As redações do vestibular

Neste dezembro multidões de estudantes caminham no Brasil para uma folha em branco. Ali, deverão escrever a redação do vestibular em um mínimo de vinte linhas.  Mas antes da aprovação, devem começar a provação, pois, entre a folha e o medo, entre o desconforto da sala e o dia de sol lá fora, terão que lembrar, sem alcançar a razão do que se lembram, algumas lições dos professores:

  • Escolha o tema mais ligado a seu conhecimento do mundo;
  • Crie um esquema prévio do texto, definindo qual será a tese e selecionando os argumentos. ­­Em seguida, estabeleça os alicerces da argumentação: dados estatísticos, exemplos, fatos históricos;
  • O seu texto deve primar pela correção gramatical e pela formalidade;
  • Tente apresentar a sua tese de forma criativa, como técnicas de suspense, gancho-frio;
  • Seja objetivo e sistemático no desenvolvimento, seus argumentos devem estar bem embasados;
  • Uma conclusão criativa também ajudará a valorizar o texto.

Não sei se o leitor me acompanha, mas às vezes eu penso que os professores falam para uma turma vazia de alunos quando enunciam tais lições. Entre os temas dados em uma prova, vamos supor, o conceito do tempo na física da relatividade e no romance de Marcel Proust, qual desses o  jovem estudante escolheria como o tema do “seu conhecimento do mundo”? Está certo, não precisaríamos ir tão longe. Vamos supor qualquer leve tema que remeta a um conteúdo científico ou filosófico, a saber, um “só sei que nada sei” ou o princípio da inércia, qual deles o estudante escolheria dentre a sua vasta, larga e profunda experiência?

Passado esse fácil obstáculo, eis que o nosso mártir deverá lembrar-se de fazer um esquema prévio (diria, prévio até ao conhecimento), definindo a sua tese e selecionando os argumentos. Isso os mestres recomendam como se fosse nada. (Quem escreve colunas, sabe o custo desse nada)  Supondo que o estudante escolhesse o princípio da inércia para ilustrar a queda violenta quando apertou súbito o freio da bicicleta veloz. Então deveria fazer um esquema prévio à tese de que apertar o freio de repente é mau para o corpo, e para a cabeça, quando se está em movimento. Desse esquema, que não sabe ainda como será, deve selecionar o que seria relevante deste como talvez venha a ser. E para isso, estabelecer bem os alicerces  com dados estatísticos, fatos históricos, em suma, com todas as pedras que lhe caem à cabeça.

Isso lembra o poeta Manuel Bandeira, que no poema Pneumotórax escreveu que para a tuberculose a única coisa a fazer era tocar um tango argentino. Pois o estudante na sua  redação deverá ter, e os minutos, e as horas passam sem que nada lhe ocorra, argumentos sólidos, e de acordo com a norma culta, formal, mas criativa, com técnicas de suspense, de “gancho-frio”, o que é mesmo isso?, e tudo em mais de 20 linhas, das quais ele não possui a mais remota ideia de como será sequer a primeira. Ah, mas sem esquecer que o título deve ser breve e criativo e estar intimamente ligado ao que for escrito.

Então, o que fazer? Poderia perguntar um leitor. De minha própria experiência, eu recomendaria: esquecei as regras, ó jovens que entrais nesse inferno. Leis, regras, modos ou técnicas de estar, de  ser e de fazer não se aplicam ao escrever. Isto, o que faço agora  neste momento, não é nem pode ser um carimbo, um sinete, uma fórmula, uma armadura prévia para todos os corpos. Se em algum lugar existe uma regra para escrever, se e somente se, supondo que haja ou exista, ela se resume a uma só: pense, medite sobre o tema antes de escrever. Mas como? Eu já ouvi de muitos estudantes: “como pensar, se nenhuma idéia me vem?” Vale dizer, como, se ele fica absolutamente estúpido diante da folha em branco? Acredite, amigo, esse vazio no cérebro ocorre com 99,999% das pessoas, jovens ou velhos, mestres ou estudantes, escritores ou jornalistas. O que nos salva é uma coisa anterior a esse vácuo: os longos anos de aprendizagem, de leitura, de tentativas e de fracassos, e nem sempre nessa ordem.

E um jovem, um ser de menos de 20 anos, como haveria então de conseguir um fruto proibido à inexperiência? Nelson Rodrigues responderia, envelheçam. Mas como envelhecer em 20 linhas até o próximo domingo? Quem assim pergunta, está na verdade perguntando: se eu prosseguir na vida que levo, sem ler, sem estudar, sem discutir, pensar, sim, se eu assim continuar, como escreverei uma boa redação?

Simples: a única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

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