Bolsonaro e o seu bonapartismo medíocre

Torna-se necessário agilidade na formação de uma frente ampla e de ações por todo o Brasil, numa contraofensiva para agregar cada vez mais setores democráticos

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Jair Messias Bolsonaro sempre foi uma figura conhecida no mundo político que frequenta o Congresso Nacional. Embora participante do chamado “baixo clero”, pela inexpressividade de sua atuação e comportamento, sempre usou de um discurso ofensivo e agressivo para se destacar e chamar a atenção. Defensor funesto da ditadura militar, e entusiasta de torturadores, usou seu mandato para atacar de forma desrespeitosa e agressiva os que dedicaram sua vida a combater as injustiças sociais e a lutar por democracia e liberdade em nosso país.

Por esse currículo não era de se esperar outra coisa de Bolsonaro enquanto presidente da República. Guindado a esse cargo por um acidente de percurso, um golpe que tomou um rumo inesperado e terminou por afundar boa parte dos golpistas. Evidente que a política não é uma ciência exata. As circunstâncias de momento, conjunturais, é que determinarão o sucesso de determinados setores e até mesmo o aparecimento de lideranças (ou aventureiros), à esquerda ou à direita. O ataque à política, e às instituições, iniciados desde 2013, no começo de uma série de manifestações que não surgiram ao acaso, mas foram fruto de uma guerra híbrida que se espalhava por lugares estratégicos pelo mundo, seguindo-se o interesse de seu principal patrocinador, os EUA, funcionou como um tsunami no Brasil. Derrubou a esquerda, a centro-esquerda e a direita tradicional, intitulada democrata ou liberal, para atingir as transformações que o nosso país viveu, principalmente na virada do século, e que o havia guindado a um forte protagonismo na geopolítica mundial.

Restou o discurso ralo, oportunista, anticorrupção (mantra cantado desde tempos remotos de nossa história e sempre instrumento dos golpistas) e, de maneira ofensiva, de resgate a uma ditadura perversa que consumiu nossos direitos e eliminou vidas durante 21 anos. Na esteira do desespero e da desesperança de uma população que se viu envolvida numa enorme confusão que ela não entendia, potencializada por fake news, lawfare, e uma vergonhosa campanha midiática, o Brasil seguiu descendo a ladeira, como na música do eterno Moraes Moreira, morto em meio à essa desesperança de um país refém de estúpidos neofascistas.

Diante disso, e erguido a condição de “mito”, o Capitão se viu diante de um Poder enorme, de comandar o maior país da América Latina, em todos os sentidos, seja na dimensão territorial ou no poderio econômico regional. O que esperar de quem por décadas repetiu um discurso de endeusamento de uma ditadura pérfida, e de excomungar a esquerda, principalmente os comunistas? Gigante no discurso verborreico e chulo, tem demonstrado ser um pequenez na forma de governar. Absolutamente incapaz e incompetente, tem levado de maneira célere o nosso país para um abismo profundo. A incidência da Covid19 e suas consequência perversas, encontrou um campo fértil para a disseminação do vírus, ampliando a situação de caos e de irresponsabilidade de um governo que em nenhum momento nos últimos meses desse desespero que atinge o Brasil e outras partes do mundo, conseguiu coordenar ações e liderar o combate à essa pandemia. Ao contrário, agiu sempre de maneira irresponsável para solapar e impedir que as ações dos governos estaduais e municipais pudessem ter sucesso no combate à doença.

O comportamento tosco que o marcou como parlamentar assumiu uma dimensão terrível para o nosso país, como presidente da República. Bolsonaro é um profeta do caos. Ele precisa criar confrontos e conflitos, isso faz parte de seu comportamento e personalidade. Sua obsessão é se tornar um ditadorzinho que ostente sobre seus ombros os quadros sombrios de seus heróis militares, que governaram esse país de forma criminosa por duas décadas, mas que ele expunha orgulhosamente em seu gabinete no Anexo IV do Congresso Nacional enquanto foi um inexpressivo parlamentar.

Portanto, é preciso estar atendo aos seus movimentos. Ele é um obcecado por ditadura. Já deveria ter sofrido um processo de impeachment. Os seus crimes são muito maiores dos que os cometidos por Fernando Collor, e muito mais quando falamos de Dilma Roussef, retirada do governo por um golpe perverso, midiático e oportunista, sem que nada se tenha sido provado contra ela.

Mas, porque Bolsonaro age com comportamentos medíocres, cometendo diversos crimes de responsabilidades e não sofre processos de impedimento? Essa é uma questão que nos remete a analisar a conjuntura política brasileira e como ficou constituído o quadro da divisão partidária no Congresso Nacional. Bolsonaro se elegeu com um discurso da antipolítica e atraiu em torno de si um bando de anencéfalos que repetem seus mantras de forma agressiva, e usam as redes sociais para destruir reputações, com base em fake news. E alguns, inclusive, são parlamentares. São criminosos virtuais, que não temem serem descobertos, pois se escoram no poder de seu chefe-mor.

Sem quadros na sociedade, com competência suficiente para assumirem a condição de gestores nas diversas áreas, complexas pela dimensão de um Estado como o Brasil, Bolsonaro se escora em quem ele se agachava para engraxar suas botas: os militares. Desde o começo de seu governo foram guindados a cargos estratégicos importantes, quadros militares, generais inegavelmente preparados em suas formações de oficiais. Mas ser um militar competente não o torna um político hábil, nem muito menos um gestor qualificado. E isso vai se demonstrando com o passar do tempo, e é ruim por outros aspectos, já que fragilizam o respeito das forças armadas brasileiras.

No entanto, o Poder tem um elemento enfeitiçador, que inebria aqueles que assumem cargos importantes. A vaidade se soma à concentração de poderes e isso faz com que se invertam aquela condição anterior, e o lambe-botas tornou-se o comandante-em-chefe. São poucos os que abrem mão desse poder, mesmo subalterno, estando em cargos importantes no Estado brasileiro. E, assim, foi se configurando um governo que só tem nos militares sua base de confiança, até por conta da esquizofrenia que caracteriza a personalidade do presidente.

Mas se antes era falta de alternativa, o que se vê nos últimos meses é parte de uma estratégia, a meu ver cada vez mais nítida. Bolsonaro ampliou enormemente o número de militares em cargos importantes, espalhados por diversos ministérios, principalmente naqueles de interesses mais estratégicos. Não me parece que ele queira dar um golpe. Tempos atrás ele mesmo usou uma frase emblemática: “como eu vou querer dar golpe, se eu sou o presidente?”, disse numa roda de jornalistas.

Aqui chamo a atenção para duas referências, que a meu ver estão em suas atenções e estudos. A primeira da Venezuela, por um viés oposto ao que levou o Maduro ao Poder, Bolsonaro vê na forma de defesa do presidente, com a força popular armada a garantia de sua sustentação. Lá o governo venezuelano tem o povo a lhe dar suporte, aqui Bolsonaro deseja fortalecer as milícias e o poder das polícias, para sua sustentação. Por outro lado, do ponto de vista da forma de administrar o Estado, acredito que ele vê no Egito o seu modelo ideal, onde até mesmo na economia, e na condução de estatais importantes que têm fortes atuações no mercado de ações, os militares são os gestores há mais de quarenta anos. E se fortalecem em golpes internos com eleições na sequência para se garantirem no poder.

Assim vai sendo montado o governo Bolsonaro, com a distribuição de militares em postos chaves, e a ênfase em benesses para satisfazer os interesses das corporações militares, estaduais e federais, para ter uma força armada que lhe defenda de possíveis ameaças. E aí se encontra a razão e obsessão para ter o controle da Polícia Federal.

Mais do que um governo, uma forte resistência. Bolsonaro está se preparando para conter qualquer tentativa de impeachment que tente destituí-lo do Poder. Daí também a preocupação com o protagonismo dos governadores, porque o que o preocupa é o controle das Polícias Militares, que ele deseja ter ao seu lado na hipótese de uma resistência. É evidente que não restará outra saída às Forças Armadas se não apoiar os seus que estão espalhados, às centenas, por postos chaves da administração federal, e uma grande parte são generais.

Ao que me parece esses movimentos e essas intenções já chegaram aos ouvidos do presidente da Câmara, daí a sua relutância e até mesmo diminuição na ênfase como estava tratando até então Bolsonaro. Esse grupo vive de ameaças, eles jogam sempre no ataque, e não desejam esconder seus objetivos. Se agarraram ao Poder e não sairão dali facilmente. Aproveitam-se de um momento de crise sanitária, de disseminação de uma doença perversa, e apostam no caos, nas revoltas sociais, que ele procura direcionar contra os governadores, principalmente os seus desafetos.

É preciso trabalhar com essas hipóteses na forma de preparar uma ação contra os desmandos desse governo. Já se vacilou por muito tempo, perdeu-se, talvez, o time exato, quando Bolsonaro fez um discurso golpista em frente ao Quartel General do Exército. Torna-se necessário agilidade na formação de uma frente ampla e de ações por todo o Brasil, numa contraofensiva para agregar cada vez mais setores democráticos. Mas é preciso que essas vozes sejam mais firmes e que encontrem formas de convencimento de uma parte da população que ainda se ilude com o “populismo” grosseiro, anti-povo, por mais contraditório que isso pareça ser, de Bolsonaro.

Tic… tac…  o tempo vai passando, e quanto mais passa, mas favorece as suas diatribes e o desejo de estabelecer no país um bonapartismo reles, medíocre, mas que garanta a continuidade do poder nas mãos de sua família.

Nota

“O bonapartismo é a forma de governo em que é desautorizado o poder legislativo, ou seja, o parlamento, que no Estado democrático representativo, criado pela burguesia, constitui o poder primário, e em que se efetua a subordinação de todo o poder ao executivo, dirigido por um grande personagem carismático, que se apresenta como representante direto da nação, como garante da ordem pública e como árbitro imparcial diante dos interesses contrastantes das classes” (BOBBIO, 1994, P.118). Citado por ADAMO, D. A. e OLIVEIRA, Marcelo A. D. de. A história do conceito de Bonapartismo: os Bonapartes vistos por Tocqueville e Marx. http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/4084.pdf

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