Casa das canoas

Árvore das palavras à beira rio de Heráclito plantada
Babel das amazonas seus sete mil nomes, línguas extintas, datas caducas
bicho de sete cabeças entre chuvas e esquecimento
Espiral da maré de neurônios lesados no fluxo e refluxo do pensamento
O espaço fluviomarinho é um animal preso na jaula do tempo
paisagem invisível onde mora a Casa das canoas…

O turista não avista a cena do crime nem o guia aprendeu
a ver o peso do fogo morto dos engenhos e senzalas do rio Guamá
Alicerce de espigões de concreto armado contra o céu de Belém do Pará
à sombra do Presépio a Cidade Velha envelhece de costas para o velho rio
o Reduto deserta a época da Borracha e a zona do meretrício na Campina
ensina a sina do trabalho escravo na Casa das canoas…

Hoje o caçador das tribos extintas do reino de El-Dorado
Podia achar rastos do bicho-homem ou Hércules tapuia no cais do porto
Buscado a ferro e fogo rio acima por energúmenos e paus mandados
Aldeias assassinadas pra tirar do mato em nome do Pai, do Filho
e do santo Espírito mão de obra selvagem pra demonizar e domesticar
fornicar índias e fomentar o lupemproletariado da Casa das canoas…

Índio aqui não foi ao paraíso ou inferno nem é bom ou mau índio morto:
é caboco; morador do limbo eterno, grão do “milagre” do trabuco, tropa de resgate
delírio de malária das drogas do sertão, estrupício geral, troco de miçanga
Cão sem dono, gato do mato maracajá que deu no couro
Mina de ouro vermelho, pescador de peixe frito no prato e pirão de açaí na cuia
Este sim, o pária do Pará, filho da mãe rema/dor da Casa das canoas…

A hora da chuva lava a Casa das canoas e lesa o passado na história do futuro
apaga o sol na rua, faz germinar o grão Pará, fermenta e inventa a Cabanagem
faz tapagem da ruína da belle époque, espoca bode, provoca pororoca
moagem do sangue, suor e lágrimas da terra dos Tapuias para argamassa
do Arsenal do corpo de trabalhadores do rio construção/libertação
Cidade amazônica em evolução: cimento do tempo e espaço ribeirinho.

Viva o menino e a menina do rio paridos da lenda da Terra sem mal!
Afinal o forte do Presépio fez presepada brancarana remediada
pelo feito do caboco liberto do êxodo rural, festa do índio livre na floresta
hora da sesta, direito à preguiça e greve anticapitalista na ilha Barataria:
morra o grilhão do trabalho escravo, infame lembrança da Casa das canoas!

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