IESA-UFG Instagram – https://www.instagram.com/iesa.ufg/?hl=pt-br[2] Platforma Covid Goiás – https://covidgoias.ufg.br/#/map[3] Cartografia do Covid19 – https://lepeg.iesa.ufg.br/p/32483-cartografia-da-covid-19[4] Observatório do Estado Social Brasileiro – http://obsestadosocial.com.br/

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