Ciência & Covardia

“A César o que é de César”

No mundo científico há razoável consenso de que no aprofundamento da pesquisa com “células troncos” poderá estar a resposta adequada à solução de vários males crônicos que hoje acomete a humanidade. Economizar-se-ia bilhões de reais com internações e longos tratamentos sem solução clínica, cuja manutenção se dá exclusivamente por razões humanitárias.


 



Apesar da inquestionável importância desse tipo de conhecimento, a maioria dos países não consegue aprofundar a pesquisa nesse campo em decorrência de “vetos” morais e dogmas religiosos.


 



E assim, enquanto o tempo passa e a pesquisa fica estagnada, o mundo científico se cobre de um incômodo silêncio. Revela uma covardia que não faz jus às tradições acadêmicas, por natureza irrequieta e precursora das novas idéias. Nenhum cientista ousou, até o presente, contestar abertamente os dogmas e reivindicar “para a ciência o que é da ciência”.


 



Esse dilema não é novo. O geocentrismo perdurou por mais de dois mil anos ancorado em dogmas e sustentado teoricamente por pensadores como Aristóteles (384-322) e Cláudio Ptolomeu (100-178), apesar das evidências científicas do heliocentrismo. Somente por volta de 1514 o polonês Nicolau Copérnico ousou fazer as primeiras observações contestando o geocentrismo e sustentando a teoria do heliocentrismo.


 



Nicolau Copérnico (1473-1543), que era matemático, físico, médico e principalmente astrônomo, também era cônego, graduado em direito canônico e politicamente moderado, o que talvez explique porque a igreja lhe moveu uma repressão moderada e foi impiedosa com os que desenvolveram a sua teoria, como Giordano Bruno e Galileu Galilei. A teoria heliocêntrica de Copérnico era de tal forma revolucionária que ele escreveu: “quando dediquei algum tempo à idéia, o meu receio de ser desprezado pela sua novidade e o aparente contra-senso quase me fez largar a obra feita”.
Giordano Bruno (1548-1600), pensador, teólogo e filósofo italiano, enfrentou abertamente os credos e dogmas da igreja católica. Em 1576 abandonou o hábito ao ser acusado de heresia por duvidar da Santíssima Trindade. Segundo ele “o uniiverso seria infinito, povoado por milhares de sistemas solares, e interligado com outros planetas contendo vida inteligente”. Por esta opinião o tribunal da inquisão lhe condenou à morte na fogueira, em 1600. Ao ser anunciada a sentença de que seria executado piamente, sem profusão de sangue (que em verdade significava a morte pela fogueira) disse: “Teme mais a Igreja em pronuciar a sentença do que eu em escutá-la”, sugerindo que a Igreja Católica saberia do crime contra a humanidade que estaria cometendo criando um mártir do pensamento.


 



Galileu Galilei (1564-1642) foi julgado pelo tribunal de inquisição em 1611 e só escapou da fogueira porque se retratou diante do tribunal. Morreu em 1642, cego e abandonado. Só foi “absolvido” em 1999, após 357 anos de sua morte. Tornou-se  a única pessoa já condenada pela Inquisição por ter defendido teses estritamente científicas e é um exemplo muito citado em debates que falem de”fé versus ciência”. Reza a lenda que, ao sair do tribunal após sua condenação, disse uma frase célebre: “Eppur si Muove!”, ou seja, “contudo, ela se move”, referindo-se à Terra.


 


Charles Robert Darwin (1809-1882), apesar da cautela, ousou demonstrar cientificamente que as espécies evoluíram a partir de um ancestral comum e da seleção natural e sexual. Com isto Darwin libertou a humanidade do maior dogma religioso de todos os tempos: o criacionismo. Consciente de que outros antes dele tinham sido severamente punidos por sugerir idéias como aquela, ele as confiou apenas a amigos próximos e continuou a sua pesquisa quase que clandestinamente.


 



Não foi simples. Eles também tiveram medo. Mas enfrentaram a intolerância, a ignorância e arriscaram a própria vida para sustentarem as suas opiniões.
Se Copérnico, Giordano Bruno, Galileu Galilei e Darwin, dentre outros, não tivessem ousado contestar o obscurantismo de sua época, até hoje as escolas estariam ensinando dogmas em lugar de ciência. Mas eles enfrentaram, com o risco da própria vida, os dogmas religiosos do “geocentrismo” e do “criacionismo” para assentar as bases científicas do “heliocentrismo” e do “evolucionismo”. E a ciência e a humanidade agradecem.


 



Como a academia de hoje se ressente de pensadores livres como eles.

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