Conceitos arcaicos de Tarso Genro

Num seminário promovido pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), um notório ninho de intelectuais tucanos, pelo raivoso jornal Folha de S.Paulo e pelo Institute of Development Studies (IDS), o ministro das Relações Institucionai

Defendeu, para deleite do “seleto” público, “a redução drástica das despesas da União, com corte de salários, pensões e aposentadorias”. Para justificar a sua insólita proposta de corte dos gastos públicos, o ex-advogado trabalhista afirmou ainda que é preciso “remover o conceito arcaico de direito adquirido”.


 


O outro palestrista, Bresser Pereira, um dos principais ministros do rejeitado FHC, aplaudiu as idéias do seu colega e aproveitou para defender também “um rigoroso ajuste fiscal no próximo mandato”. Numa troca de gentilezas, Tarso Genro repetiu um discurso pronunciado por Bresser em 1995. “Temos que distinguir direito adquirido de privilégio adquirido. Os escravagistas afirmavam no século passado que a escravidão não poderia acabar porque eles tinham o direito adquirido sobre os escravos”, teria afirmado o ex-ministro da Administração de FHC para justificar, na época, a regressiva reforma da previdência no setor privado.


 


Animado com a receptividade da platéia, o atual ministro também fez questão de defender uma nova rodada de reformas previdenciária e administrativa e criticou os sindicatos do funcionalismo público que se contrapõe a essa investida. Numa declaração inábil, infeliz e injusta, ele argumentou que estes setores lutam somente para manter os seus privilégios e jogou parcelas do funcionalismo para os braços da oposição ao condenar a “união dos auditores fiscais com o PSOL e o PSTU”. Mais adiante, ele teorizou que estas reformas dependeriam de “um acordo entre as forças democráticas, incluindo a direita”.


 


Empenhado neste tal acordo, o mesmo ministro havia visitado, dias antes, alguns expoentes tucanos para propor um “pacto de não-agressão”. Essa estranha movimentação faria parte da tática reeditada do “lulinha paz e amor”, que vingou durante parte do mandato do presidente Lula e foi responsável pela opção conciliadora do governo. Mas a iniciativa de Tarso Genro não seduziu nem os dirigentes do seu próprio partido. “Não é possível construir um pacto com o PSDB, porque este partido prefere apostar na crise e na instabilidade”, criticou o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini.
 


Superávit primário


 

Numa fase de definição dos projetos que estarão em disputa na sucessão presidencial, as declarações do ministro servem apenas para semear confusão. Jogadas ao vento, elas acabam sendo usadas pelas forças contrárias ao governo Lula para dividir o campo popular e progressista. Não é para menos que a mídia burguesa deu destaque para as suas declarações. Fora do contexto, as frases de efeito propondo “corte de salários, pensões e aposentadorias” e novas contra-reformas somente reforçam o coro dos neoliberais em defesa do draconiano ajuste fiscal – este, sim, um verdadeiro “conceito arcaico”.


 


Após a queda do ministro Antonio Palocci e da sua quinta-coluna infiltrada no Ministério da Fazenda, os setores contrários ao mito do ajuste fiscal e que pregam a superação da camisa-de-força do superávit primário ganharam espaço no interior do governo Lula. A recente palestra do ministro Tarso Genro caminha exatamente na contramão desta linha desenvolvimentista. Mas a docilidade frente ao capital financeiro e a dureza diante dos trabalhadores já se mostraram uma péssima opção – frustraram setores da sociedade, fraturaram sua base social organizada e não conquistaram a confiança do “deus-mercado”.


 


Num debate tão estratégico, que diz respeito ao papel do Estado, não é bom tentar agradar a platéia. Há vários estudos que confirmam que os maiores privilégios não estão nos salários e aposentadorias do setor público. Vale a pena reler um destes estudos, que inclusive contou com a valiosa ajuda das entidades do funcionalismo, como a do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Unafisco). Ele comprova que um dos principais problemas do país é o superávit primário, esse mecanismo contábil que contrai os investimentos em infra-estrutura e nas políticas sociais para beneficiar uma minoria rentista – esta sim a parcela mais privilegiada da sociedade, composta por apenas 25 mil clãs de famílias.


 


A manutenção e ampliação do superávit é que explicam a sanha neoliberal pela redução de salários e aposentadorias. “O superávit a partir do corte nos gastos públicos significa menos hospitais e escolas, menos médicos e professores, menos transporte público”, esclarece o estudo. Só no ano passado, o dinheiro retido em caixa para beneficiar os especuladores somou R$ 82 bilhões. Estes recursos seriam suficientes para construir 16,4 milhões de casas populares, assentar 2 milhões de famílias sem-terra, gerar 4 milhões de empregos na agricultura e recuperar dez vezes as esburacadas estradas federais.


 


O estudo ainda prova que o famigerado superávit não existiu sempre e nem é aplicado em todos os países. Ele começou a vigorar no governo FHC, em 1999, imposto pelo acordo com o FMI. “Ao contrário do que muitos dizem, a política implementada pelo governo não é a única possível. Países desenvolvidos, como os EUA e alguns da União Européia, praticam contínuos déficits orçamentários, baixas taxas de juros e não aumentam tributos. Tudo isso para induzir o crescimento econômico interno”. China, Índia e Malásia também não embarcaram na onda do superávit e ainda aplicam medidas de controle do fluxo de capitais.


 



Talvez o ministro Tarso Genro, um intelectual renomado, já conheça estas informações. Mas ele preferiu atacar os servidores públicos diante da “seleta” platéia de tucanos e próceres da mídia ao invés de condenar a ditadura financeira e a especulação financeira. A turbulenta experiência do governo Lula parece que ainda não eliminou todas as ilusões. De nada adiantou a cedência ao “deus-mercado”. Afinal, a direita tem classe: liberal por liberal, vota no original. Não bastam os “confiáveis” discursos e os cínicos aplausos da platéia!

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