Condições para a paz possível na Palestina

Os observadores atentos da cena política do Oriente Médio sabem que a região é um caldeirão em constante ebulição. E falo isso não pelas mortes diárias no Iraque, que, nesta semana vem batendo recordes sucessivos. Haveria pelo menos três grandes coisas pa

A primeira delas é a fragorosa derrota de Bush para os democratas nos Estados Unidos, que passarão a controlar a Câmara dos Representantes, nossa equivalente à Câmara dos Deputados e ainda que com pequena vantagem, elegeram a maioria do Senado também e 28 dos 50 governadores. Não que eu tenha ilusão de que isso significará mudança profunda na política externa americana, pois sabemos que não diferem muito democratas e republicanos.


 



O segundo grande fato que poderia ter sido comentado por mim esta semana, seria a renúncia de cinco ministros vinculados ao grupo Hebolláh e o Amál, no gabinete Libanês, deixando o primeiro Ministro Fouad Siniora em situação difícil. Até porque, esse senhor, aliado dos Estados Unidos, esta defendendo a instalação de um Tribunal Penal para julgar o assassinato de Hafic Hariri, ocorrido no início de 2005. Siniora faz isso, com apoio de parte do CS das Nações Unidas para desgastar a República Árabe da Síria, da qual é inimigo e quer indispor o governo da Síria, ao qual os EUA querem implicar na morte do ex-primeiro Ministro libanês. É provável que, com a popularidade granjeada pelo Hezbolláh devido a forte resistência dada aos ataques israelenses, o gabinete de Siniora cai de vez. E já iria tarde demais. Devemos sempre lembrar que a frágil democracia libanesa, é fruto dos acordos de Taif, assinados no final de 1989, que puseram fim à guerra civil no Líbano, que vigoram desde 1990 até os dias atuais, que estabelecem que a presidência do parlamento fosse sempre de um político xiita, o presidente no país deveria ser um cristão (ligado aos maronitas, no caso atual chamado Emile Lahoud) e o primeiro Ministro sempre um muçulmano sunita (1). Esse assunto, que ainda deve dar muito “pano para manga”, comentaremos em outros momento.


 



Por fim, poderíamos comentar o que será assuntos nos próximos dias, qual seja, um possível acordo estabelecido pelas forças políticas que atuam dentro da Palestina, especialmente entre o grupo Hamas, que hoje detém a totalidade do Ministério, encabeçado pelo atual primeiro Ministro palestino, Ismail Haniye. Um acordo deve ser anunciado nos próximos dias entre o grupo Hamas, maioria no governo e o Fatah, do atual presidente Mahmoud Abbas, também conhecido como Abu Mazzen. O possível novo primeiro Ministro seria o ex-reitor da Universidade Islâmica de Gaza e cientista respeitado chamado Mohammed Shbair. Ele foi reitor da Universidade por 15 anos, até se aposentar em 2005.


 



No entanto, estes três fatos políticos importantes não me motivaram a escrever sobre eles nesta semana. Ainda que o tema seja Palestina, o quem eu gostaria de tratar com os meus leitores semanais, especialmente os que mais se interessam pela causa palestina em particular, é sobre qual a proposta poderíamos considerar como válida para que a paz pudesse ser estabelecida. E teria que ser muito mais avançada do que o chamado “Mapa do Caminho”, proposto pelo Quarteto, composto pelos EUA, pela união Européia, pelas Nações Unidas e pela Rússia. Essa proposta fracassou e já tratamos dela.


 


Qual seria a “nova proposta”?


 


As idéias que vou expressar aqui e comentá-las uma a uma não são novas. Elas datam de 1º de dezembro de 2003 e vem de um Manifesto de intelectuais palestinos e israelenses, cansados de massacres de ambos os lados e descontentes com as propostas do chamado Road Map fracassado. São as chamadas propostas de Genebra. Interessante notar a magnitude de muitas dessas personalidades. Vamos aos nomes: Participantes Israelenses: Yossi Beilin, Avraham Burg, Amram Miztna, Haim Oron, Amos Oz, Giora Inbar, Shlomo Brom, David Kimche, Prof. Arie Arnon, Dr. Menachem Klein e Participantes Palestinos: Yassir Adeeb Abed Rabbo, Nabeel Issa Kassis, Hisham Ali Hasan Abelrazeq, Khadura Fares, Mohamad Abdelfatah Al-Horani, Jamal Awad Zaqout, Saman Bishara Khouri, Zuheir Al-Manassrah, Radi Jamil Jarai, Ibrahim Mohamed Khrishi, Samih H A Karakra, Bassil Jabir, Nazmi Al Ju'beh. Do lado judeu, temos dois dos mais famosos escritores, como Yossi Beilin e Amos Oz. Do lado palestino, o negociador oficial da Fatah, Abed Rabbo.


 


 
A nova proposta colocada na mesa para debate e negociação, se elas prosperarem, é composta de cinco pontos. Vamos a eles:


 


1. Dois estados para dois povos. Ambos os lados no conflito passam a se reconhecer mutuamente, sendo que a Palestina passa a ser o único estado dos palestinos e Israel passa a ser o Estado do povo judeu, que passariam a conviver como vizinhos e em harmonia.


 


2. Fronteiras dos dois estados fixadas com base em 4 de junho de 1967. Essa é a data que teve início da chamada Guerra dos Seis Dias, quando Israel invadiu todos os territórios palestinos, então ocupados pela Jordânia, Egito e Síria. Expandiu imensamente suas fronteiras e causou um verdadeiro retrocesso na busca da paz. Essa é uma das mais importantes reivindicações dos palestinos para qualquer base de negociação para a busca da paz, ou seja, a desocupação de todas as mais de 200 colônias e assentamentos judaicos na Palestina. Mesmo sabendo que esse território, que engloba toda a faixa de Gaza e a Cisjordânia representam apenas e tão somente 22% das terras de toda a Palestina histórica, não da para começar a discussão de outras propostas senão por essa linha de fronteira. Qualquer modificação de linha de fronteira deverá ser sempre de forma eqüitativa, ou seja um para um. Dito de outra forma, se Israel quiser manter alguma área que achar fundamental, deve ser por acordo e ceder a mesma área em outra região. Importante ainda registrar que deverá ser criada uma faixa territorial que ligaria com segurança as duas região, que são geograficamente separadas.


 


3. Jerusalém seria a capital dos dois estados. Os palestinos controlariam a região do Monte do Templo e os judeus controlariam a região do Muro das Lamentações. Essa cidade seria uma cidade aberta e teria que haver a total e completa liberdade religiosa e de acesso a todos os centros de peregrinações e considerados sagrados para as três religiões monoteístas. Bairros árabes e judeus na cidade seriam controlados pelos lados respectivos, sem ingerência e nenhum dos dois lados exerceria nenhuma soberania sobre os locais considerados sagrados. Ficariam proibidas toda e qualquer escavação arqueológica que não fosse de consenso entre as duas partes.


 


4. Direito ao retorno. Essa é uma das mais importantes reivindicações dos palestinos. Porque apenas os judeus da chamada diáspora podem voltar livremente para a Palestina e não os próprios palestinos? Ocorre que hoje são estimados em mais de quatro milhões de palestinos, espalhados pelos países do Oriente Médio e pelo mundo. Só na América Latina se estimam em 500 mil os palestinos e seus descendentes que nasceram no exílio. A bem da verdade porém, não seria fácil mesmo, para um país pequeno, receber de uma hora para outra milhões de pessoas. Assim, a proposta que se apresenta seria o da criação de um fundo Internacional, composto por recursos de judeus e palestinos, para compensar os que perderam terras. Ficaria estabelecido que os palestinos voltariam apenas para as terras que ficassem no Estado palestino e os judeus voltariam apenas para as terras que ficassem no Estado judaico. Reconheço que esse é um dos pontos mais polêmicos da proposta.


 


5. Desmilitarização do Estado Palestino. Também aqui é polêmico, pelo fato que apenas Israel teria exército. A comunidade internacional teria que garantir a segurança entre os dois estados.


 


Breves comentários


 


Não cabe a mim, apoiador incansável da luta dos palestinos, apoiar ou rejeitar propostas. Isso cabe à liderança desse sofrido povo, que há quase 60 anos, luta pelo estabelecimento do seu estado nacional. Aliás, neste dia 15 de novembro, comemora-se o Dia da Declaração de Independência da palestina e no próximo dia 29, comemoramos, desde 1977, instituído pela ONU, o dia Internacional de Solidariedade ao Palestino.


 


 
Acho que precisamos partir de alguma coisa para estabelecer as discussões e negociações de paz. Acho que os cinco pontos acima tem polêmicas, mas podem ser encarados como pontos de partidas. Sei que radicais de ambos os lados vão boicotar esses pontos, criticá-los e acho que tem parte de razão. No entanto, acho que eles contemplam aspectos interessantes, mesmo polêmicos. Sabemos que a correlação de forças no mundo ainda é extremamente desigual para os que lutam por um outro mundo, justo e socialista. O Afeganistão e o Iraque seguem ocupados, a Síria e o Irã seguem ameaçados. Bush sofreu um revés nos EUA, mas as forças neoliberais seguem fortes e a direita tem muito fôlego, apesar da queda de alguns “falcões” americanos, como o próprio secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, que pegou o boné e foi embora.


 


 
Quando à possibilidade de estabelecimento da paz na Palestina, eu sigo cético. Até porque os que governam Israel hoje, mesmo se dizendo de orientação política centrista, fazem o jogo da direita e assumem-se como sionistas raivosos e não conseguirão a paz. O próprio primeiro Ministro Ehud Olmert, esta tentando fazer acordos com o partido de extrema direita sionista de Israel, Shinuí, correndo – e ele sabe disso – o risco de perder, mais uma vez na história israelense, o apoio dos sociais democratas que lá são chamados de “trabalhistas”. Mesmo cético, apoiaria todas as iniciativas de paz na Palestina.


 


Nota


(1) Para isso, os que se interessarem podem ver artigo de Gustavo Chacra, publicado na Folha de São Paulo do último dia 13 de novembro de 2006, na página A13, intitulado “Saída de xiitas do gabinete ameaça equilíbrio libanês”.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor