Arbeit macht Frei?! O trabalho liberta, colega?!

.

Entrada do campo de concentração Auschwitz | Foto: Christopher Furlong/Getty Images

“Arbeit macht frei” é uma frase em alemão. De onde vem? Ela estava escrita na entrada de vários campos de concentração nazistas na Segunda Guerra Mundial, em especial, lembramos que estava sobre a entrada do Campo de Concentração de Auschwitz, o maior de todos, na Polônia, libertado em 27 de janeiro de 1945 pelo Exército Vermelho, sob o comando do General Soviético Ivan Konetz. A frase fora feita em metal por prisioneiros operários judeus com habilidades em metalurgia. Ela significa “O trabalho liberta”. 

Era, assim, outra porta do não retorno – portas que os brancos pagaram e criaram para outros humanos, portas pelas quais após se passar, perdia-se qualquer esperança. Por isso, cruelmente, aquela mentira ardia (miragem, fogo-fátuo), ela estimulava a pensar que eles iam chegar lá, na liberdade, se fossem bons trabalhadores(as). Se resistissem aos piolhos, ao tifo, à tuberculose, à fome programada, ao abuso, às sevícias, aos experimentos, ao terror, ao assassinato, se escapassem a tudo, pelo trabalho, seriam libertados(as). Enquanto isso, todo dia, a fumaça subia, e as cinzas tristes que tornavam à terra, finas e fúnebres, ensombreciam o horizonte.

Nós somos chamados a refletir sobre esse momento da história que marca o 27 de janeiro, dia internacional em memória das vítimas do Holocausto. É oportuno lembrar disso para pensarmos sobre o que está acontecendo com nosso país, com o nosso trabalho, com a nossa alma, com a nossa democracia com os nossos amigos, com a nossa família, com a nossa dignidade, com a nossa vida, porque nós não estamos num contexto normal, as instituições não funcionam normalmente, exceto se considerarmos normal um contexto tão anômico e doentio como os campos de extermínio do nazifascismo.

O ciclo da alienação precisa ser quebrado pela reflexão sobre a nossa vida. Nós temos que perguntar a nós mesmos: para que serve tanta ordem, se a ordem serve ao caos?! É para ajudar a destruir o nosso trabalho que nós estamos trabalhando? É para ganhar menos que nós estamos nos dedicando? É para aplicar taxas de juros irracionais diante de um ambiente econômico de destruição generalizada que serve um banco público? O que é a escravidão hoje, senão a escravidão pela dívida? Cerca de dois terços da População Economicamente Ativa vivia de auxílio emergencial em setembro de 2020, é sobre si que recai mais duramente o chicote dos juros. É o patamar da taxa de juros em relação com a economia real que define se o bancário, a bancária, sairá de casa de manhã para semear oportunidades e trabalho, ou semear pobreza, concentração de renda. Se ajudamos as pessoas a realizarem sonhos, ou se somamos com o Grande Mamon, o capital financeiro especulativo que não tem pena, não tem limite, e cuja fome perversa é infinita, devorando bens, vidas, trabalho humano que e esterilizado na esfera financeira. É assim que a gente acha significado ou desalento no nosso trabalho. Talvez seja por isso que estejamos adoecendo tanto e por isso a vida esteja em uma crise tão profunda.

Seguiremos acriticamente a melodia da Flauta de Hamelin, limpando as cinzas que nos caem sobre o uniforme listrado até serem nossas próprias cinzas que flutuem até seu beijo triste na terra úmida? A despeito da melodia – que é feia, mas gruda n’alma – não podemos cegar diante da realidade, nem do cheiro de podre, crescente, ao redor. Essa consciência, a solidariedade e a luta, há caminhos, mas é preciso reter as lições de passado com ganas de futuro. É preciso romper a lógica da derrota e ousar lutar para vencer.

A Frente Ampla é o caminho. Mas a lição da História diz que é o povo o grande herói da nacionalidade, pois o patrão e o senhor não respeitam acordo, nem voto, nem alforria, se não pudermos resistir. Perguntou-me uma camarada, incômoda: onde estará a radicalidade na amplitude da Frente Ampla. Se não pudermos resistir, se não houver poder popular, que acordo se cumprirá?

Sem romper a lógica da indiferença e da obediência não será possível construir uma nova ordem.  O Estado é burguês, a institucionalizado, também, precisamos desconfiar do institucional e acreditar mais nos poderes do povo. 

Indiferença e obediências aprendemos há centenas de anos. É assim: corta-se a cabeça, salga-se o solo, separa-se as partes do corpo e não se permite a sepultura. Assim foram tratados Tiradentes, Zumbi, os Guerrilheiros do Araguaia, esse é o exemplo que queriam que aprendêssemos, mas nunca, jamais rezamos por essa cartilha. Morria-se de banzo, fazia-se quilombo, fugia-se, lutamos sempre. A História nos uniu sob o mesmo teto e destino, mostrando-nos que não é possível mais fugir, não há para onde fugir, e é preciso desarmar o feitor, o guarda do campo e reconhecer que todos somos seres humanos, vejam só que novidade. Fomos educados a ignorar o açoite, o linchamento, a tortura, o genocídio negro, indígena, ignorar o linchamento da travesti Dandara em Fortaleza, disciplinados a não ver que o outro é um(a) igual. Essa punição atroz e a indiferença inda mais cruel entraram e conspurcam, assombram e condenam a nossa alma até hoje, pariram essa tristeza e vileza universais que nos assustam. Em Aucshwitz, na escravidão, o que devemos aprender é que a liberdade, a nação e o direito só podem vir da rebelião. A luta é razão de esperança, de felicidade, ela empresta uma dignidade única a quem se liberta das cadeias que escravizam a alma. A ninguém é dado se omitir, todos podemos ajudar a mudar esse roteiro de horror que se tornou o Brasil.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor