Com medo das urnas, Bolsonaro tenta posar como oposição

Pelas suas declarações, a direção da Petrobras parece estar acima dele próprio, embora tenha sido ele o eleito para enfrentar e resolver problemas dessa importância e magnitude

Foto: Alan Santos/PR

Em entrevista nesta quarta-feira (16) à TV Ponta Negra, Bolsonaro afirmou que a Petrobras cometeu um “crime” contra a população ao não ter aguardado um dia para promover o reajuste nos preços dos combustíveis.

Disse mais: “é impagável o preço dos combustíveis no Brasil” e que a “Petrobras não colabora com nada”.
E acrescentou: “a Petrobras se transformou na Petrobras Futebol Clube, onde o clubinho lá de dentro só pensa neles, jamais pensam no Brasil. Até mesmo o repasse de gás cozinha, algo impensável, fizeram também”.

Mas não parou por aí:

“O barril do petróleo chegou a US$ 135 na semana passada, agora já caiu e está em US$ 100. A gente está esperando, inclusive, ter um retorno da Petrobras para rever esses preços que foram absurdamente majorados na semana passada. É um problema mundial o problema dos combustíveis ocasionado pelo problema da Rússia com a Ucrânia. Qualquer nova alta a gente vai, da nossa parte aqui, desencadear um processo para que esse reajuste não chegue na ponta da linha para o consumidor. É impagável o preço dos combustíveis no Brasil.”

E foi mais longe:

“Nós não podemos interferir no preço da Petrobras. Se pudesse interferir, as decisões seriam outras. (…) Então, por um dia, a Petrobras cometeu esse crime contra a população desse aumento absurdo no preço dos combustíveis. Isso não é interferir na Petrobras, na ação governamental. É apenas bom senso, poderiam esperar um mês”.
Perguntado sobre a possibilidade de demissão do presidente da companhia, saiu-se com esta:
“Quero dizer que o presidente da Petrobras está amarrado numa série de legislação, mas a (negativa da) solicitação feita — não oficialmente, porque não podemos interferir na Petrobras e nem vamos interferir —, de atrasar um dia o anúncio do pagamento, isso pegou muito mal para todos nós aqui em Brasília”.

A rigor, o discurso de Bolsonaro não é o de um presidente da República.

Aliás, nunca o foi, nem no discurso, nem na postura, ao longo desses quase três anos e meio de trágico governo, durante os quais nada fez para interromper essa política desastrosa de atrelamento dos preços dos combustíveis e, até, do gás de cozinha, à variação do valor do petróleo no mercado internacional.

É verdade que essa política nociva, para dizer o mínimo, ao interesse nacional vem se arrastando no país alguns anos antes de Bolsonaro, mas também é verdade que ele e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, representante-mor dos interesses do mercado privado, notadamente os forâneos, nada fizeram para frear tamanha insanidade, agravando-a a cada dia, a ponto de chegarmos a essa situação inusitada em que famílias são obrigadas a cozinhar à lenha, além do impacto extraordinário dessas majorações nos preços dos alimentos.

Ele também se contradiz ao informar que houve uma variação para baixo no valor do barril no mercado internacional, o que levaria à redução dos preços praticados pela Petrobras e não à sua elevação, como tem acontecido crônica e sucessivamente.

Mente ao dizer que não pode interferir na companhia.

Ora, a União, da qual é o chefe do Executivo, tem o controle – pelo menos por enquanto – acionário da empresa e é o próprio Bolsonaro quem nomeia o presidente da estatal e sua direção.

No entanto, embora a União tenha essa participação formal, são os acionistas minoritários, especuladores privados do mercado internacional, os que mais ganham com a política de atrelamento ao dólar, assim com os importadores que substituíram a Petrobras na produção e no refino dos combustíveis.

Pelas suas declarações, a direção da Petrobras parece estar acima dele próprio, embora tenha sido ele o eleito para enfrentar e resolver problemas dessa importância e magnitude, que interferem diretamente na economia nacional e na vida dos brasileiros.

O General Joaquim Silva e Luna, Presidente da Petrobrás, em cerimônia com Bolsonaro / Foto: Alan Santos/PR

Não seria o caso, então, de perguntar à sua excelência se, doravante, os dirigentes da Petrobras deveriam ser eleitos pelo voto da população e o presidente da República nomeado por eles?

Puro escárnio.

A solução para o problema, segundo ele, é a privatização da empresa.

“Poderia ser privatizada hoje” para “ficar livre do problema”, sentenciou, como se a Petrobras, há anos, já não estivesse submetida a um processo de privatização, de desmonte, no refino e na produção, e de retalhamento. A situação só piorou ao longo desse período, mas Bolsonaro insiste no caminho da alienação completa de um patrimônio público fundamental, considerado estratégico, inclusive por países capitalistas centrais, que não abdicaram da soberania sobre o seu petróleo.

Em um país como o Brasil, cuja autossuficiência poderia ser alcançada a partir da descoberta do pré-sal, a abdicação a essa soberania representa um verdadeiro crime de lesa-pátria.

Nesse ponto, Bolsonaro desvela o plano dele próprio e dos privatistas doentios de plantão, como Guedes: reverberam aos quatro cantos a campanha contra a Petrobras com a finalidade de desmoralizá-la para entregá-la em definitivo aos abutres externos, como gostariam de ter feito desde os primeiros dias do governo.

Só não o fizeram graças à resistência da oposição, dos movimentos sociais e sindicais e, principalmente, do povo brasileiro, que tem sido vítima, não da Petrobras, mas da política bolsonarista de atrelamento aos preços internacionais que ela implementa e de concessão de privilégios aos acionistas e importadores.

As declarações de Bolsonaro, enfim, em grande medida, caberiam na boca de qualquer opositor do governo, algo revelador de seu caráter cínico e covarde.

Amedrontado com a possibilidade de não se reeleger, como indicam todas as pesquisas de opinião, apela para a hipocrisia, tentando enganar a população que nada tem a ver com os absurdos e incontroláveis aumentos nos preços dos combustíveis e demais derivados do petróleo.

Antes, jogava a culpa nos governadores, prefeitos, ministros do STF, etc.

Agora, diante de situação tão escandalosa, irresponsavelmente, tira o corpo fora e atira cenicamente em quem ele próprio nomeou.

Bem, de Bolsonaro podia se esperar tudo, inclusive o uso despudorado da mentira para posar cinicamente de opositor ao seu próprio governo.

Sinal claro de que a água está batendo no pescoço.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor