Conferência mundial contra o racismo

Em meio as controvérsias e boicotes promovidos pelos Estados Unidos, Israel e alguns países da União Européia sobre a Conferência Mundial Contra o Racismo, ocorrida entre os dias 20 a 24 de abril de 2009, em Genebra (Suíça), encerrou satisfatoriamente. Ha

O racismo age como divisor de classes sociais e de nações. Os países presentes reafirmaram, com avanços residuais e sem nenhum recuo, os compromissos assumidos na Declaração de Durban e no Plano de Ação (DDPA), resultantes da III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, promovida em 2001, na África do Sul, pela ONU, através do Alto Comissariado de Direitos Humanos, evento que contou com a participação de 189 Estados Nacionais.


 


 


Há oito anos os EUA, Israel, Canadá e alguns países da União Européia – UE abandonaram a Conferência Mundial Contra o Racismo em Durban, sob pretexto de incidir pesados ataques antissemitas no evento. A partir daí iniciaram um processo de boicote – reforçado pela tragédia de 11 de setembro – aos mais elementares e justos propósitos dos resultados de Durban. A partir de setembro de 2001 – quatro dias após a Conferência de Durban – aos dias atuais, os EUA, no primeiro momento no Governo Bush, protagonizou as piores violações ao multilateralismo, as soberanias das nações, as populações civis do Iraque e Afeganistão, aos direitos humanos. Defendeu doutrinas geopolíticas assassinas, consignadas na doutrina do “Ataque Preventivo”. Implantou regras draconianas e racistas sobre as populações imigrantes, disseminou ações antagônicas a agenda contra o racismo e contra as diversas formas de intolerâncias.


 


 


Israel também apresentou ao mundo seu “saquinho de maldades”, a vítima foi o povo palestino. No período pós-Durban também intensificou sua beligerância. Atentou contra a vida da população civil palestina, cometeu bárbaros crimes de guerra com assassinato de crianças, mulheres, idosos e homens inocentes. Embaraçou direitos a liberdade de expressão, trânsito e segurança. Negou-lhes o direito a família, ao lar e a pátria. Israel, contando com a solidariedade das potências políticas e econômicas que promoveram sua instituição após o terror do holocausto, jamais aceitará a alcunha de racista. Mesmo com práticas políticas visivelmente similares ao regime do apartheid que vigorou na África do Sul até inícios dos anos 90. Mesmo que as guerras perpetradas contra a Palestina tenham um prenunciado caráter genocida, comparável ao sofrido por judeus, ciganos e deficientes no apogeu do nazismo. Se Israel for identificado como Estado racista, perde a legitimidade e o sentido que instituiu e sustenta politicamente sua existência. 


 


 


 


Essência das divergências da Conferência Contra o Racismo


 


 


A razão de tanta dificuldade para os países avançarem no combate ao racismo está relacionada ao objetivo estratégico de sua superação que é a conquista da igualdade social, econômica e política. Essa finalidade exige ações e almejam resultados mais profundo que o gozo da cidadania (que se relaciona com o exercício de direitos civis e políticos em determinado Estado) e dos direitos humanos (que tem haver com regras e princípios fundamentais para garantia de respeito ao direito a vida e igualdade civil). Combate-se a desigualdade estrutural da atual distribuição de poder entre nações e classes sociais, edificada com base em ideologias racistas, elaboradas e implantadas com mais força no colonialismo e no imperialismo. Estrutura que submete povos, culturas e classes a interesses de pequenas elites, com repercussões perversas que incidem negativamente nos países não ocidentais e povos não brancos.


 


 


Por isso questionar o racismo e propor sua superação exige um olhar crítico à história, deslegitimar política e moralmente as estruturas materiais e filosóficas que sustentam as iníquas desigualdades. Combater a concentração de poder político e riqueza nas mãos dos herdeiros do colonialismo e beneficiários do imperialismo. Exigir reparação aos países, povos e raças vítimas dos saques, genocídios e escravidão. Em última instância, anti-racismo é antítese de capitalismo, o império e seus asseclas sabem, porém tentam em vão escamotear a essência das divergências que movem os EUA, Israel e outras potências coloniais e imperialistas.


 


 


No debate político travado nas conferências estava em pauta temas nelvrágicos impostos pelos países Africanos, povos indígenas das Américas e pelos negros de todo planeta. Feridos em seus interesses as principais potências econômicas capitaneada pelos EUA vão à fuga e depois ao boicote da Conferência Contra o Racismo de Durban e sua conferência revisora. Propuseram a condenação da escravidão, do tráfico transatlântico de seres humanos, do colonialismo moderno e do apartheid como crime de lesa humanidade. Por isso imprescritível. Se aprovada a condenação na forma proposta, automaticamente as antigas nações imperiais e escravocratas serão consideradas criminosas, logo em flagrante débito com a humanidade e com as vítimas dos crimes.


 


 


As propostas de reparação exigidas das potências coloniais e imperialistas que cometeram crimes históricos desejam fundamentalmente ressarcimento econômico. Propõe perdão da dívida externa de todos os países vítimas do saque de vidas humanas e do colonialismo; transferência de tecnologias e informações científicas; indenização pecuniária e políticas públicas específicas às vítimas. Vê-se que a fuga dos ricos da Conferência de Durban e da Conferência de Revisão de Durban é para não se verem constrangidos política e moralmente a liquidar essa incalculável dívida.


 


 


Com base nesse entendimento tenho apresentado críticas a linha adotada por algumas organizações não governamentais representantes de segmentos sociais da sociedade civil, que consiste em envidar esforços para atrair os EUA para o interior da conferência, a fim de comprometê-lo a assumir os compromissos de Durban. Em busca desse objetivo essas ong´s assimilam e reproduzem uma retórica que imputa aos árabes/palestinos a culpa pelo fracasso da Conferência de Durban, eximem-se do princípio da solidariedade entre os povos oprimidos e contribuem na imposição do silêncio a um povo sofrido e, também, discriminado racialmente.


 


 


Estamos diante de uma preocupante ingenuidade política. Acreditar que qualquer potência imperial/colonialista colaborará com a superação do racismo serve aos interesses da procrastinação de um verdadeiro compromisso com a luta pela igualdade entre os povos e nações. Foi possível perceber essa política em documentos de representação da sociedade civil, lamentavelmente em material que denunciava agravo, exigia direitos, mas, subliminarmente, reivindicava exclusividade racial na agenda. Esse caminho é um erro que deve ser corrigido. Sem solidariedade entre as vítimas da opressão e do racismo não haverá solução em separado, visto que os meios que impõe dominação sobre os povos são integrados, coesos e solidários.


 


 


Penso que devemos denunciar os EUA e todas as forças que congregam com seus princípios imperiais, exigir do Estado e do povo americano mudança de postura. Exigir de Israel que renuncie sua política racista e respeitem as definições da ONU sobre a Questão Israel e Palestina. Colocar o debate sobre formas de combate ao racismo e intolerâncias correlatas acima dos particularismos, exigir de todos Estados nacionais ações de combate ao racismo que contemplam todas as vítimas dessa calamidade que persiste em rondar no âmago da sociedade contemporânea.


 


 


 


Presença do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad na Conferência


 


 


A presença do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad na conferência foi providencial. Com discurso preciso e contundente rompeu a hipocrisia que permeava no ambiente político da conferência. Colocou algumas coisas em seu devido lugar: denunciou as violações e crimes do império americano e de Israel, embora considero que negar o holocausto não torna mais ou menos hedionda a agressão contra os palestinos, por isso é um erro negá-lo. Ahmadinejad foi além, denunciou a responsabilidade pela atual crise econômica e a falácia do capitalismo como regime capaz de atender as necessidades humanas; apelou para que tenha mudanças na ONU, em especial no seu Conselho de Segurança.


 


 


De fato o homem causou, seu discurso politizou a Conferência, pois explicitou as divergências e elevou a temperatura do evento. Dez países debandaram EUA, Israel, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e mais cinco países da UE. Com essa intempestiva atitude tentaram negar o direito do Irã se expressar e recusaram a participar de uma discussão mais complexa, que envolve várias nações, nacionalidades e povos. Saíram da conferência do jeito que entraram, descomprometidos com a agenda de combate ao racismo. Esse era o objetivo.   


 



   
 


Considerando e valorizando os avanços e apontando as insuficiências


 


 


Como membro do movimento negro, comprometido com a superação do racismo e de suas conseqüências, compreendo e valorizo a importância tática de apontar os avanços e conquistas das lutas sociais, ao mesmo tempo em que atuamos para vencer as deficiências, os atrasos e os entraves que impedem o desenvolvimento político da luta. Por isso faço questão de indicar que o mais elementar avanço nessa conferência foi sua própria existência. Considero uma vitória política sem precedente aos países pobres e as vítimas do racismo, pois a despeito de forças poderosas atuarem para suplantar as deliberações de Durban, a diplomacia de 140 países esteve presentes em Genebra (Suíça) para participarem da Conferência Mundial e aprovaram consensualmente no segundo dia de conferência um documento que reitera integralmente a Declaração de Durban e o Plano de Ação (DDPA). E avançam em aspectos importantes o compromisso das nações em combater o racismo, a discriminação racial e intolerâncias em todo planeta.


 


 


Outro destaque é a atuação do Brasil, através de sua diplomacia e do ministro Edson Santos – chefe da delegação. A presença do Brasil foi fundamental no processo de negociação que garantiu a aprovação do documento, sempre em sintonia e consulta a sociedade civil presente em Genebra. Estendo o destaque ao GRULAC – Grupo de países da América Latina e Caribe atuou em total coesão, daí uma das razões da aprovação da declaração. Para além da presença propositiva e agregadora o Brasil é um exemplo de boas práticas, tem avançado sistematicamente nas ações de combate ao racismo. Comparativamente somos uma potência nessa matéria, essa liderança nos atribui maior responsabilidade com os resultados das políticas de promoção da igualdade racial, pois o mundo novamente volta os olhos ao Brasil para depreender ensinamentos com nossa prática.


 


 


Na declaração aprovada os países membros reiteram o conceito de reparação; reafirma a consigna que a democracia é antítese de racismo; se comprometem em desracializar a relação com migrantes, refugiados e solicitantes de asilo; condenam a intolerância religiosa; prevêem políticas de ações afirmativas no trabalho, espaços de poder, saúde, serviços sociais; reitera a necessidade de combater a pobreza e a desigualdade. Politicamente a Conferência Mundial Contra o Racismo constrange e derrota os 10 países que se retirou do processo, provando que cada vez mais o multilateralismo é uma realidade consolidada. Hoje não há mais xerifes entre as nações, o racismo é repudiado pela maioria dos povos e o posicionamento intempestivo dos impérios denunciou a quem cabe a responsabilidade das dívidas acumuladas pelos graves erros do passado que ainda persistem em boa medida no presente. 


 


 


Os Estados têm que avançar na compreensão da questão Palestina, todos os fóruns de defesa dos direitos humanos são adequados para essa discussão. A sociedade civil tem dado importantes contribuições, é um ator político imprescindível para formulação, estabelecimento de compromisso, convencimento de governos, ou seja, para o sucesso das conferências, por isso tem que assumir sem tergiversação a denúncia e o combate ao racismo e as intolerâncias correlatas em todas suas fases. Faltam os países da ONU desenvolver o conceito de reparação; condenar a escravidão, o colonialismo e o tráfico transatlântico como crime de lesa humanidade. Temos que ampliar a presença dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada nesses fóruns; aprofundar a solidariedade entre as vítimas das múltiplas formas de opressão; exigir dos Estados a construção e desenvolvimento de instrumentos de monitoramento que possam dar limpidez às políticas públicas adotadas para a implementação do Plano de Ação de Durban, bem como o volume de recursos alocados para implantação desse objetivo.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor