Apontamentos de conjuntura (1)

*

1. Caro W. Tento responder tuas preocupações, ultimamente muito apaixonadas e numerosas. A paixão eu a tenho creditado a uma pequena falha de aprendizado ou, quem sabe, uma rusga contra os vetustos ensinamentos da ESAO. Bendita escola, que permite completar a formação, tanto na área de conhecimento técnico como na disciplinar, aperfeiçoando o filho do povo para uma relação harmônica e exitosa com o mundo. Como sabemos, o nível mais elevado do saber tem sido historicamente ofertado de forma mais democrática na via militar, visto que do lado civil o êxito é alcançado, majoritariamente, por uma elite privilegiada, não negra e/ou não pobre.


 


 


2. Faço uma concessão à tua paixão pelo fordismo/taylorismo, apenas pelo aspecto de princípio produtivo capitalista. No fundo, um manto de humanismo sobre a obsessão do lucro em que historicamente tem se transformado a exploração do trabalho humano. As privatizações de setores estratégicos têm colocado nas mãos de famílias ou grupos os interesses nacionais. São muito divulgadas as empresas que “deram certo” – ou seja, que continuam dando lucro, agora para seus novos donos – não se divulga, entretanto, os freqüentes insucessos e espertezas que, volta e meia, costumam se apoderar do dinheiro público pelo paternalismo do poder do estado. Vide PROER e muitos outros aportes indiretos, sob a forma de perdão fiscal, isenção, renegociação de obrigações descumpridas.


 


 


3. As agências reguladoras, em tese, por sua teórica independência, poderiam por ordem na casa. Mas, elas seriam independentes de quem ou do que? Do poder público? Dos detentores do capital? Dos setores trabalhistas? Alguém que não tem opinião? Um marciano, talvez. Com informações do senador Pedro Simon, a Vale do Rio Doce, a segunda maior mineradora do mundo, foi privatizada pelo doce preço de 3 milhões, no mesmo ano em que o Rio Grande do Sul privatizou 40% do capital de uma simples usina termoelétrica pelo preço de 3 milhões e meio. Pouquíssimo tempo depois, a Vale valia mais de oitenta milhões. Diz o senador: “Nem que transformasse todo o minério em ouro puro”. Nessa época, um filho de FHC deslanchou para os grandes negócios.


 


 


4. Discordo do governo Lula por um viés diferente daquele que teu conservadorismo discorda. Pelo pouco que o governo “gasta”, preferindo fazer superávit primário à custa de demandas sociais. Pelo viés conservador os recursos destinados a políticas públicas são considerados “gastos” porque beneficiam a quem tem sido até hoje preterido. Prefere-se que esses “gastos” sejam direcionados, como há séculos, apenas ao “setor produtivo”, como costumam chamar os empresários donos das máquinas de lucro. Aí, não chamam “gastos”, chamam investimentos.


 


 


5. Costuma-se reclamar do “custo Brasil”, ou seja, das conquistas legítimas dos nossos trabalhadores. Querem transformar o trabalhador brasileiro em escravo, como em outros países chamados emergentes, cuja mão-de-obra foi “flexibilizada” em favor do lucro e cujos índices de crescimento costumam comparar com o nosso. Prefiro um crescimento modesto e sustentável. Hoje, duas vezes maior do que o crescimento médio europeu ou estadunidense. Ou do Haiti, como foi moda comparar, na oposição e na mídia. Prefiro o crescimento que valorize nosso trabalhador.


 


 


6. Tua quase neura com o presidente Chávez é a tradução ideológica do conservadorismo próprio de tua formação militar, pouco condescendente com o contraditório. Não que eu aprove os métodos chavistas, pois não me cabe, nem aos nossos decrépitos senadores, nem aos 45 dos 785 membros do parlamento europeu, aprovar ou desaprovar. É atribuição exclusiva do povo venezuelano. É errado dizer-se que ele está comprando armas em vez de alimentos. Tanto as armas que compra quanto os alimentos que também providencia são necessárias à segurança e à saúde da sua nação. Lembre-se que o Iraque foi e continua a ser humilhado porque não tinha armas, tampouco tinha alimentos.


 


 


7. Quem quer liderar a América Latina não é o Chávez. Não é ele que mantém, ou que pretende manter, bases militares em diversos pontos do nosso território, inclusive em Cuba. Quem historicamente quer liderar a Nossa América, desde antanho, é o expansionismo capitalista liderado por Washington. História já bastante conhecida, com a desculpa do “perigo” de Moscou. Hoje, o perigo é o “terrorismo”. Como se o terrorismo não fosse invadir nações, matar em massa, gastar as bombas para manter forte a indústria bélica, manter e torturar prisioneiros desde bases estadunidenses e caribenhas, passando pela Europa, até o Oriente.


 


 


8. Em décadas de sua história, a RCTV já foi punida algumas vezes. Milhares de concessões de Tv não foram renovadas pelo mundo afora, mais de cem somente nos EUA. Somente a Venezuela é acusada de tolher a liberdade de expressão. Liberdade de imprensa ou liberdade de transformação da Tv em partido político? E, até, de pregar o magnicídio. A concessão não é um patrimônio hereditário, por exemplo, da família Marinho. É uma delegação do governo para que se dê cultura e informação ao povo e para permitir atividades a milhares de micro e pequenos produtores de cultura do país. É o caso de se perguntar o que Marinhos, aqui, ou RCTV, lá, produziram para o povo?


 


 


9. Não se faz a felicidade de uma nação apenas com angras. Nem com subserviências aos interesses expansionistas do grande capital que tio Sam lidera, nem com ampliação do grande fosso que cinde a sociedade brasileira e até hoje não se consegue resolver. Falo dos tempos milicos: corrupção encoberta e geração dos grandes monstros comedores de dinheiro público – as grandes empreiteiras do atual consórcio do buraco tucano do metrô – com sobras para a malandragem de políticos e agentes do poder. Vem de lá, pode pesquisar. Falcatruas estão, hoje, à flor dos olhos porque se apura. Polícia Federal, Ministério Público, Controladoria. Não mais o manto do sigilo pela força das armas, não mais gavetas e os tapetes de depois. Abraço fraterno.


 


 


10. PS. São muitas tuas preocupações, como aquela em que concedes o atributo da honestidade apenas à orla militar, como se a natureza humana e as oportunidades pudessem vestir ou não farda. Não aposte nisso. Prometo-me mais tempo e espaço para, oportunamente, comentá-las.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor