Cargos e Estratagemas

Tentar destruir reputações apenas pela sanha de poder faz com que o país continue dividido e em luta constante

Sempre defendi e defenderei que, num Governo em que diferentes tendências políticas o ajudaram a se viabilizar, é legítimo e salutar que se reivindiquem espaços e que se façam presentes na administração as diferentes linhas ideológicas que o concretizaram. Uma frente ampla exige concessões e articulações para a consecução dos resultados esperados.

No entanto, também defendo que para assumir um cargo é fundamental ter alguns pré-requisitos. A competência técnica compatível com o cargo a ser exercido; o direcionamento das ações do Órgão para as missões que lhe são inerentes, evitando o seu uso desvirtuado; o compromisso com os objetivos maiores do governo em que se quer participar.

As lutas por espaços governamentais sempre foram e serão acirradas. Importante ressaltar, contudo, que não pode ou não deveria poder fugir aos princípios da ética, não são admissíveis estratagemas que fogem desta e fazem um jogo baixo e sem escrúpulos.

Digo isso porque já fui, sem saber, vítima desse perfil. Faz mais de vinte anos, participei num governo em cargo que muito me honrava. Tinha sido convidado por um Secretário que acreditava em meu perfil técnico para a missão que me incumbira.

Toda semana, esse Secretário se reunia com um presidente de instituição para a discussão de encaminhamentos a serem dados. O início da conversa era sempre uma explanação daquele presidente sobre minha pessoa, sempre, sem nenhum fundamento, apresentando o quão nocivo eu era para o governo e como estava deturpando minhas ações.

Um dia o Secretário perguntou o porquê disso, na medida em que estava satisfeito com o meu trabalho e com o desempenhar das ações. A resposta foi direta: “Nosso governo é de centro direita e ele é de esquerda”.

Consultando o Governador, se toma uma posição. Resolvem demitir…. o denunciante e não eu. Minha posição era pública e conhecida, estava cumprindo minhas tarefas, com o firme compromisso de ajudar a modificar o Estado na área em que tinha algo com o que contribuir.

Por que vem o recordar dessa história? Tudo a ver com fatos atuais da administração pública federal.

O Centrão desejar Ministérios e Instituições Federais é legítimo desde que garanta a governabilidade e o avançar do projeto exitoso nas urnas.

Verdade que é estranho ver figuras que fizeram críticas mordazes a esse projeto participando do governo, pessoas que até dezembro passado eram aliadas incondicionais de um projeto de País que vinha tendo conseqüências extremamente nefastas. Mas, em prol do avançar, pode até ser aceito. No entanto, tem que ser buscado de uma maneira limpa e, se possível, transparente.

O tema deste artigo está afeto à indignação. Indignação com um movimento que usa meios totalmente reprováveis para “queimar” a indicação do professor Márcio Pochmann para a presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Pode-se até questionar seu ativismo político, suas bandeiras de luta, seus princípios e perfil de pensamento. Com os quais eu concordo. Acho  equivocado, mas faz parte do jogo de poder.

Infelizmente, no entanto, não foi por esse caminho que se tentou desestabilizar a candidatura. Ao contrário, o movimento orquestrado, com forte suporte da mídia tradicional, partiu para ataques pessoais e sem fundamentos.

Disseram que não teria competência técnica para desempenhar a função. Que era um político meramente defensor de princípios ideológicos. Lembrar que Márcio é Professor Titular da Universidade de Campinas, na área de Economia, com inúmeros trabalhos que se preocuparam em entender a formação histórica das desigualdades no Brasil. Foi Professor visitante em países avançados como França e Inglaterra. Foi consultor da ONU, principalmente na Organização Internacional do Trabalho, na UNICEF e na CEPAL. Estas experiências, per si, mais que o qualificam para o cargo que ora está sendo confirmado pela Presidência da República. É um perfil bastante coerente com o cargo que vai desempenhar.

Pior, chegaram a insinuar que poderia manipular dados, que poderia utilizar o cargo para desvirtuar as estatísticas oficiais. Causa estranheza não terem se levantado contra o governo anterior quando houve inúmeras “correções” de metodologias, para atender interesses momentâneos.

Nada ofende mais um acadêmico do que ser chamado de manipulador. E isso foi feito de propósito para assustar toda a população e enxovalhar a figura pública de Pochmann. Chegou-se a aventar que poderia dar informações desvirtuadas para camuflar o índice de inflação. Uma ação deliberada para colocar em dúvida o caráter do Professor e sua idoneidade.

Acredito que não se construirá um país a qualquer custo. É fundamental ter comportamentos éticos e apresentar os fatos dentro da realidade existente. Tentar destruir reputações apenas pela sanha de poder faz com que o país continue dividido e em luta constante. Sejamos mais honestos.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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