Carnaval – de volta à festa popular

Com a proximidade do Carnaval, renovaremos nosso compromisso, após restrições impostas pela pandemia da covid-19 e por um governo inimigo da cultura.

Foto: Ronaldo Nina | Riotur

No dia 1º de janeiro o povo subiu a rampa com Lula num gesto simbólico que marcou o fim de um governo contra o povo e o início de uma gestão que olharia para as maiorias minorizadas e estenderia a mão do Estado para superar as desigualdades.

Com a proximidade do Carnaval, uma festa popular que movimenta uma enorme cadeia produtiva e expõe nossa riqueza e diversidade cultural para o Brasil e para o mundo, renovaremos nosso compromisso, após restrições impostas pela pandemia da covid-19 e por um governo inimigo da cultura.

No Rio de Janeiro, os sambas enredo dão o tom da esperança e de resgate de nossas raízes e todos com uma beleza proporcional ao talento dos autores e a retomada de temas sentidos, que passarão pela passarela sagrada do samba. Nestas poucas linhas resgato alguns, com a emoção de quem aguardava o retorno dos desfiles sob os ares da liberdade e da democracia.

A Vila Isabel fará renascer “NA SAUDADE A NOSSA DEVOÇÃO (…) RESPEITANDO A DIVERSIDADE, SEJA QUAL FOR A RELIGIÃO”. Nosso sincretismo religioso valorizado e enaltecido como garantia constitucional, inscrita na carta maior por um deputado comunista, nosso saudoso Jorge Amado.

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A Beija-Flor vem de “MÁTRIA SOBERANA, EIS O POVO NO PODER / SÃO MARIAS E JOANAS, OS BRASIS QUE EU QUERO TER”, retratando o país que todos queremos ver renascer sob as bases da igualdade entre homens e mulheres. A Mocidade Independente de Padre Miguel, ressalta a “CHAMA DO BRASEIRO NORDESTINO, RETIRANTE DA SAUDADE / MAIS UM FILHO DESSE SOLO PIONEIRO / UM ARTISTA ESCULPINDO A MOCIDADE”. Na avenida, a força e a dignidade dos nordestinos, em grande parte responsáveis pela derrota do fascismo, que nos orgulham e encantam com seus sotaques e contribuição neste mosaico que compõe nossa diversidade cultural.

Lampião foi lembrado pela Imperatriz Leopoldinense. “DISSE UM CABRA QUE NAS BANDAS DO NORDESTE / PILÃO DEITADO SE ACHEGAVA COM O BANDO / VINHA NO RIFLE DE CORISCO E CANSANÇÃO”. O “Rei do Cangaço”, ora temido, ora louvado, e sua luta por vingança e direito à terra.

A Mangueira, esta escola campeã, mais uma vez traz em samba um tema que certamente será prioridade para o atual governo: “ NA PELE O SWING DA COR / O MEU TIMBAU É FORÇA E PODER / POR CADA MULHER DE LIBERTA O BATUQUE DO CANJERÊ”. Com as “Áfricas que a Bahia Canta”, a Verde e Rosa canta a ilusão da abolição da escravatura e o poder revolucionário da luta antirracista.

A mensagem do Salgueiro talvez seja a mais esperançosa. Um sonho, agora possível. Um desejo agora realizável. “NO MEU SONHO DE REI, QUERO TEMPO DE PAZ / GUERRA, FOME E MAZELAS NUNCA MAIS / A MINHA ACADEMIA ANUNCIA / DA ESCURIDÃO, RAIOU O DIA”. Uma mensagem contra o preconceito que, finalmente, encontrará eco nas políticas públicas. “QUEM SERÁ PECADOR? QUEM IRÁ APONTAR? / HÁ UM OLHAR DE QUERER JULGAR / SE CADA UM TEM SEU JEITO / MELHOR CONVIVER SEM PRECONCEITO”. A Portela traz o azul que vem do infinito. “NO LINHO, NO PANO, PESCOÇO OCUPADO / VENCEMOS MESMO MARGINALIZADOS”, uma mensagem do legado centenário da escola.

Não terminaria essas breves citações sem falar da força da letra trazida pela Viradouro. O samba da esperança. Os delírios de um paraíso vermelho, a cor da chama e da árvore que inspirou o nome do Brasil. Um paraíso que a escola entoará de forma a fazer entender que cada um o constrói a sua maneira. “A VOZ QUE COBRE O CRUZEIRO RELUZ SOBRE NÓS / NO FIM DO CALVÁRIO NAVEGA ESPERANÇA / À LUZ DO ENCANTADO REFLETE O AZUL.”

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As 12 escolas do grupo especial trazem um caleidoscópio do que nos é mais caro. Não haverá mensagem mais ou menos relevante, pois todas vem resgatar nossa potência. Todas ressoarão o grito contido durante os duros anos em que o Estado promoveu a intolerância, a mentira e a guerra entre religiões, grupos étnicos e contra os que não compactuavam com esta lógica. Quando passar a última escola, o que começou com a subida da rampa do Palácio do Planalto dará as mãos ao talento de inúmeras pessoas que fazem do Carnaval uma festa inigualável. Das mãos das costureiras e de quem concretiza em fantasias e carros alegóricos a inspiração dos autores dos sambas enredo. Os carnavalescos que contam uma história em poucos minutos. Dos pés de quem percorre a Marquês do Sapucaí sambando, suando e transmitindo a energia e a paixão de uma expressão popular secular. Do coração de quem nunca deixou de esperançar e lutar.

A festa popular resistiu na avenida e nas ruas com blocos irreverentes e ousados em todos os bairros e regiões. Grandes e pequenos esses conjuntos de cidadãs e cidadãos cantando sambas e marchas antigas e inéditas, estas ecoando denúncias e expectativas. Escolas de samba na Av. Intendente Magalhães com menos recursos e apoio fazem o carnaval da resistência com grande beleza e autenticidade, ostentando poesia e amor à nossa história e ao país. Viva nosso povo corajoso, renitente e miscigenado. Viva as mulheres que não se calam. Viva a fé do povo brasileiro. Viva nossa cultura! Viva o Brasil!

Artigo publicado orginalmente na revista CartaCapital

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