Carlos Cogoy: Eles Conseguiram

Hip-hop… Queremos dignidade! Título de reportagem em 1994. O trabalho ocupou página inteira, e foi publicado no suplemento cultural da edição dominical. Seguramente a primeira abordagem sobre a cultura de rua em Pelotas. No extremo sul do

Ao contrário do estereótipo que apresenta o gaúcho corado, pilchado – traje típico -, com terra para plantar, Pelotas é cidade negra, empobrecida, com milhares de desempregados, dominada pelo saudosismo da época de apogeu.

Situada no Pampa gaúcho, não há morros, e as favelas estão na horizontal. Naquela pauta, início dos anos noventa, a descoberta de expressão inquietante. Num “Castelo”, onde estava a Casa de Cultura na época, jovens reuniram-se para debater sobre “Posse”. Quase todos negros, descendentes daqueles trabalhadores escravizados que, explorados pelos charqueadores – proprietários das charqueadas, tipo de negócio que consistia na matança de gado -, morriam jovens devido a jornadas extenuantes. Naquele sábado, vale ressaltar que havia grupo feminino presente, os “rappers”  pretendiam unificar esforços. Jair “Brown”, Radox e Mica, moradores em locais como Arco-Íris, Guabiroba e Cohab Lindóia, eram algumas das presenças. Além das letras que narravam sobre miséria, discriminação e violência, eles miravam um local, referência, Casa, espaço, ação para fortalecer a coletividade.

Em 2006 a “Posse” ainda não saiu. A necessidade, porém, mantém-se viva. Afinal, como “movimento” haveria possibilidade de pressionar o poder público. E assim dispor de condições para conquistas efetivas. Uma defesa a promessas como a aquisição de “Technics” para oficinas na periferia. No poder, a “administração popular” jamais cumpriu o compromisso. A indiferença pode ser exemplificada com a situação extrema em 2002. Rappers da cidade, sem apoio para viajar até o município de Santa Maria, onde haveria debate sobre a cultura popular, tiveram como alternativa o deslocamento numa ambulância.

Eles não conseguiram o sucesso, associado à fama e dinheiro. Não houve revelação nacional, provavelmente em decorrência da localização geográfica. Estamos no quintal, fora da grande mídia, muito além das capitais. Mas os talentos locais, como “Ligado”, Davi, Fagundes, Betoven, Lasier, “Vovô”, Mabeicker, Makabra, Gagui-IDV, gurias do “Comunidade Negra”, Fábio, Preta G, prosseguem criando, comunicando, informando. Em pouco mais de dez anos, o Hip Hop dispõe de programas em TV e rádios comunitárias. Prosseguem os ‘zines’ como o Batida de Rua, organizado pelo Jair Brown. Já o mano Xandi do “Irmãos de Cor”, está com a loja “Authentic Hip Hop”. Além das dezenas de CDs, grupos têm produzido clipes, para divulgar os próprios DVDs. No bairro Navegantes 2, mora o Adão Pereira – produziu alguns shows do Racionais MCs na cidade -, cujos filhos integram o grupo D.N.D. MCs. Também na Internet já estão surgindo referências locais. Esse “movimento” tem atraído, além do Racionais, presenças como DaGuedes, Xis, MV Bill, Facção Central, Thaíde, RZO. Em 2004, Gog esteve participando do primeiro Encontro Municipal de Hip Hop. Público pequeno, aquém, escasso… por quê? Talvez porque o projeto ainda fosse o CD, shows e aquele “sucesso”. Mas, menos do que desestímulo, o “movimento” seguiu…  Algumas pistas talvez estejam em outras manifestações. Chegar às escolas como faz Radox com a Oficina de Ritmo e Poesia. Ir além, como a Dona Sirley, que está gravando CD aos setenta anos. Ou Mabeicker que, chegando aos quarenta anos, desde 2005 produz e apresenta o programa de tevê Hip Hop Pel.

Eles conseguiram. Sim. E estão mostrando que o Hip Hop é resistência. Emerge com a juventude, mas já é linguagem de toda a periferia. Uma estética, um compromisso, anseio, transformação. A inquietude não tem idade… Aquele grito “Queremos dignidade” continua semeando, perturbando, provocando…

Carlos Cogoy é editor de Cultura do Diário da Manhã em Pelotas/RS

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