Contra o bolsonarismo, nem tudo pode passar pelo ralo

A Constituição, e o sistema legal a ela associado, servem de defesa do Estado Democrático de Direito.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Tarefa corriqueira aqui em casa — lavar a louça — frequentemente me enseja boas reflexões.

Cumpro minha obrigação pensando na vida. Estimulado por uma boa música ou de ouvido atento ao noticiário.

Agorinha me veio à memória a frase de Antônio (que nós lá em casa chamávamos “tio” por ser esposo da querida e inesquecível tia Ivete), mestre de obras de tamanha competência que projetou e construiu residência de dois pavimentos praticamente sozinho, perto da Igreja do Rosário, região central de Natal.

Ele dizia que pelo ralo da pia “o que passasse ia embora”, não nos preocupássemos.

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Por isso deixo que passem pequenos fragmentos de restos de comida pelo ralo da pia da cozinha daqui de casa, na certeza de que lá embaixo terão destino certo e adequado.

Mas nem tudo na vida se deve deixar passar pela vigilância do ralo…

A Constituição, e o sistema legal a ela associado, servem de defesa do Estado Democrático de Direito. Um ralo rigoroso que não pode deixar passar incólumes infrações graves — como as cometidas repetidas vezes pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores, incluindo os que praticaram atos de vandalismo semi destruindo os palácios que sediam os três poderes da República, dia 8 passado, em Brasília.

Parece óbvio, mas creio que para muita gente não é. Pois há quem advogue uma espécie de anistia tácita para os tais vândalos, corretamente caracterizados como terroristas, para concentrar investigações e processos formais nas figuras do ex-presidente e outras de relativo destaque em seu grupo, como o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que se encontra preso em Brasília.

Essa hipótese, em certa medida benevolente, eu ouvi de dois amigos, velhos companheiros de luta, com os quais conversei ao telefone hoje.

Diziam falar por outras pessoas próximas que julgam que um gesto dessa natureza — minimizar os crimes cometidos pela horda bolsonarista — poderia sinalizar positivamente como algo magnânimo, em favor da restauração da paz social e em substituição à cultura do ódio que essa gente pratica e dissemina.

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Mas não pode ser assim. Definitivamente, não!

Os que tentaram o golpe no dia 8, manipulados e dirigidos à distância por estamentos bolsonaristas conscientemente contrários à ordem constitucional, representam parcela de alguns milhões de brasileiros e brasileiras presentemente capturados pela pregação fascista. Simplesmente perdoá-los ecoaria como estímulo à repetição de manifestações de insurgência igualmente antidemocráticas,

Cabe, sim, às instituições responsáveis levar até o fim os processos devidos, que são parte irrecusável da cena política atual.

Concomitantemente, ações positivas do governo Lula, de repercussão sobre a vida da maioria da população, servirão de lastro para que a luta no plano das ideias possa conquistar maioria expressiva na sociedade em defesa da democracia. 

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