As décadas perdidas – o período entre guerras

Duas guerras mundiais ocorreram nos primeiros 50 anos do século passado.
Inicialmente o conflito extremou as grandes potências europeias : a França e sua aliada a Inglaterra, contra a Alemanha. Conflitos que, embora distintos, foram batizados, pela

A primeira Guerra do século passado inaugurou uma sequência traumática de acontecimentos que abalaram as relações internacionais e provocaram mudanças nos regimes políticos, na geopolítica (antigas colônias), mas, substancialmente, na economia dos povos. Instituições desapareceram, outras foram criadas, o poder hegemônico na ordem internacional desliza do grande poderio naval da Inglaterra para o maior e indiretamente beneficiado Novo Mundo, onde despontava o império norte americano. As guerras hipotecaram a precedência financeira e comercial do Reino Unido, da sua insuperável marinha, prenunciando o desfalecimento da moeda que reinou durante mais de dois séculos sobre o mundo, a libra esterlina. Ingressando na Guerra somente em 1917, os Estados Unidos não sofreram os enormes desgastes que a ocupação territorial dos beligerantes europeus suportaram.


 



Depois da Primeira Guerra, os países tentaram pôr o novo vinho em velhas garrafas, mas isto não deu certo, observou o economista keynesiano Alvin H. Hansen, para quem há uma vasta diferença entre o desempenho econômico da 1ª Guerra e o que se seguiu à 2ª. Estagnação é o signo da 1ª, enquanto expansão e desenvolvimento caracterizaram a 2º. Essa expansão ocorreu graças ao conjunto de políticas econômicas adotadas, no período denominado pelos historiadores econômicos de “compromisso keynesiano” e o resultado foi uma incrível, na expressão de Hansen (outburst), explosão de crescimento, de aproximadamente 20 anos,até os anos 70.
Após o término da Primeira Guerra seguiu-se persistente declínio na economia europeia, espelhando-se nos dados da desocupação: no Reino Unido: a média do desemprego foi de 14,2% por 18 anos, de 1921 a 1938.


 



Na Alemanha , em 1923, como decorrência da guerra e da ocupação francesas do Rhur – a riquíssima região carbonífera alemã -, iniciada para obrigar os alemães a cumprir a quota de suprimentos devida à França,  ocorreu a maior inflação de toda a história monetária. Os marcos eram transportados em carrinhos de bebês e bem depressa para compras essenciais. O ano fatídico caracterizou esse aspecto tragicômico, mais trágico do que cômico, pois numerosas pessoas perderam muito, algumas tudo. Os padrões éticos despencam em situações semelhantes. A seguir, a média germânica de desemprego foi de 18% até 1932. Muito alta e somente declinaria após a auto denominada Tomada do Poder, por Hitler.


 



Isso ocorreu num momento em que socialistas e comunistas alemães aproximavam-se do poder pela via eleitoral. Nesse momento, as correntes conservadoras, sempre poderosas na Alemanha, uniram-se a Paul Von Hindenburg (1847-1934), presidente da República Alemã (conhecida por República de Weimar, 1918 -1932 ) para que este nomeasse Hitler Chanceler (Reichskanzler).


 



As dívidas da Primeira Guerra suscitaram numerosas questões políticas e repercussões nas atividades econômicas. Entre os aliados (Inglaterra, França Estados Unidos, Itália) os débitos com armas e suprimentos dos europeus decorriam dos empréstimos obtidos junto aos Estados Unidos.


 



As obrigações de guerra, impostas à Alemanha, levaram a França, a principal credora – a que mais havia sofrido com a ocupação de seu território e perda de milhões de vidas – a exigir, persistentemente , o cumprimento das normas do Tratado de Versalhes (1919). Vimos como essas imposições foram criticadas por Keynes, no seu livro, ''As Consequências Econômicas da Paz'', pois acarretariam, como de fato ocorreu, empecilhos à fluência do intercâmbio, além de atrasar o desenvolvimento da economia alemã, altamente industrializada, e sua relevância para a Europa. O empenho para enfrentar as questões decorrentes dessas enormes obrigações foi um dos fatores a desencadear a instabilidade financeira dos anos 1920.


 



Barry Eichengreen, no livro A Globalização do Capital, publicado pela Editora 34, expõe que as dívidas e reparações de guerra complicaram ainda mais as dificuldades da Europa. Entre 1924 e 1929 as potências vitoriosas, acrescenta Eichengreen, receberam quase dois bilhões em indenizações da Alemanha. Elas repassaram uma parte para os Estados Unidos na forma de pagamentos do principal e de juros sobre dívidas assumidas durante a guerra.


 



As transferências iniciavam-se com os empréstimos norte-americanos à Alemanha. Esta, por sua vez amortizava as reparações de guerra devidas, aos aliados, Inglaterra, França, principalmente, as quais, por sua vez ressarciam os norteamericanos dos empréstimos contraídos durante a beligerância. As transações financeiras projetaram os Estados Unidos, consequentemente Wall Street, como a sede bancária do Ocidente capitalista.


 



Outra peculiaridade da época consubstanciou-se no intento de restaurar o padrão ouro. As décadas anteriores a 1914 eram reputadas período de prosperidade e crescimento sustentado pelo padrão ouro nas relações internacionais. O país credor em ouro emprestaria ao devedor, o qual, por sua vez, aumentaria as suas taxas de juros e reduziriam os preços relativos de bens e ativos nacionais, atraindo capitais compensadores. Dessa forma, a fluência de capitais equipararia as trocas e incentivaria o comércio. O sistema ouro, porém, não resistiu aos problemas econômicos criados pelos entraves ao comércio Esta decisão de regressar ao padrão ouro prejudicou a totalidade do desenvolvimento econômico, compreendidas as indústrias de exportação e, principalmente as carboníferas.


 



Internacional, observa Eric Roll. O aumento nos preços , real mente, criava obstáculos ao fraco intercâmbio. Em meados dos anos 20, maior confiança entre os europeus propiciou uma fugaz recuperação, obtida, inclusive, pelo Plano Dawes (Dawes Loan), entendimento entre britânicos e norte-americanos, firmado em 1924, o qual permitiu à Alemanha, principal emprestadora, aliviar algumas pressões. O Plano estabeleceu condições mais suaves para os alemães pagarem as reparações, a França receberia 52 por cento, a Inglaterra 22 por cento, a Itália, 10 por cento, a Bélgica oito por cento, e os demais aliados de menor porte as quantias subsequentes. O acordo, embora não estivesse muito acima das condições econômicas da Alemanha, ainda encontrou sérias resistências.


 


Os alemães permaneceram inconformados com numerosos dispositivos do Tratado de Versalhes, principalmente com o artigo 231 que reputava a Alemanha país responsável pela guerra, pois, a partir desse pressuposto, as reparações eram decorrência inevitável. A disposição imperialista e o potencial militar dos maiores beligerantes não abonam a resolução do Tratado. Todos estavam armados e prontos para a luta. Se isto não tivesse ocorrido, o exército alemão, maior do mundo na época, teria facilmente sobrepujado os seus adversários.


 


Por volta de 1930, os países produtores de carne e de açúcar, a exemplo da Argentina, Cuba, e cafeicultores como o Brasil, sofreram profunda recessão devido à queda substancial dos preços desses produtos. Os países do Leste europeu, como ocorre agora por outros motivos, também sofreram restrições a seus produtos agrícolas. Essa situação atingiu África e Ásia.


 



As modificações políticas não obedeceram a um padrão homogêneo. Alguns países adotaram regimes totalitários, outros acolheram um nacionalismo mais estreito, procurando evitar o desastre mediante políticas, mal batizadas de populistas. Se o desemprego era a norma nos países desenvolvidos, o subemprego assolava os produtores agrícolas.


 



Em 1931, a Inglaterra não conseguia mais cumprir as suas obrigações de suprir de ouro os seus credores internacionais , e foi obrigada a abandonar o padrão ouro. Numerosos países acompanharam os ingleses. A economia capitalista ingressou num impasse sem solução aparente.


 



Com a desintegração do padrão ouro – dizem Feinstein, Temin e Toniolo e o desfalecimento da cooperação entre as nações, a economia mundial fragmentou-se em blocos hostis com crescentes competições políticas e econômicas entre as áreas da libra esterlina, o bloco do padrão ouro e o conjunto de países dominados por regimes autoritários, dentre eles a Alemanha nazista e o Japão. O período foi marcado por sucessivas desvalorizações das moedas, introdução de controle cambial, tarifas alfandegárias protetoras, liberando-se os principais países das ideias ortodoxas do laissez-faire, livre comércio e moedas estáveis.

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