Cair para ser semente

Em Cuba, todos os anos se podem ouvir as últimas palavras de José Antonio Echeverría minutos antes de ser morto pela polícia de Fulgêncio Batista em1957. E escutando sua firme e convicta mensagem, percebe-se bem a intrepidez que configurou aquele moviment

Exatamente às 15h21min de cada dia 13 de março, a emissora Rádio Relógio de Havana reprisa o chamamento feito ao povo cubano pelo jovem Echeverría noticiando uma das façanhas mais audazes protagonizadas pelos estudantes universitários. Em que pese não ter logrado o êxito esperado naquele momento, a invasão ao Palácio Presidencial na tentativa de derrubar a ditadura batistiana simboliza bem a célebre frase do próprio Echeverría de que é preciso “cair para ser semente”.


 


É importante conhecer bem essa história que precede a revolução cubana, forjada, sobretudo, pelo movimento estudantil através da Federação Estudantil Universitária, a FEU de Cuba, a qual Echeverría era presidente quando caiu em combate e que Fidel, em suas próprias palavras, se fez revolucionário. Esmiuçar a biografia do combativo movimento estudantil cubano no prelúdio da Revolução para dela extrair lições e ensinamentos que nos são universais.


 


Como bem registra a matéria especial do periódico cubano Granma, do dia 13 de março último, intitulada “Una batalla dada em La Habana por la Revolución”, esta história teve como marco o 26 de julho de 1953, com o ataque ao Quartel Moncada em Santiago de Cuba, por um grupo de jovens, que seu líder Fidel Castro, identificaria posteriormente como a Geração do Centenário. Um desses jovens que havia decidido enfrentar a nascente tirania de Fulgêncio Batista era José Antonio Echeverría.


 


José Antonio seguiria uma linha de radicalização da luta que caracterizaria sua vida, enfrentando elementos oportunistas e deslocando-os da direção da FEU, até se tornar o líder da massa estudantil revolucionária, que conduziria a grande manifestação de 15 de janeiro de 1953, como protesto pelo ultraje ao busto do também líder estudantil e fundador do Partido Comunista de Cuba, Julio Antonio Mella (assassinado em 1926, no México), inaugurado cinco dias antes na praça frente à escadaria da Universidade de Havana.


 


Cinco meses depois ocorreria o célebre ataque ao Quartel Moncada com que Fidel, egresso do movimento estudantil, e seus heróicos companheiros, iniciariam a marcha até o triunfo da Revolução. Eis aí um processo de ascensão de um movimento estratégico e auxiliar da Revolução (ou de rupturas parciais como foi mesmo o feito brasileiro do impeachment de Collor – que até hoje chora seu trono – quando UNE e UBES lideraram os estudantes em grandes mobilizações) que soube cumprir seu papel histórico, quando chamado.


 


A FEU de José Antonio continua acumulando força e prestígio político e ocupa lugar de destaque na campanha pela libertação de Fidel e de todos os moncadistas presos, e quando a ditadura anuncia soltar apenas outros presos políticos a FEU exige também a liberação de Fidel e seus companheiros. A pressão sobre Batista foi aumentando através de grandes mobilizações e o regime foi obrigado a liberar todos os moncadistas, inclusive Fidel.


 


Nesse momento já havia sido fundado o Diretório Revolucionário da FEU e se radicalizava a luta de massas, com manifestações e greves de trabalhadores numa importante aliança, que se conduziria ao movimento armado.


 


Foi um processo contínuo e ascendente das massas radicalizadas que havia iniciado o processo revolucionário com o desembarque de Fidel a frente do destacamento Granma em 2 de dezembro de1956 e que se estenderia até a capital do país com o levantamento armado liderado por Echeverría naquele 13 de março de 1957.



 
A linha de ação armada foi seguida pelo Diretório com ações durante o final de 1956 e princípios de 1957. Todavia ficava pendente para a continuação do plano uma operação de emergência que consistia em tomar mais armas em Havana Velha para organizar, sobretudo, emboscadas contra a repressão e mais ações contra a ditadura.



 
Com alguns êxitos relacionados a aumento do arsenal, surgiram novos planos com objetivos mais audaciosos ao contarem com um armamento superior em número e em fogo. A vontade daqueles jovens estudantes em derrotar a tirania imposta ao país fazia equilibrar o quadro desfavorável em relação à falta de experiência e até mesmo à limitada compreensão política da tática mais acertada no combate ao regime opressor naquele momento.



 
Assim, os planos foram sendo cada vez mais audazes e os objetivos sendo perseguidos com mais rigor e empenho. Naquele momento os objetivos seriam três: Assalto ao Palácio Presidencial, invasão a uma emissora que seria a Rádio Relógio para difundir a voz do movimento revolucionário e a ocupação da Universidade de Havana como sede de seu estado maior.


 


O grupo que assaltou o Palácio Presidencial estava formado por 50 pessoas e o plano se baseava no elemento surpresa. Tinham conhecimento do local, pois haviam conseguido uma planta de todo o edifício. Assim, saíram às três horas da tarde rumo ao Palácio usando dois carros e um caminhão, enquanto outro grupo, encabeçado por Echeverría, se encaminhou à Radio Relógio. Echeverría queria participar do assalto ao Palácio, mas foi convencido pelos seus companheiros de que a mensagem deveria ser proferida pela sua voz que era mais conhecida da população, além de conferir mais legitimidade e credibilidade ao comunicado devido a projeção política que tinha.


 


Ao chegar ao Palácio, o primeiro carro entrou rápido e começou a disparar sendo contestado a balas pela guarda. Entretanto, o caminhão encontrou mais dificuldades em entrar em operação devido a um ônibus que desafortunadamente cruzou o caminho retardando seu avanço. O regimento do Palácio estava integrado por aproximadamente 300 soldados e os lugares de acessos mais difíceis eram o primeiro piso e o teto. Um grupo devia subir por uma escada lateral até o escritório do presidente Fulgêncio Batista e outro entraria pela escadaria central. O objetivo era tomar o Palácio (sabendo dos imensos riscos que corriam suas vidas) e logo sair pelas ruas divulgando a morte de Batista.  Enquanto isso, Echeverría deveria noticiar o fato e conclamar o povo, através da Rádio Relógio, a ir a Universidade pegar armas para defender a Revolução. Esse era o plano idealizado.


 



José Antonio Echeverría foi assassinado pouco depois ao fugir da rádio. Tombou ao lado de sua universidade querida. Junto com Echeverría 30 outros jovens tombaram por defenderem uma Cuba livre.


 


A par daqueles que possam fazer uma análise mais superficial dos fatos e realçar o amadorismo da ação, há de se exaltar a obstinação e o amor a pátria e a liberdade dessa juventude que nunca aceitou a ditadura de um governo capacho aos Estados Unidos. Nunca aceitou que seu país fosse um quintal do Tio Sam. Uma juventude que doou a própria vida pela Revolução que não viu triunfar.


 


Os feitos de 13 de março de 1957 certamente entraram para a história de Cuba como uma das façanhas mais audazes de todas as lutas, e para o movimento estudantil de todo o mundo, uma demonstração inconteste da combatividade da juventude e uma mostra do verdadeiro significado da palavra rebeldia para os estudantes, em seu sentido mais revolucionário e digno da sua concepção.


 


Caíram quase todos. Cair para ser semente. Há de se dizer que dessas sementes vingaram vigorosos frutos, dentre eles a própria Revolução Cubana que há 49 anos vem segurando firme a bandeira do socialismo e inspirando até hoje os povos de todo o mundo, em especial nossa América Latina.


 


Viva Echeverría e os combatentes de 13 de março!

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