Balanço e perspectivas

A agenda da luta anti-racista e da promoção social para população negra ao longo de 2007 foi intensa, com duros ataques de um minoritário segmento da intelectualidade, da grande mídia e do agronegócio; resistências do movimento negro e avanços nas polític

A agenda oficial e do movimento negro para o futuro próximo é promissora, estamos em terreno fértil, de modo que a perspectiva de avanço se substancia. Quero dizer que apesar das históricas injustiças cometidas contra a população negra; da desigualdade econômica e social que privilegia uma minoria branca em detrimento da coletividade e da maioria negra; da insistência do racismo, o Brasil tem demonstrado as condições necessárias para superar as nefastas conseqüências do racismo.


 


 


Das afirmações acima a mais perene é a fertilidade do Brasil para superação do racismo. A constituição una e singular do povo brasileiro fundamenta esse argumento. Somos um povo com grande grau de mestiçagem, entendendo mestiçagem como encontro e amálgama de povos nas mais variadas dimensões: biológica, cultural, religiosa, lingüística, social, moral. O encontro não é necessariamente harmonioso, é histórico e produz resultados objetivos. No Brasil não expressamos coletivamente ódios e conflitos étnicos que impeçam a coexistência entre as diferenças, embora objetivamente existam conflitos. As ressemantizações das culturas originárias (Europa, África e Brasil) tiveram presença de todos os povos e etnias – vemos exemplos em dois ícones da nacionalidade brasileira: a singularidade do carnaval brasileiro que é herança de Portugal e o sincretismo expresso na religião umbanda que é composto por elementos do catolicismo, do candomblé e da espiritualidade indígena.


 


 



No decorrer desse ano duas obras: “Não Somos Racistas – Uma Reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor”, de Ali Kamel, Diretor-executivo de jornalismo da Rede Globo e colunista do jornal O Globo e “Divisões perigosas – Políticas raciais no Brasil contemporâneo”, organizado por Peter Fry, Yvonne Maggie, Marcos Chor Maio, Simone Monteiro e Ricardo Ventura Santos, membros da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Fundação Oswaldo Cruz, marcaram o enfrentamento do pensamento anti-racista e do conservadorismo que insiste em negar a existência do racismo, algo que o Estado Brasileiro oficialmente reconhece desde a época do governo FHC. Esse ataque a legitimidade de todas política de promoção de igualdade racial, somada com a tentativa de extinguir o Decreto Presidencial 4887/03, pelo Deputado Federal Valdir Colatto (PMDM – SC), da bancada ruralista, mobilizou reações e resistências de vários segmentos sociais e do governo.


 



 


Como resposta intensificaram a defesa da Lei 73/99, que estabelece reserva de vagas nas universidades públicas para negros e alunos pobres oriundos de escola pública; cresceu o apoio ao Estatuto da Igualdade Racial, em São Paulo há um fórum de entidades negras colhendo cem mil assinaturas em apoio aos dois projetos de lei, como resultado imediato dessa pressão foi instituído pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Dep. Arlindo Chinaglia, uma comissão Especial para estudar os referidos projetos, o objetivo é desengaveta-lo após dez anos de trâmite no Congresso; o governo ratificou seu posicionamento favorável ao Decreto 4887/03, que estabelece procedimentos para regularização das terras ocupadas por comunidades quilombolas, além de garantir que as políticas públicas sociais destinadas às comunidades quilombolas cheguem ao seu destino, tais como a Bolsa-Família, Luz Para Todos, Quilombo-Axé; fortaleceu o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial – FIPIR, cujo objetivo é de estabelecer prioridades e ações comuns no campo da igualdade racial entre os entes federativos, hoje o FIPIR conta 23 estados e 480 municípios membros – elegeram a educação como eixo prioritário, darão encaminhamento a vários projetos para implantação da Lei 10.639*. Os alvos principais do ataque do conservadorismo racista continuaram intactos, embora haja morosidade na aprovação das leis e na efetiva regularização das terras quilombolas.


 


 



No bojo dessa luta política o movimento negro em 2007 teve flexões organizacionais e políticas importantes:  a juventude negra organizou em 26, 27, 28 de julho, em Lauro de Freitas, Bahia, o Encontro Nacional de Juventude Negra – Enjune, inaugurando a organização de um segmento fundamental para desconstrução do racismo. O movimento negro desde janeiro está em congresso, trata-se do 1º Congresso Nacional de Negras e Negros do Brasil – Conneb, cujo objetivo é de elaborar, através das mais diversas forças políticas que compõe o movimento, um projeto político para defendê-lo unitariamente na sociedade brasileira, a expectativa é que o processo congressual se encerre em junho de 2008, em Salvador. Os quilombolas travaram duros embates pela manutenção da terra e expulsão dos grileiros, em outubro organizaram uma caravana nacional a Brasília, saindo da invisibilidade e mostrando a face oculta do Brasil – a da mulher e do homem do campo, pobre, negro, mestiço, semi-analfabeto, de espírito coletivo e detentor de direitos sobre terras cobiçadas pela elite rural. O Povo de Santo (candomblé e umbanda) tem garantido presença em diversas manifestações pública denunciando ao poder público a intolerância religiosa e a perseguição racista de algumas estações de rádio e canais de televisão.


 


 



A perspectiva para o próximo ano é animadora, todo movimento negro se mobilizará diante da agenda do 120 anos de abolição da escravatura, nela se garantirá o necessário debate, pois o silêncio atrapalha a luta de qualquer movimento social. No decorrer do ano haverá eventos importantes: a 2ª Conferencia Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Conferência das Américas organizada pela ONU a fim de reavaliar a aplicação dos Planos de Durban** pelos Estados membros da América, a fase final do Conneb. O governo federal através da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR executará dois bilhões de reais na agenda social quilombola – é bom que se diga que antes do governo Lula nunca existiu tanto investimento do Estado Brasileiro nessa área, sob qualquer governo, somente quando a Coroa Portuguesa, após décadas de ataques frustrados, mobilizou forças nacionais e estrangeiras para extinguir o Quilombo de Palmares e assassinar Zumbi. Haverá, sob o controle da Subsecretaria de Ações Afirmativas da Seppir, investimentos na ordem de 80 milhões com juventude, saúde e educação. Os comunistas que atuam na Unegro estarão sintonizados com toda agenda anti-racista que se dará no curso de 2008, apoiará todas iniciativas positivas e questionará as negativas. Além de organizar uma atividade nacional em São Paulo no dia treze de maio, festejar em todo país seu aniversário de 20 anos e realizar o Encontro Nacional de Mulheres da Unegro.


 



Notas


 


* Lei 10.639 – Institui através de uma emenda na Lei de Diretrizes e Bases – LDB a obrigatoriedade do ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira nas escolas do país.


 


**Planos de Durban – Resultados da III Conferência Mundial Contra o Racismo,  Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, organizada pela ONU em 2001, na África do Sul, Durban.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor